quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

ROMA, PRAÇAS E FONTES

No momento em que a Casa Fiat de Cultura traz para Belo Horizonte uma grande exposição sobre o Império Romano, coloco neste blog minhas impressões sobre Roma registradas em diário de viagem.

Tráfego intenso, ruas estreitas, casas pintadas de vermelho, vozerio, brigas, uma batida de carro, gente em torno discutindo: “Quem tem razão?”
Assim, Roma nos apareceu pela primeira vez.
Depois, aquele motorista que nos transportou ao aeroporto às cinco horas da manhã. Quase perdemos o avião. Lembro-me como se fosse hoje do aperto que passamos. O carro velhíssimo, não funcionava, o farol quebrara com os murros que o “chaufeur” lhe dera, o tempo passava e chegamos ao aeroporto com 10 minutos de atraso. Mas, italiano é como brasileiro. Sempre dá um jeitinho para tudo. A escada do avião já tinha sido levantada. “Ponha a escada de novo que elas chegaram!”
A raça latina é tão parecida em qualquer parte da terra!... Gente barulhenta, extrovertida, mas sempre solidária.
Roma de hoje, nesta manhã de verão: o mesmo colorido tropical nas vitrines, a mesma confusão nas ruas. As cenas sobrepõem-se como cinema: Roma “quadrata”, com suas portas construídas pelos antigos moradores da cidade, o arco de Constantino lembrando a vitória do imperador e sua chegada triunfante com as relíquias de Cristo.
A cidade antiga, ruínas de um grande império, a lembrança dos Césares nas pilastras, no Fórum, no Coliseu. Depois da Roma pagã sobreveio a Roma cristã, levantando como bandeira o heroísmo dos mártires: a vida dos primeiros cristãos, seu sacrifício, sua atitude idealista e espiritual, seu protesto.

Bernini é o artista das praças de Roma, das fontes que jorram água e caem sobre pedras e esculturas de guerreiros e cavalos. Bernini é a agressividade e a violência, fruto do espírito barroco da época. Seguidor de Miguel Ângelo, dele captou a força, mas não atingiu sua poesia. Suas figuras gigantescas, retorcem-se em movimentos de músculos deformados, e a água que jorra vai transmitindo ao presente um pouco da história do passado.
Nosso programa é especialmente correr museus, mas a cidade em si é um grande e dinâmico museu. As esculturas de pedras aparecem nas esquinas, ou nas praças entre repuxos. À sombra de edifícios antigos, professores dão aula de história da arte. Há sempre uma estátua ou um monumento para ilustrar ao vivo um fato histórico ou artístico. A vida presente é a alegria do povo, misturada ao vozerio dos turistas com máquinas a tiracolo, uma verdadeira torre de babel de idiomas diferentes, como se aquela fonte, vista àquela hora da tarde, concentrasse sob suas águas a unidade dos povos. Há gente de todas as raças. Todos querem jogar sua moeda na Fontana de Trevi, a famosa fonte dos amores que faz a pessoa retornar à Roma com o preço de uma simples moeda...
Quando descemos as escadarias da embaixada brasileira, o famoso palácio Doria Pampigli, adquirido por Hugo Gouthier, encontramos em cada patamar uma escultura. As lendas de um fantasma, que aparece à meia-noite e anda pelos corredores do palácio, dão ao recinto um aspecto misterioso. A casa do Brasil organiza exposições de arte, e os representantes de nossa terra aqui sempre deram apoio aos artistas, e são grandes colecionadores de arte moderna. Das janelas da embaixada podemos ver em baixo a praça Navona, cheia de crianças, num dia de sol. O presente e o passado se encontram, e a expansão do cristianismo é simbolizada nas fontes de Bernini, representando os rios Nilo, Ganges, Danúbio e Rio da Prata, que significam a universalidade da igreja católica.
A fé, profundamente ligada à arte nos períodos anteriores de nossa história, transportou à América e ao Brasil, através de Espanha e Portugal, o barroco que atualmente constitui nosso maior patrimônio artístico.
Agora, contemplando as esculturas de Roma, vejo as raízes da arte barroca em Miguel Ângelo e Bernini.

*Fotos da internet

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

VENEZA CIDADE QUE RESPIRA ARTE


 (DIÁRIO DE VIAGEM,1967)
Andamos pelas ruas escuras de Veneza, do outro lado do canal. Minha filha Marília segue à frente, abrindo caminho por entre os becos cheios de lodo, que caracterizam a parte velha da cidade, moradia de famílias pobres. Informaram-nos sobre um museu onde poderíamos encontrar arte oriental, e para ele nos dirigimos. Ao contrário de Roma, os museus aqui são pouco visitados. Subimos uma escadaria de madeira e esperávamos encontrar um museu oriental com seus Budas de ouro, porcelana chinesa, etc. No entanto, logo à entrada, deparamo-nos com dois guardas enormes, vestidos de armaduras medievais, armados de lanças, escudos e capacetes. Sinto um arrepio. A presença do homem que estivera escondido sob a armadura é quase viva e ameaçadora. Um verdadeiro exército de guerreiros armados enfileira-se pelos quatros cantos da sala com um realismo tal que apavora o visitante.
Nossa visita ao museu oriental de Veneza começou por esta sala de armaduras medievais. A história dos povos antigos, suas invasões e lutas estão aqui presentes, num estranho impacto de violência e morte. Os olhos achinesados deste capacete de ferro parecem esconder a crueldade e a vingança. No meio das armaduras, outros olhos policiam nossos gestos. É um guarda vivo que nos acompanha. Encosto-me, sem querer, num dos escudos. Um objeto cai e os guerreiros, empunhando lanças, parecem avançar contra nós. Deixamos a sala dos cavaleiros medievais para descansar na finura da porcelana chinesa. O azul é a cor da paz, e a delicadeza dos vasos pintados nos redimem da agressividade das armaduras de ferro.

( DIÁRIO DE VIAGEM, 2000)

Quando a arte se estende à vida, ela se manifesta com a espontaneidade do canto dos pássaros. Dispensa curadores e intermediários e vai surgindo aqui e ali, sem intenção de ser arte. Surge para celebrar um momento único, uma alegria de viver, espontaneidade nunca repetida.
Estávamos em Veneza, após o encerramento a Bienal intitulada “Ética ou Estética”. Víamos os anúncios em todos os muros. Dentro da Bienal, curadores, marchands, artistas, disputaram prêmios e seleções. Do lado de fora, as gôndolas deslizavam nas águas, seguindo o ritual diário da cidade.

Tomamos um barco, Luciano, Ivana, Ida e eu. Naquele momento Luciano Luppi, neto de italianos, de pé no barco, assumiu a postura de diretor de teatro e diretor de orquestra e foi nos conduzindo pelas águas da cidade.
Há momentos na vida inesquecíveis e aquele deslizar de gôndola pelos canais de Veneza foi um deles. Luciano, não somente nos conduzia, mas também cantava com sua voz de tenor. Cantamos “Roberta”, “Io te amo solo te”, “Dio, como te amo” e “Santa Lucia”, marca registrada da Itália. Ali estávamos para participar de um coro imaginário de cancioneiros e gondoleiros. As janelas se abriam e as pessoas sorriam e acenavam. A cada manifestação de carinho, tomávamos coragem para cantar mais alto e mais bonito.
Naquele dia conseguimos alcançar um instante do maravilhoso. Como se fosse um prêmio dado pela própria vida.

(DEPOIMENTO DO PROFESSOR DR CID VELOSO SOBRE A 54 BIENAL DE VENEZA)

“Esta  Bienal foi denominada ILLUMInations (Iluminações) um nome com duplo sentido:  enfoque na luminosidade e menção ao Século das Luzes (século XVIII), no qual a Europa ocupou um papel cultural de destaque e a citação das inúmeras nações que participam do evento (89 países). O Brasil participou com apenas um artista, Artur Barrio, o qual, embora tenha nascido em Portugal, morou no Brasil grande parte de sua vida; Barrio apresentou uma instalação que contextualiza o período da ditadura militar brasileira e a violência atual, inclusive evento ocorrido em Belo Horizonte.
As obras foram expostas no Arsenale, no Giardini e em vários pontos da cidade, ocupando uma área de 10 mil m2.

As obras são de arte contemporânea, com ênfase multimídia: esculturas, pinturas, fotografias, instalações, audiovisuais, sons, cinema, luzes. Valeu a pena ver a Bienal, para sentir a capacidade humana de criar, refazer, reler, comunicar, protestar, denunciar, provocar, alertar, sonhar, fantasiar, antever. Contrastando com a arte contemporânea, estão três pinturas do pintor renascentista Tintoretto, com a menção de que era o pintor da luz.

*Fotos de Luciano Luppi, Ivana Andrés e Cid Veloso

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sábado, 3 de dezembro de 2011

VENEZA E A PRAÇA DE SÃO MARCOS

            Chegamos a Veneza às 4 da tarde, entre a bruma e a água. Até os postes de luz estão mergulhados dentro d’água e a cidade torna-se ainda mais estranha porque é vista pela primeira vez num dia de névoa. Aparece-nos lentamente, como num sonho. Descobrimos aos poucos suas pontes e palácios, a água chegando até aos alicerces de pedra, ruas estreitas e casas de 3 ou 4 andares.

            Viemos de taxi-lancha até Rialto, ponto central da cidade. Em Veneza não há carros, andamos a pé, um carregador à frente com as malas.

            O hotel é simpático, chama-se Albergue Malibran e da janela podemos ver e ouvir o movimento em baixo, o toc-toc dos saltos batendo na pedra, as vozes dos italianos discutindo. Tudo em Veneza é pitoresco e romântico, desde as gôndolas cortando as águas dos canais, às pequenas pontes curvas que ligam uma rua à outra.

            No centro da cidade, zona comercial, não há canais. Nas ruas estreitas, com lojas de extremo bom gosto, circula o povo que assobia e canta alegremente. Assistimos a um concerto na praça de São Marcos. Ouvimos música sinfônica pela banda municipal da cidade, tendo como fundo de cenário a imensa catedral, cujas torres ora se erguem para o céu, ora se perdem na bruma da noite. Lampiões acesos, mesinhas de bar invadindo a área da praça, música, o povo religiosamente escutando, tudo isto nos fez sentir em Veneza um espírito completamente diferente daquele que percebemos em Roma.

            Roma é uma cidade extremamente materialista, e apesar de ser a sede da igreja católica, não tem a espiritualidade que lá desejaríamos sentir. Tudo em Roma é força, mostrando o apogeu do poderio humano. Veneza é leve, graciosa, cheia de pombas voando. Veneza é um barco que desliza sobre as águas, e os venezianos vivem num imenso navio. Há várias lanchas que circulam pelo grande canal e param de um lado e do outro, levando o povo para os diversos bairros da cidade. Assistimos a um cortejo nupcial, a lancha dos noivos toda enfeitada de flores. 

            No trajeto da lancha-taxi, podemos observar os grandes palácios venezianos de lampadários acesos, escadarias de mármore e os alicerces de pedra cobertos de um lodo muito verde. No tempo das águas, estas casas devem ter os seus primeiros andares completamente submersos.

            Os venezianos, durante a invasão dos bárbaros nos séculos IV e V, viram-se obrigados a se refugiarem no meio da laguna. Ali construíram suas casas de madeira, sobre estacas. Mais tarde, abriram canais para dirigir o fluxo das águas e formaram esta cidade. É com pesar que imaginamos sua completa submersão, prevista para daqui a alguns anos.

            Estamos debruçadas nas sacadas do palácio dos Bórgia em Veneza, construído ao lado da Basílica de São Marcos. Em baixo, as pombas misturam-se aos turistas, e entre flashes e revoadas conseguimos observar o panorama característico da cidade. No Mar Adriático em frente, passam embarcações também cheias de turistas, gente do mundo inteiro. A Itália é um monumento de arte e o turismo deve ser uma de suas principais fontes de renda. As igrejas não têm bancos, nem o silêncio necessário à oração. São museus. Guias acompanham bandos, legiões de forasteiros e explicam tudo em línguas diferentes. Inglês, francês, alemão, espanhol. O italiano nascido e vivido aqui só fala o italiano.

            A enorme basílica de São Marcos, na semi-obscuridade, brilha no ouro dos mosaicos de suas paredes e abóbadas e refulge nos relicários. Sente-se o espírito oriental e a inspiração bizantina no preciosismo de cada detalhe e na unidade do conjunto. São Marcos é requintada e simples ao mesmo tempo. O mesmo espaço de pedra da praça continua dentro da igreja, mas em piso de mosaico, ligeiramente ondulado pela terra em baixo, que ameaça ceder. Na praça, ouve-se música. Veneza é cidade essencialmente musical. Há alegria, movimento, música pelas ruas e a despreocupação completa do tráfego. A condução para a travessia dos canais é a antiga e famosa gôndola veneziana.

*Fotos da internet

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