Viajar pela Índia não é fácil. As coisas aqui só
acontecem a partir do inesperado, e, para as cabeças acostumadas a planejar
roteiros fixos, isso constitui o primeiro choque. Chegamos ao aeroporto com as
passagens marcadas, tudo ok.
- “Madam, este voo acabou, não tem mais.”
- “Mas reservamos ontem pela Indian Airlines.”
-“Sim, ontem foi janeiro, a partir de fevereiro
cortamos este voo.”
Este simples corte de voo significaria uma
permanência no aeroporto, o dia inteiro, para seguir à noite. Se não fosse
Dominique, nosso anjo protetor que nos acolheu em sua casa, estaríamos
perdidas. Viemos à noite sem hotel marcado, Madras superlotada por causa de uma
feira de artefatos de couro. Aqui existe uma feira atrás da outra. Da última
vez corremos uma feira de livros que no dia seguinte pegou fogo. Agora esta
feira superlota a cidade. Esvaziei minha mente para saber o que deveria fazer e
confiei no destino. Alguma coisa aconteceria, tinha certeza. No aeroporto dois
agentes de viagem disputavam passageiros. Um deles oferecia 70 dólares por uma
noite num hotel de 5 estrelas, perto do aeroporto. Já estava disposta a pagar,
quando um outro ofereceu uma chance mais modesta. Hotel de 2 estrelas, num
bairro pobre, limpo, ventilador em cima das nossas cabeças: “Mars Hotel”. Foi a
salvação, e aqui estamos, dispostas a alugar um taxi no dia seguinte e procurar
outro espaço, talvez o Krishnamurti Foundation, quem sabe?
Agora, enquanto escuto os mantras, vou recordando
outros desencontros de viagem. Aquela chegada em Delhi com uma jovem francesa,
vinda do
Nepal. A menina precisava de ir à embaixada francesa
e à companhia aérea russa, não falava inglês, dispus-me a ajudá-la. Eu também
teria de renovar meu visa. Chegamos a Delhi, 48 graus, calor insuportável, a
cabeça fervia, a água das torneiras saía fervendo, a eletricidade acabou e o hotel não tinha gerador próprio.
Reclamei na recepção.
- “Não consigo aguentar este calor, acho que vou
morrer.”
No verão, a capital indiana é um caldeirão de calor,
por isso é aconselhável viajar no inverno.
-“ Por favor, arranje-nos algum lugar menos quente
para dormir.”
No pátio central, os indianos colocavam suas camas
do lado de fora, mas o dono do hotel levou-nos até a “boite”, onde o ar
refrigerado ainda conservava baixa temperatura. Tivemos de dormir no chão,
frente a um imenso painel fosforescente representando um dragão chinês.
Chegamos tateando no escuro, velas acesas. O importante nestas viagens é não
esquentar a cabeça.
Nessa mesma viagem o avião não conseguiu decolar
devido ao calor. Ficamos parados em Agra, a aeromoça gentilmente distribuindo
balas e um lencinho úmido para limpar o rosto e o pescoço. Ao meu lado um
indiano reclamava: “Não estou acostumado a este calor, trabalho com ar
condicionado!” Aquela reclamação só servia para aumentar o calor. Resolvi dar
uma de conselheira: “Também eu não estou acostumada, moro nas montanhas, gosto
do frio. Mas por quê o senhor não muda este pensamento negativo? Na minha
terra, tem pessoas que pagam caro para entrar numa sauna, imagine-se numa sauna
por livre e espontânea vontade e as coisas mudarão. O simples fato de ser por
livre e espontânea vontade é decisivo para mudar situações.” O indiano parou de
reclamar, aceitou o inesperado e a sua vibração mudou.(Diário de viagem, 1993)
*Fotos de Maurício Andrés
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