Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
sábado, 23 de fevereiro de 2013
CARTA DE WILSON FIGUEIREDO PARA O BISNETO MIGUEL
Recebi a autorização
de meu cunhado Wilson Figueiredo para postar no meu blog esta carta dirigida a
seu bisneto, que poderá servir para todas as crianças que estão chegando a este
planeta.
“Palavras ao futuro
Querido bisneto
Miguel:
Convidado a saudá-lo,
quando mal acaba de chegar ao convívio daqueles que irá conhecendo à medida que
se intrometerem na sua vida, não encontro pretexto para me esquivar a uma
responsabilidade para a qual não estou preparado. Não tenha pressa em ser
adulto. Os bisnetos que chegaram antes não sofreram o castigo que lhe
reservaram nesta oportunidade. Discursos não ajudam a digestão.
Eu me sinto muito
honrado, mas serei rápido para não indispô-lo com a parentela que não tira os
olhos da farta mesa de doces. Serei pouco conciso, mas aproveitarei para não
perder a oportunidade de dizer o que posso repassar a quem acaba de chegar ao
clube da família.
A oportunidade é
esta, e não se repetirá. Também não quero acordá-lo, se já tiver adormecido, ou
adormecê-lo com conversa fiada, se ainda estiver acordado. Porque, nesta idade,
dormir e acordar são os recursos para continuar a vida.
Meu caro Miguel: um
dia, em que espero estar vivo quando ocorrer, conversaremos, de homem
para homem e, muito antes que tal ocorra, também conversaremos como bisavô e
neto. Cada um na sua. Não faltarão trivialidades para abordarmos. Não espere de
mim bons conselhos, mas também não mais do que minha conivência com suas
peraltices.
Farei o que estiver ao meu alcance para
garantir a liberdade de ser como entender. Que é a primeira liberdade do homem
quando ainda criança.
Até lá, meu caro,
darei o melhor que estiver ao meu alcance para fazer de você um homem
independente, no bom sentido. Ou seja, que não leva desaforo para casa.
Isto é, seja –
quando chegar a hora, e não antes - um homem capaz de pensar e emitir opiniões,
divergir sem ofender o interlocutor, escutar com paciência, votar sem se
iludir, divergir sem agredir, e jamais se candidatar a cargos eletivos. E
nunca acreditar que possa haver melhores condições do que as providenciadas
pela democracia.
Goste de gente e de
bichos, sem excluir os do mato, mas, nesse caso, sem tê-los em casa. E saiba as
diferenças entre uns e outros. Quais sejam, homens e animais.
De minha parte,
exceto modesta rebeldia, pouco tenho a oferecer como exemplo, mas prometo fazer
o possível para que você mantenha a cabeça erguida e leve adiante a ascendência
pelo meu lado inconformado. Que, na parte relativa aos Figueiredo, não registra
casos graves de desobediência civil (ou, para ser completo, militar
também).
Falo como bisavô,
mas fui bisneto, embora apenas em tese, pois nem conheci meus avós, de um lado
e de outro. Quanto mais bisavós. Um luxo naquele tempo em que os avós partiam
antes de chegarmos. Ou logo depois. Bisavós eram entes sobrenaturais.
Meu único bom
propósito, que não terá efeito direto sobre você, é minha intenção de fazer o
possível para você não ter pressa em crescer, nem ser moderado em obedecer: ao
pai e à mãe, dê a sua contribuição ao equilíbrio entre eles e nas relações
familiares. E sorria sempre.
Mas, esteja certo
de que de crianças não se pode exigir,
nem mesmo esperar, que se comportem como adultos, antes da hora em que a
infância deixa de ser soberana.
Não tentarei
estragar suas notas de comportamento em família, mas – enquanto eu viver – pode
contar comigo, seja para obedecer ou para desobedecer, que também é um direito
da criança.
No mais, boa sorte e
até a próxima.
Bisavô Wilson
Acácias 193 – Gávea-RJ”
Acácias 193 – Gávea-RJ”
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