segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

SERRO II

 


Até hoje ainda se fala

De Sá Maria Nonega,

Aquela pobre coitada

Que ficou toda vestida

De noiva, esperando

O seu parceiro,

O Rei do Congado.


Sá Maria se enfeitou

E esperou.

Até que viu

Lá no alto a procissão

Descendo a ladeira

Com outra Rainha...


É muito triste esta estória, mas até

Hoje, quando alguém

É convidado e em

Seguida rejeitado,

Sá Maria é lembrada.



 Outra estória divertida

É a da tia Chiquinha,

Que não tinha paciência

De namorar de longe

Pela janela.

O combinado era

O moço da frente,

Seu pretendente,

Acender um cigarro

E ficar fumando da janela.

A namorada acendia

Outro cigarro de palha

E outra luzinha aparecia,

da janela em frente,

no escuro da noite.



Mas tia Chiquinha

Gostava de conversar

Com os primos,

Reunidos na sala.

Então, teve a bela

Ideia de arranjar

Uma empregada,

E colocá-la fumando

Da janela, em seu lugar.

Porém, as risadas

Atravessaram

A rua e chegaram aos ouvidos

Do pretendente.

A alegria era grande

Na casa de Chiquinha.

Então o pretendente

Desconfiou que estava

Sendo enganado,

E colocou alguém

Fumando em seu lugar.

Queria também participar

Daquela reunião festiva.

Moral da estória:

Desistiu do noivado

E tia Chiquinha

Ficou solteira,

Ficou para tia...


*FOTOS DE JOSÉ ISRAEL ABRANTES

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segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

SERRO I

 




Os nossos antepassados

Nasceram

Nestas paragens.

Subiam estas ladeiras,

Rezavam nestas igrejas.


Ali cresceram poetas,

Jornalistas, pensadores.

Do alto destas montanhas

Brincando nestas ladeiras,

Desceu muita gente boa

Para a corte

Do Brasil.


O Serro é sempre lembrado

Nos grupos familiares,

E as estórias do Serro

Ressurgem como lembranças

De um passado muito rico,

De uma terra abençoada.

São estórias de crianças

Que depois das tempestades

Apanhavam as pedrinhas

Que desciam nas enxurradas,

Afim de ali encontrar pontos de ouro.



 

Era uma festa o garimpo,

Feito de forma natural.

E as pedras eram vendidas

No mercado da cidade.

Os queijos de Minas

Ficaram famosos

Pelo mundo inteiro.

Suas fôrmas, verdadeiras esculturas.


Euler Andrés, um

Descendente do Serro

Produz queijos artesanais,

De forma completamente

Orgânica,

Em sua pequena fazenda

Em Entre Rios de Minas.



*FOTOS DE JOSÉ ISRAEL ABRANTES

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sábado, 4 de dezembro de 2021

JEQUITINHONHA XI

 


FIM DA VIAGEM

Termina aqui esta viagem ao Vale do Jequitinhonha, integrando um grupo de artistas de várias áreas de arte.


Fomos todo o tempo de ônibus, entrando pelo sertão, como observadores e criadores. O importante era fazer o povo participar de todos os eventos, principalmente as crianças.





Eu acabara de chegar de uma viagem à Índia e via paisagens semelhantes em pleno sertão brasileiro.

No Jequitinhonha fui encontrando uma arte profundamente ligada ao povo e estendida à vida de toda a comunidade. 40 artistas de todas as áreas ali estavam para participarem de uma integração das artes, uma criação que incluía música, dança, artes plásticas, fotografia, vídeo, cinema, poesia, literatura.

Nos eventos de arte e educação tive como assessora a jovem artista Ana Horta. Ana me acompanhou durante toda a viagem e na volta descemos as duas em Diamantina, para dar prosseguimento à pesquisa. Muita coisa aconteceu depois, a vida continuou, cada um seguiu seu destino.



Guardei os textos originais e alguns desenhos que ainda podem dar uma ideia do que se passou naquela jornada artística. Uma viagem cheia de surpresas e coroada da alegria de chegar até o povo, torná-los coautores de um projeto coletivo.

Música, canto, alegria acompanhava  a caravana. Seguiam para o Norte de Minas, para o Vale do Jequitinhonha.


Naquela época não foi possível visitar a cidade do Serro, terra do meu pai. Mas o Serro está sendo revisitado atualmente por um grupo de primos, muito interessados em pesquisas de nossos antepassados. É um grupo na internet chamado “Vila do Príncipe.”

*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

*FOTOS DE PAULO JORDANO

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sábado, 27 de novembro de 2021

JEQUITINHONHA X

 




TAMBORES

No fogão de lenha

Entre panelas e latas

Dois tambores azuis

Se esquentam ao fogo

Para produzir o som.

A madeira dos tambores

É oca por dentro.

O tamborim é de tabua

Em forma de hexágono

E tem couro dos dois lados.

O som dos tambores

É feito com as mãos

O corpo serve para fazer música.

Nosso corpo é o próprio som.

E se escutarmos o pulso

Também escutamos som.

Tudo é som na natureza

Tudo é ritmo

Vibração compasso e música.

ATABAQUES

Os atabaques vermelhos

Tem símbolos coloridos

De sentido universal.

Há a cruz de Cristo

A mandala

O sinal de paz e amor

E até uma flor de lótus

Com mil pétalas abertas

Enfeita o tambor dos negros.

Há músicas que nasceram

Há 300 anos atrás.

Mas agora no presente

Não são partes de concertos

Mas vivem na alma do povo

E na boca das crianças

Transmitidas com carinho

Pra viver a tradição.

Segue a procissão pra cima

Levando rei e rainha.

O povo carrega nas mãos

Rosa e mais rosas de papel.




*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

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domingo, 21 de novembro de 2021

JEQUITINHONHA IX

 


FESTA NO MORRO

Fomos todos convidados para uma festa no morro, com lua cheia no céu e muita gente dançando. Faz-se roda e lá no centro sempre tem um par dançando, os outros batem compasso, cantando. No batuque da folia a roda faz união. Pois depois de algum tempo batendo palmas, cantando a gente vê o vizinho como irmão.



Antigamente era diferente,

As pessoas mais idosas

Iam uniformizadas,

Camisa branca, calça preta,

Chapéu de palha.

Começava a dança no sábado

E só terminava

Na segunda feira à noite.

Três dias seguidos

De dança sem parar.

A gente tomava

Só um gole

E dançava a noite inteira.

Hoje em dia a gente moça

Se embebeda  primeiro

Pra depois entrar na dança.



REI  E RAINHA

As ladeiras são vermelhas

Com buracos no caminho.

Há luzes nas ribanceiras,

Gente cantando e subindo.

Do rei só vejo a coroa de prata,

E da rainha também.

Às vezes, fazendo esforço,

Vejo os dois frente à frente.

Lá em cima, na Igreja,

Vão tirar a coroa

E passá-la para outro casal

Que será rei até a outra festa.



A irmandade de Nossa Senhora do Rosário

Chefiado pela Igreja

Tenta guardar os valores

E a tradição dos negros.

Conservam seus instrumentos

E seus cânticos também.

Nesta festa antigamente

Se a rainha fosse branca

O rei devia ser preto.

E se o rei fosse branco

A rainha era preta.



As músicas dos escravos

Seus batuques e congados

Seus ritmos acelerados

Tamborzeiros, dançarinos,

Continuam batucando

Através das madrugadas.

E na janela aberta

O coro está cantando

Entre fogos de artifício

E o colorido das luzes

O coro canta:



“Esperança  nossa

Querida mãe

Rainha da paz

Socorre sempre

Todos os mortais.

Com todos os anjos e santos

Proclamamos a vossa glória.

Eis o mistério da nossa fé.

Bendito, louvado seja”,

Canta o povo em sintonia.

Antes do padre comungar

O rei e a rainha

Recebem o vinho

No cálice de ouro.


CÂNTICOS RELIGIOSOS

Ouvimos Folia de Reis

Cantadas pelas crianças

E aquilo nos lembrou

A toada de outras

Crianças na Índia.

 Música circular,

sem princípio nem fim.

*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

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sábado, 13 de novembro de 2021

JEQUITINHONHA VIII



O sertão é um pouco de nós mesmos,

A infância perdida na distância.



É a manga madurinha

Dependurada no pé,

Jabuticaba dando

A árvore coberta

Dos pés à cabeça

De frutos pretinhos

Bem brasileiros.

Galo cantando de madrugada,

Rompendo o silêncio da noite

E abrindo os passos

De um outro concerto

Cujos componentes

Se escondem sob as folhagens

Das árvores.

Ouvimos o som, sem ver o maestro.

Leite fresco, de vaca ou de cabra,

Carne seca no almoço

Muita pimenta.

Gente vai cedo para fora de casa

Sentados de cócoras,

Conversando.

O calor é escaldante

Feito a Índia.



De 10 da manhã

Às 4 da tarde.

Não se faz nada

Porque o sol,

O grande rei,

Não deixa.

A água é pouca.



Sertão,

Baixa quente

Cor do povo

É cor de barro

Barro em forma de gente

Gente em forma de barro.



Só os potes

Grandes

No chão

Refrescam

A água

E a sede.

Barco deitado

No céu do forno.

O céu do forno

Tem dois furos

Por onde passa o

Calor.

E o barco

Toma cores

Diferentes.

Fica preto,

Fica vermelho.


*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

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sábado, 6 de novembro de 2021

JEQUITINHONHA VII

 




PARTEIRA

Médica de São Paulo, radicada em Coronel Murta, Silvia Prates Mendes, está há 2 anos em Itapoã. Conversamos debaixo de goiabeira.

Silvia começou a trabalhar com a natureza, buscando integrar o seu conhecimento de médica paulista com a sabedoria popular.

As parteiras são responsáveis pela criança mesmo depois de grande, como padrinho e madrinha. Parteira é a companheira que acompanha a mulher no parto, ou antes, desde a gravidez. São pessoas que aconselham e com isso, têm acesso a uma população muito maior.

Já que são responsáveis pela criança, devem levar ao posto para vacinar. As parteiras tem autoridade sobre a população. Usam “simpatias”, rezam para Nossa Senhora do Bom Parto, amarram cordões para o parto ser mais rápido. As parturientes ficam psicologicamente tranquilas. Quando as crianças demoram a nascer, usam a calça do pai. Isto chama a criança.

A alegria das parteiras é pegar a criança nos braços.

Fazem um caldo de galinha com tempero para a mãe, que deve guardar um resguardo. A mãe deve fazer um repouso absoluto, senão fica prejudicada para o resto da vida.

Soubemos da história de uma mulher que não engravidava. Tomou uma raiz com cachaça e teve um filho. O menino passou a ser chamado de “filho da cachaça”.

Famílias por aqui costumam ter 10 filhos, pois não usam anticoncepcionais.

Os pais querem os filhos como mão de obra para o trabalho. Depois de uma certa idade, os filhos se tornam independentes.

Silvia às vezes é parteira, outras vezes é Juiz de Paz.




*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

* FOTO DE PAULO JORDANO

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domingo, 31 de outubro de 2021

JEQUITINHONHA VI

 




BURRINHOS

“De que vale a vida do interior

Sem o burrinho?

Somos gente pobre

Não temos carro.

Pode faltar petróleo,

Mas vamos

Andar montados.

Meu nome é Antonio de Assis

O biscateiro, faço de tudo.”

Pra que serve cangalha de burro?

“É por conta do balaio

Pra carregar as frutas.

Cada um tem seu burrinho

Que trabalha nas fazendas.

A semana inteira

Carregando madeira

Mandioca, cana

Para os patrões.”

Hoje é dia de sábado

Eles estão encostados

Na calçada, conversando baixinho.



BAIXA QUENTE

A rural da prefeita traz a turma

De artistas

Pra Baixa Quente.

Os homens vieram atrás

Na carroceria tomando pó.

E a cidade inteira

Corre pra nos acudir.

O interior é o mesmo

No mundo inteiro.

O mesmo comportamento.

Criança espiando curiosa,

A poeira no chão,

E o burrinho amarrado na cerca

Em frente à casa.

Lá na Índia eles tem

Sempre uma vaquinha,

Mas a atitude simples,

Do povo é a mesma.

Vem passando um porco

Se esfriando na água

Escorrida das casas.

Galinhas correm pelas ruas

Como na Índia.

Quanto mais sertão, mais Índia.

O homem é o mesmo

Em sua essência.

Não existe diferença.

A criança é a mesma

Esticadinha, faz pose

Para o fotógrafo.

Querem sair no retrato

E ver a cara depois.


*ILUSTRAÇÕES DE MARIA HELENA ANDRÉS

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