segunda-feira, 31 de outubro de 2016


ESCRITA ORIENTAL E PINTURA GESTUAL


Alguns críticos ocidentais, especialmente os franceses, falam da caligrafia de um quadro quando se referem ao modo de um pintor conduzir um pincel, ao traço característico do artista. Dizem que um quadro é legível quando comunica através da clareza do traço, da emoção e da sensibilidade linear. As origens desse conceito vêm da China e influenciaram o Ocidente através do Japão, país que serviu de ponte entre o Oriente e o Ocidente.

Observando de perto a pintura do Extremo-Oriente podemos ver com clareza a predominância da escrita como forma de expressão. Os artistas da China Antiga e do Japão escreviam textos poéticos em suas telas de seda e usavam o mesmo pincel para escrever letreiros ou cartazes. As cenas desenrolavam-se linearmente através dos grandes painéis, como se a natureza, perdendo os limites de espaço captados por nossa percepção, pudesse se desdobrar em tela panorâmica, revelando o conjunto de várias paisagens. Árvores e folhagens obedeciam a um ritmo caligráfico de intensidades variadas. As manchas sugeriam espaços indefinidos, esfumaçados, cheios de nuvens. 

Os poemas acompanhavam o traçado das árvores e dos rochedos, com a mesma sensibilidade do desenho. A letra integra-se à paisagem , faz parte dela, não se destaca do conjunto como elemento dissonante. A caligrafia oriental é por si mesma artística e sugeriu ao ocidente a pintura de ação, o grafismo e o abstrato lírico.

Na França, o pintor Mathieu, reduzindo seu traço à vibração do inconsciente, identificou-se com a pintura japonesa. Os anúncios das lojas de Kyoto parecem telas de Mathieu distribuídas pelas ruas, como se esse ambiente se embandeirasse de abstratos modernos.

Nos Estados Unidos, os artistas da action painting (pintura de ação), Pollock, Tobey, Kline, Brooks, Stamus, ao procurar o automatismo psíquico, encontraram a fonte que inspirou a escrita oriental. A pintura de ação ou a arte abstrata informal, independente de temas históricos e de situações vividas em regiões particulares do mundo, mostra o artista em sua origem humana, genericamente semelhante ao seu irmão oriental. 

Despojados de condicionamentos intelectuais e deixando-se guiar pela intuição, os artistas da action painting identificaram-se com o universo, fazendo o espaço cósmico predominar sobre a paisagem tradicional. Encontraram a filosofia oriental nessa atitude visionária,  que atravessa as fronteiras do intelecto para alcançar a intuição pura. A pintura informal estendeu-se pelo mundo até a década de 60, abriu caminho para uma nova concepção de liberdade na arte e levou o artista ao encontro com sua própria interioridade.

A arte consegue escapar ao mundo para identificar-se com a Realidade Espiritual mais profunda. Observando as telas do Museu de Kyoto, encontramos atitudes semelhantes entre os homens que vivem do outro lado do mundo. A Realidade Interior do artista encurta distâncias e une os povos. O misticismo oriental, sua preocupação em fazer vibrar a energia cósmica através da pincelada e seu amor pela natureza encontram receptividade na alma dos artistas do Ocidente. (Trecho do livro de minha autoria “Encontro com mestres no oriente”)

*Fotos da internet


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segunda-feira, 24 de outubro de 2016


EXPO 70 - DIÁRIO DE VIAGEM AO JAPÃO


 A exposição internacional de Osaka, aberta de março a setembro de 1970 foi intitulada: “Progresso e Harmonia da Humanidade”. 

A finalidade das primeiras mostras internacionais era ilustrar as transformações do século XIX, o encurtamento das distâncias, o conhecimento universal. Visava favorecer o intercâmbio entre as nações e a confiança na possível unidade do mundo.

 Assim, em Londres, em 1851 organizou-se a primeira feira internacional. Em 1867 em Paris um pavilhão único em forma de globo reuniu a segunda exposição mundial. De 1893 em diante as exposições universais separam-se em pavilhões nacionais. Cada país mostra o conjunto de seu desenvolvimento. 

Através dos diversos “stands” o visitante toma conhecimento do que se passa no mundo, do progresso tecnológico e da inventividade humana que se projetou vertiginosamente no século XX. 

A criatividade manifestou-se através da arte, da ciência e da técnica, preenchendo a necessidade do homem de avançar para o futuro e descobrir novas realidades. A riqueza da técnica aliava-se ao gosto estético de criar beleza. 

Entre luzes e formas o mundo se desenrolava, sintetizado e projetado nos diversos pavilhões. Estruturas metálicas, tubos, torres e globos continham a síntese do progresso de cada país. Havia uma aproximação dos povos, uma identificação de culturas.

 Vivemos a época da comunicação. Recebemos mensagens que nos são enviadas através da TV, da imprensa, do rádio, dos computadores, da internet e dos celulares. As exposições internacionais trazem informações que ultrapassam a barreira da língua e são transmitidas através dos recursos mais modernos.

Admira-se o desenvolvimento do homem no campo da técnica e suas possibilidades criativas no campo da arte.


 (Trecho do diário de viagem ao Japão, 1970)

Relendo o que eu escrevi em 1970, senti que me foi revelada a visão do mundo do futuro e a união de todos os caminhos do desenvolvimento humano: arte, ciência, religião e filosofia.
Foi o meu primeiro toque de consciência para mais tarde me abrir para outros níveis, pesquisando e praticando a riqueza da filosofia oriental e sua contribuição para o despertar do ser humano no século XXI.

*Fotos da internet

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terça-feira, 18 de outubro de 2016


O SILÊNCIO DE BUDA

O Buda imenso medita, como meditam todos os budas de Kyoto. A atitude é serena, desligada do mundo e de sua agitação. As linhas curvas da escultura, despojadas de sentimentalismo, procuram a harmonia universal. Buda significa o Iluminado, aquele que está liberto da ignorância.

A arte japonesa, que se faz representar através da força mística dos Budas, é uma arte que  alia a tranquilidade à monumentalidade. Conduz ao eterno, levando o espírito a superar a terra e suas narrativas históricas e regionais. 

Há serenidade no rosto, nas mãos, no ondulado da túnica e em toda a atitude da figura. Há quietude mental como querem os filósofos do Oriente. As linhas curvas , às vezes , lembram o Barroco. No entanto, não procuram a agitação, mas o equilíbrio, não levam o espírito ao sofrimento humano, à revolta, ao sentimentalismo, mas conduzem ao centro de todas as coisas onde existe quietude e serenidade. 

Percorremos o famoso templo das mil e uma estátuas de ouro para em seguida, na tranquilidade do museu, contemplarmos o grande Buda de bronze, que em seu silêncio transmitia a mensagem de paz. Esse sentimento de paz e eternidade atravessa o tempo e o espaço, supera a linguagem dos homens, as diferenças raciais e os costumes.

A arte possibilita o diálogo com o infinito. As diversas línguas e preces são como afluentes de um rio que desembocam no oceano. 

Há uma linguagem comum que une o Ocidente e o Oriente através da força mística de seus artistas. A mesma quietude encontramos um dia no interior de Chartres, na França, ou na penumbra dos templos de Assis, na Itália.  (Trecho do livro de minha autoria “Encontro com mestres no oriente”)

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terça-feira, 11 de outubro de 2016


A ARTE DE TESSAI

A poesia de Kyoto me lembra o grande artista que representou o Japão na VI Bienal de São Paulo e que, de certo modo, abriu caminho para a compreensão da arte do Extremo-Oriente no Brasil. 
Lembro-me que a sala de Tessai foi das mais belas e significativas. Suas telas transmitiam a mensagem que só os grandes artistas conseguem comunicar. Provocavam um suspense e uma alegria estranha. Suas cores transparentes não reproduziam simplesmente a natureza. Ultrapassavam o conceito individualista da arte para alcançar o campo mais vasto de arte para a humanidade. Seus biógrafos e apresentadores na VI Bienal salientaram vivamente esse aspecto humanístico de sua pessoa.

Tessai era um homem de vasto saber, afamado mundialmente pelo seu humanismo e erudição. Entusiasta de viagens, aproveitou todo o tempo disponível, desde a juventude até a velhice, para vaguear a pé pelo Japão inteiro. Interessado em história, geografia e folclore, esteve sempre em contato com a grandeza do cenário natural e treinou incessantemente seus olhos para a melhor compreensão e percepção da realidade. “Enriquecido e cultivado pela leitura de dez mil livros e pela viagem de dez mil milhas, o espírito de Tessai atingiu seu ponto culminante através do duplo caminho da pintura e da caligrafia, em que se cristaliza a própria essência da arte no Extremo-Oriente. As suas pinturas representam o reino dos Três Tesouros e das Três Venturas, que são: a Boa Fortuna, a Riqueza e a Vida Longa, da mesma forma que as inscrições nos quadros, voltadas todas para o aprimoramento moral da ordem social e para a razão humana, estão imbuídas do espírito de que todos os homens são irmãos, e também do seu desejo de Paz e Felicidade para a Humanidade”(Kojo, Bispo Sakamoto, no catálogo da VI Bienal de São Paulo).

 Esse trecho de sua apresentação no catálogo da Bienal levou-me a admirar também o outro lado do grande artista e o seu desejo de paz para o mundo.

Tessai atingiu o apogeu de sua arte aos oitenta anos de idade, quando conseguiu, através da luminosidade das cores e da transparência de tintas superpostas, chegar à síntese dos processos da pintura oriental. Aliando sua experiências de vida aos estudos teóricos, Tessai conseguiu transmitir em sua obra uma síntese de cultura, arte, filosofia e religião. Seus quadros, de extrema simplicidade, sintetizam essa visão universal do artista. Lembro-me bem do grande biombo, em seis partes, retratando doze locais paisagísticos do Japão. Depois, aquela flor enorme, sozinha, despojada de detalhes, que ocupava quase toda a área do papel cortado em vertical, parecia uma flor de lótus. De dentro dela uma ave levantava voo erguendo-se como um símbolo de paz. O quadro continha a economia de recursos daqueles que são plenos de sabedoria. Ali, em meio às obras de arte moderna, a arte de Tessai era da máxima contemporaneidade, colocando-se tranquilamente ao lado de outras representações internacionais. (Trecho do livro de minha autoria “Encontro com mestres no oriente”)

*Fotos da internet

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segunda-feira, 3 de outubro de 2016


HISTÓRICO DA LUIZIÂNIA II

No ano 2000 escrevi este texto sobre o Histórico da fazenda Luiziânia:

“Por cima da mesa realizou-se o sorteio das terras da Barrinha. Vovó Malisa comandava e ia lendo os nomes dos agraciados. A casa, com curral e dependências saiu para Laura. Luiz ganhou os terrenos do Capão, lugar onde o vovô Artur plantara um bambuzal quando por ocasião de seu noivado. Foi uma grande lição de desapego para o Luiz que já estava acostumado a frequentar a casa antiga todos os fins de semana. Ali ele repousava do sufoco da cidade, esquecia os problemas da Escola de Medicina, e, deitado na rede passava os fins de semana.

A sorte decidiu por todos nós e no dia imediato decidimos a mudança, deixando para trás quadros e livros. Não sei porque, na pressa de sair, o Luiz levou consigo um castiçal de bronze com uma vela e uma colher de criança, lembranças da infância.

Luiz era uma pessoa afetiva, ligada ao passado, e para ele foi doloroso deixar a fazenda. Era necessário, naquele momento, criar uma nova sede no terreno que ganhamos no sorteio. Saímos à cavalo, Maurício e eu, percorrendo as terras e ficou decidido que a casa seria construída no lugar da antiga casa do Zé dos Santos. A vista era linda e havia possibilidade de água no local. Coube ao Maurício, como arquiteto, desenhar e construir uma casinha pequena, fogão de lenha na sala, varanda dando para a várzea, três quartos, sótão, garagem. Ali passávamos os fins de semana e o Luiz pode novamente descansar nas terras que lhe pertenciam, olhando as vaquinhas pastando na várzea. A última vez que ali estivemos juntos vimos um disco voador parado em cima da casa. Depois ele adoeceu e veio a falecer em agosto de 1977, três anos depois de construída a casa.

Em 1978 viajei para a Índia acompanhando Maurício, Pá e Joaquim. Em 1979 Euler celebrou seu casamento na roça na casa da Fazenda Luiziânia. Euler e Iara ali residiram por algum tempo e a eletricidade foi colocada na fazenda quando o Manoel nasceu. Esta foi a primeira fase da casa, construída com simplicidade, fogão à lenha e luz de lampião. Ali foram criados os três filhos de Euler e Iara, até o dia em que eles chamaram o Chiari para desenhar a nova casa que foi construída logo acima.

Nossa casa se transformou mais tarde com a reforma de 1991, fruto da herança de mamãe. As terras já tinham sido divididas entre os filhos e a casa, depois de pronta, com ateliê e dependência de empregados, área para carros, etc, tornou-se um ponto de encontro da família.

Decidi também passá-la para o nome dos filhos para que eles construíssem em torno se fosse o caso. O condomínio Luiziânia foi criado para que a família pudesse se reunir no lugar onde sempre frequentamos nos fins de semana. As notícias de que o mundo “ia se acabar” muito contribuíram para acelerar o processo de construção e reforma da casa. Fiquei imaginando como seriam os três dias de trevas anunciados pelos ETS e relatados com detalhes por uma freirinha, criada no Uruguai, que conversara com os habitantes de outras galáxias. Eles pediram para deixarmos a cidade e nos acamparmos na roça. Ali, Artur e Regina construíram uma casa com galpões para realizarem seus seminários de grupo Gurdjieff.

Lembrei -me de um vidente na Índia, que procuramos. Ele lia o futuro em folhas de bambu. O vidente ia procurar no arquivo, sentava-se em frente, não perguntava nada. “Vocês vão construir uma comunidade no próximo milênio, num terreno herdado de seu marido...”

Desde os anos 40, minha arte tem sudo inspirada em paisagens da fazenda. A minha fase figurativa documenta o movimento de uma fazenda mineira com as idas e vindas dos carros de boi, as vacas sendo ordenhadas como antigamente.

Acho que o Luiz, lá do alto, deve estar contente com a nossa alegria.”

*Fotos de arquivo

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