segunda-feira, 15 de dezembro de 2014


O GURU

 Perto de Rajgath existe um vilarejo. Fomos visitá-lo depois do jantar acompanhando aquela americana alta que está no Krishnamurti Foundation. Ela só aparece nas horas das refeições, quase não assiste aos vídeos – sai misteriosamente para a aldeia. Tem um jovem amigo lá.
Tivemos de usar lanterna pois a estrada era escura, cheia de buracos; passamos por uma ponte de madeira sobre um rio, até chegarmos à aldeia. Não se enxergava nada, a escuridão da noite, cercava o ambiente de mistério. A ponte era estreita e vários ciclistas queriam passar carregando enormes vasilhas de leite. Só conseguíamos distinguir na escuridão as lanternas das bicicletas, nada mais. Acompanhamos a americana de quase dois metros de altura, ela era a nossa segurança. Guiou-nos até um templo iluminado onde uma multidão de devotos cantava.
Retratos de gurus sorrindo dentro de molduras em forma de flores, um teatro de marionetes por todos os lados. Fizeram-nos sentar no chão, junto a um grupo de mulheres, depois me levaram a um aglomerado de homens, crianças, mulheres. Tentei enxergar o que acontecia colocando-me na ponta dos pés. Um indiano alto percebeu a minha curiosidade, abriu alas no grupo para que eu pudesse ver de frente.
Ali estava sentado, em pose de meditação um homem de meia idade, coberto de guirlandas de flores. Os devotos se ajoelhavam diante dele beijando-lhe os pés. “Curve-se diante dele”, disse-me o homem alto atrás de mim. Hesitei, a postura crítica de uma ocidental veio à tona, mas a força da tradição, a inocência e a devoção dos fiéis quebrou a minha barreira. Curvei-me diante dele como todos os outros e senti que era isto que deveria fazer naquele momento.
Voltamos novamente ao nosso cottage no Krishnamurti Foundation. Paramos num barzinho pobre, construção de bambu, recoberto de folhas de palmeiras. Jovens camponeses da região assistiam a um programa de TV.
Voltei sem saber o nome daquele guru, ficou na lembrança a postura devota dos indianos.
Krishnamurti recusava qualquer ato de reverência. Ele nunca se julgou um guru, nem aceitou ser o Cristo do futuro conforme os teosofistas esperavam. Sua missão foi de abrir a consciência das pessoas, e fazê-las perceber a vida por elas mesmas, sem apoios externos. “Seja seu próprio mestre”, nos dizia ele em suas palestras. Tendo estudado por muito tempo o pensamento de Krishnamurti, através de seus livros “Liberte-se do passado”, “A primeira e a última liberdade” e vários outros, eu pude percorrer a Índia sem me envolver com nenhuma tradição religiosa.

*Fotos da internet


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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014


KRISHNAMURTI FOUNDATION VARANASI

  
Viemos para este lugar maravilhoso, um oásis no meio da confusão de Benares. Estamos alojadas num cotage, com uma varanda dando para um bosque. Lá embaixo o rio Ganges continua trazendo as memórias dos conflitos das cidades e banhando de paz as encostas, as praias e as diversas “Gates” onde os devotos de banham. Em suas águas deposito as experiências, sejam elas boas ou más. O presente só me fala de paz, compaixão, amor. Lembro-me do Dalai Lama – “os nossos inimigos são os nossos maiores amigos, pois nos trazem problemas” e, sem problemas não podemos crescer.
Os problemas de Benares me trouxeram a Ragport, onde está situada a sede do K.T.
Aqui a vivência do agora é tranquila, cheia de beleza. Aqui é o ponto de encontro de viajantes, daqueles que caminham sozinhos, não pertencem a organizações. Vêm de todas as partes do mundo. Krisnamurti foi realmente o mestre internacional. Para ele não existia fronteiras; viajava do Oriente para o Ocidente espalhando sua mensagem. Derrubava as divisões que separam os homens. “You are the world”, dizia. Não existe separatividade entre o observador e a coisa observada. Se entrarmos em união com o canto dos pássaros, com o verde da natureza, o rolar das águas, o barulho das cidades, a massa humana passando nas ruas nas horas do “rush” nos sentimos parte deste todo como participantes incógnitos da música coletiva.

Uma indiana simpática nos recebeu. Chegamos cheias de malas e pacotes. Contei o episódio do macaco e a decisão rápida de vir para aqui.
Krisnamurti sempre tem sido o meu refúgio nas longas viagens. Ele foi o primeiro que teve a coragem de romper com todos os “ismos”. Em 1974, comprei um livro de Krisnamurti “A Primeira e Última Liberdade”. Achei-o no aeroporto de Belo Horizonte e fui lendo o livro sem para até Brasília. Continuei lendo pela madrugada até o dia amanhecer. Quando o sol foi surgindo rompendo as névoas da madrugada abri a janela do quarto. Minha cabeça mudara, a minha percepção sensorial aumentara.
A partir desse dia a minha ligação com Krisnamurti se manifesta de forma independente, sem pertencer a nenhum grupo, mas sempre encontrando por acaso os meus irmãos espirituais, seja no Brasil ou na Índia. Eles me recebem com a maior cordialidade. As portas se abrem, as divisões não existem. Nossa chegada a Rajgath, a permanência neste cottage todo pintado de cores claras, com uma varanda de onde escrevo ou desenho, o silêncio do bosque somente cortado pela música da natureza, o vento, os pássaros cantando, as trepadeiras, os vasos de flores e um pavão tranquilamente circulando por entre as árvores, tudo isto constitui no momento o meu oásis. Aqui tenho possibilidade de estar só e refletir.

*Fotos da internet

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terça-feira, 18 de novembro de 2014


O BARQUEIRO E O MACACO

 O barqueiro nos conduziu pelas ruas estreitas de Benares. Era magro, enrolado num manto vermelho – “Com a chuva não tem passagem para vocês irem até lá...” Apontou o templo, as luzinhas já brilhavam no meio da névoa. Chovera muito e as ruas estavam alagadas. Tentamos chegar até a escola de sânscrito, mas a água chegara até os degraus da escada. Agora o barqueiro descrevia em inglês oficial, entrecortado de palavras da língua local. “Não tem passagem” vão deslizar na escada – “Só de barco.”.
Descemos com dificuldade para não escorregar. Lá embaixo as águas do rio Ganges traziam memórias de cerimônias, cremações, flores amareladas jogadas nos rituais, pedaços de carcaças que envolvem os defuntos. “Não entre no barco!” ele pode afundar, eu posso tropeçar... Lembrei dos dólares guardados na cintura. O caminho até o barco era estreito, depois aquela água cheia de coisas, resíduos, nem sei de quê. O barqueiro insistiu “Mama, não tem perigo, eu seguro seu braço!” – “Não, quando voltarmos já estará escuro.” Desisti de ir – Preferi subir de novo as escadarias, entrar pelos becos escuros, seguir a trilha dos devotos. Entramos num templo, cerimônia de puja, lá dentro as luzes brilhavam em cada nicho: incenso, velas, sinos tocando. A noite nesses templos antigos de mais de dois mil anos é impressionante. Velhos vestidos de alaranjado tocam sinos, rodeiam o templo, cantam mantras. O som dos sinos atravessa todos os labirintos do ouvido, estremece o corpo, retorna a alma para um passado remoto. Chocalhos, sinos reverenciam os deuses.
Benares nos remete ao passado, mas também de maneira às vezes violenta, nos traz de volta ao presente.
O presente é aquele falso brâmane cantando mantras, colocando flores no pescoço dos estrangeiros, propiciando um momento de encantamento para depois exigir dinheiro, comercializando os momentos de devoção. “A corrupção do ótimo é o péssimo” já dizia meu marido. Agora estou vendo pela própria experiência o ótimo se transformar em péssimo. O episódio do macaco culminou com a nossa vinda para a Fundação Krishnamurti  numa decisão irrevogável. Estava exausta, queria descansar, a experiência dos falsos brâmanes me deu consciência do outro lado de Benares, aquele que explora os turistas incautos.

Quando subia as escadarias que levam a um templo junto ao Ganges, senti dor no peito, um sentimento de pesar bateu fundo dentro de mim. Não consegui seguir o caminho, parei junto a uma loja de discos, vídeos, perfumes, pós de sândalo, cassetes. “Não consigo subir, vou parar aqui!”. O jovem comerciante ofereceu-me chá, colocou uma música relaxante, tratou-me com o carinho de um filho. Estava tão exausta que não podia mais dar um passo. A lojinha parecia um templo e o comerciante era um ser humano com a mente compassiva. “A senhora pode ficar, não vou exigir dinheiro...”
O contraste entre os falsos samurais e a compaixão do jovem comerciante me ajudou a respirar melhor. Mas, as experiências não terminaram. Neste mesmo dia, caí na escada do hotel, fui descansar em meu quarto. Dormi algum tempo, mas acordei com um barulho na janela. A cortina mexia e uma cara preta começou a surgir devagarinho pela fresta. De súbito um imenso macaco pulou no meu quarto. Havia uma bandeja com frutas e o macaco cobiçava as minhas bananas. Fiquei um instante paralisada, depois gritei com todas as forças do meu peito. “Help me, a monkey in my room!” O macaco olhou para mim com os olhinhos miúdos. De corpo inteiro com uma enorme cauda, parecia um monstro. “Help me”, gritava eu. Naquele momento eu precisava fugir mas não sabia onde estava a chave do quarto. “Help me!” Aterrorizada a minha voz ressoava pelo hotel. “There’s a monkey here!” O macaco parou e arrepiou inteirinho. Olhou para mim assustado e desistiu de roubar as bananas. Pulou pela janela, de volta aos terraços de onde viera. Os empregados do hotel vieram me ajudar, o dono do hotel se desculpou dizendo que era a segunda vez em treze anos que um macaco entrava num quarto.
Eu não quis saber de nada, nem mais um dia aqui! (Trecho de diário de Viagem à Índia)

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quarta-feira, 12 de novembro de 2014


MEMÓRIAS DE BENARES

Hoje amanheceu chovendo – Benares com chuva significa barro, a poesia das ruas saindo nas enxurradas, carregando o lixo da beira das estradas. O movimento de gente diminui, as pessoas se recolhem. Também nós dedicamos mais tempo para escrever cartas e as páginas do diário vão descrevendo as impressões.
Hoje conseguimos descobrir o professor de sânscrito, da Universidade de Benares. Desde que aqui chegamos colocamos em mente esse objetivo. Agora ele está em nossa frente. Chegou envolvido num manto de lã. Foi amável e receptivo.
O professor é graduado, renomado, cheio de títulos. A casa é pobre, uma indiana veio nos receber, sem falar inglês. Passamos por roupas no varal e agora aqui estamos num espaço que é sala e quarto ao mesmo tempo. O professor de uns cinquenta anos escuta atento a uma jovem brasileira cantando de cor os mantras em sânscrito. Está admirado de alguém dedicar tanto tempo à sua cultura.
A cultura milenar da Índia pertence à humanidade, é necessário que se faça urgentemente a integração.
O professor foi-nos recomendado por um jovem médico de Delhi. As coisas se relacionam e as descobertas que fazemos na vida vêm todas do aparente acaso. Agora descubro que estão programadas. Foi preciso que eu chegasse exausta em Delhi, com dor na coluna; foi necessário me submeter à massagem Aurovédica para curar a dor nas costas. De repente, me vejo em Delhi, três mulheres jogando um óleo quente no meu corpo, como se eu fosse um sorvete com calda de chocolate. Uma hora todos os dias para curar a dor na coluna. Enquanto isto, minha filha lá fora conversava com o jovem médico. Foi aquele médico que nos apresentou a este professor de Benares.
Volto novamente para o presente. O professor vai viajar amanhã, mas reservou a tarde de hoje para nos ajudar. Meu pensamento voou para longe, lembrando a integração Oriente-Ocidente, mas um ratinho me puxou para o agora. Passou com aquela rapidez própria dos ratos, por debaixo dos meus pés. Meu corpo arrepiou todo, dei gritos irreprimíveis enquanto o professor dava risadas. “Amigo de Ganesh”, minha filha disse. Olhei para o quadro de Ganesh na parede. De fato, na Índia, ninguém gosta de fazer maldade com os animais. O ratinho parecia familiarizado com o quarto, subiu até na cama do professor! (trecho do diário de viagem à Índia, 1996)

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quinta-feira, 16 de outubro de 2014


CELEBRAÇÃO BUDISTA AOS MORTOS

Meu primeiro encontro com o oriente e com a visão budista da vida e da morte ocorreu em Honolulu, quando ali estive em 1970, de passagem para o Japão.
À noite, num bairro distante de Honolulu, celebrava-se uma cerimônia budista. O templo era semelhante aos nossos cristãos, com um grande altar central rebuscado de ornamentações de ouro. Embaixo, sob o incenso e defumadores, os devotos acendiam velas e curvavam-se respeitosamente diante da imagem dourada de um santo com os olhos semicerrados. Era Gautama, o Buda, nascido na Índia há dois mil e quinhentos anos atrás, e que, através de jejuns e meditações, conseguiu atingir o estado mais perfeito que um ser humano pode alcançar. Todo o Extremo-Oriente procura seguir os seus passos, e ali, no meio da Polinésia, sua voz continuava a ser ouvida. A cerimônia dos mortos reunia japoneses de todas as ilhas era celebrada, em forma de rodízio, em diferentes templos. Tivemos a oportunidade de nos misturar aos budistas, como espectadores silenciosos das cenas, que se desenrolavam.
A cerimônia atravessava a noite, ao ar livre, no pátio em frente à igreja, e um sacerdote ao centro, no interior de um púlpito, comandava as danças e os cantos. Vestidos a caráter, quimonos apertados na cintura em faixas e laços, sandálias por cima de meias brancas, os japoneses dançavam.
Levavam os filhos pequenos que também batiam palmas e acompanhavam o lento caminhar do círculo. Cantavam, em ritmo cadenciado, lembrando os mortos e alegrando-se porque eles continuavam vivos na memória dos que ficaram.
No culto aos mortos não existe tristeza, e sim, um sentimento de paz e de quietude interior. Para nós ocidentais chegava a ser monótono o ritmo sem transbordamentos do povo que cantava. Sentada nas escadas de pedra do templo budista, assisti a uma cerimônia estranha, ponto de partida para novas experiências a serem vividas mais adiante no continente asiático. Mais tarde, nas minhas caminhadas pelo Nepal e nos estudos feitos com os lamas tibetanos, pude completar essa primeira impressão de viagem: “Morrer é natural”, dizia o Lama, “o importante é morrer com alegria.”

Fotos da internet


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quarta-feira, 1 de outubro de 2014


UMA VIAGEM À EUROPA, COMEMORANDO OS 80 ANOS DA VÓ NAIR

Em 1980 viajei para a Europa, acompanhando a minha mãe, que fazia 80 anos. Achei nos meus guardados, este diário, escrito por ela, contando de forma muito espontânea a nossa viagem.

“Saímos do Galeão às 11 hs da noite de 7/7/80, viagem muito boa. Estamos agora parados no aeroporto de Dakar. Cheguei um pouco cansada, pois saímos às 11 da noite e chegamos às 8 hs da manhã do dia seguinte (embora exista uma diferença de 3 horas para mais, por causa do fuso horário). Chegamos em Genebra  e no aeroporto estava à nossa espera  um empregado da companhia de aviação. Foi muito atencioso, tomou conta da nossa bagagem e nos levou ao Hotel Eden.
Hoje , dia 9, está bastante frio, tomamos um carro por 2 horas e corremos parte da cidade. Helena conversa correntemente em francês e inglês, de maneira que estamos nos saindo muito bem. Entendo porém quando falam em espanhol e entendo também um pouco do francês.  A cidade é linda, com prédios parecendo verdadeiros castelos. É muito limpa, não se vê um pedaço de papel sequer jogado no chão. Hoje presenciei uma criança procurando um cesto de lixo para jogar um pauzinho de picolé. Ele já estava acostumado a não sujar a cidade. O que me admira também são os jardins, todos floridos, com flores que eu nunca havia visto. Arborização lindíssima, as árvores todas com verdes de diversos tons. Nunca tinha visto coisa mais bonita! Num lago (não sei ao certo o nome) haviam diversas embarcações  e repuxos de água que subiam altíssimos! Hoje me sinto um pouco cansada (coração), mas vou controlando com os meus remédios. Helena tem sido maravilhosa companheira. O dinheiro que corre aqui é o franco suíço, e a vida é caríssima. Helena comprou um  casaco de chuva que estava na remarcação. Faltava o cinto, e o dono da loja devolveu 5 francos.  Ônibus só paga se quiser. O nosso chofer disse que aqui não existe ladrão nem violência.
Estamos ainda em Genebra e hoje é dia 10 , meu aniversário. Estou um pouco triste pois passei longe de meus outros filhos. Almoçamos num restaurante italiano, eu, Helena e Dr Peter, um médico indiano muito simpático. Fomos depois para o hotel e ele tomou a minha pressão, achando um pouco alta. Acho que, com a emoção da viagem ela tem subido um pouco. Resultado: tive que ficar 2 dias de repouso comendo sem sal. Logo melhorei.
Dia 13 de julho viemos para Paris, onde ficaremos 15 dias. Paris, que tanto sonhava conhecer... É uma cidade muito antiga, todos os prédios velhos. Eles conservam como era no tempo dos reis e rainhas. À toda hora lembro da Maria Antonieta. Estou gostando muito, apesar da chuva que está caindo. No dia do meu aniversário, 8 décadas como disse Paulinho, meu neto. É uma longa vida que nem todos tem o privilégio de chegar. Recebi logo telefonemas de todos os filhos, o que muito me comoveu. No mesmo dia, uma carta da Maria Regina, com gosto de minha família. Da Suíça para Paris levamos 1 hora, uma viagem muito boa. Hospedamos no hotel de France, bonzinho, 3 estrelas, mesmo no centro da cidade.
Hoje é 14 de julho, estão em grande festa, festa nacional pela tomada da Bastilha. Estamos sentadas numa praça onde tem uma festa popular, coreto com música e dança para o povo. Muito interessante e todos muito alegres. Como é emocionante conhecer tantas coisas que já havia lido em romances...

Depoimento de Helena: “pessoas de todas as cores, gente de todas as idades, música, dança, a verdadeira Paris do povo parisiense está aqui nesta praça com um pequeno coreto no meio, mesinhas, café, creperie, janelas com flores, luzes nas ruas. Dá ideia de Ouro Preto, tudo antigo. Pela primeira vez um programa legal, 14 de julho em Paris. Marselhesa, os nobres caindo, o povo, a massa subindo, Revolução Francesa e o mundo depois de tudo continuando na mesma. Pobres e ricos, nobres e plebeus. Ontem em Genebra vimos o Papa João Paulo II na televisão pregando a revolução sem mortes, sem guilhotinas, mas conscientizando a luta e a compreensão das diferenças no sentido das mudanças. O mundo ocidental quer as reformas da massa, o mundo oriental quer a reforma de cada um dentro de si – Krishnamurti prega outra revolução, a quebra do ego, do eu egoístico para a compreensão também da igualdade de todos – por dentro, não por fora.
São dois polos opostos da mesma moeda – mudar, reformar.”

Continuação do diário de D. Nair: “Hoje, dia 16 saí com Helena para um encontro com o embaixador do Brasil, muito simpático. Agora, depois do almoço, fiquei um pouco no hotel descansando. Helena foi a uma editora para mostrar o livro da Índia. Já fizemos diversos programas, à noite o Lidô. Fomos a diversos cinemas, todos muito pornográficos, até enjoa.
Hoje, dia 23, viemos ao Museu de Arte Moderna, muito interessante, muito bonito mesmo. Aqui almoçamos e, enquanto descanso, Helena corre o museu.
Hoje, dia 24, fomos a Chartres, uma cidade antiga onde tem uma bela catedral, toda com vitrais belíssimos. A igreja é antiga, mas é dessas catedrais que dá vontade de rezar, recolher. A cidade é linda, toda em estilo muito antigo, fomos de trem primeira classe e voltamos de segunda classe.  Ótimo trem, duas horas de viagem. Aqui na França escurece mais tarde, às 9 da noite ainda está claro.” (Diário de Viagem de Nair de Salles Coelho)

*Fotos de arquivo e da internet

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quarta-feira, 17 de setembro de 2014

MULTICULTURALISMO E ARTE NA EDUCAÇÃO


 Um velho de longas barbas brancas e turbante na cabeça aguarda a esposa que traz as malas. O filho vem esperá-los no aeroporto de Londres, num carro ultimo tipo. O avião veio de Delhi, capital da India, com 400 pessoas,  superlotado, com muitas indianas vestidas de sarís, sandálias nos pés como se estivessem no calor da Índia. Aos  poucos  vou tomando consciência  de que o antigo império britânico está recebendo agora o seu carma de conquistador. O invasor se vê invadido pelos povos conquistados e os indianos na Inglaterra  formam nova colônia, realizando aquele desejo que os orientais têm de viver no ocidente. Moram em casas confortáveis e se instalam em vários bairros do subúrbio de  Londres, mas voltam todos os anos à Índia  para rever os costumes dos antepassados ou buscar a noiva prometida pelos pais.  Os casamentos são realizados na Índia, com todas  as comemorações festivas, mas a noiva vem morar na Inglaterra, com a família do noivo, pois isto é o costume na Índia. Os filhos são, de certo modo, a segurança para os pais durante a velhice, e moram com eles na mesma casa, muitas vezes devido à necessidade econômica. Recebem apoio dos avós e dos mais velhos, que ajudam na educação das crianças enquanto as mães trabalham fora.  Há o tempo de ser sustentado pelos pais e o tempo de sustentar econômica e psicologicamente os mais velhos.
Fomos convidadas a conhecer uma família indiana residente em Londres. A mulher trabalha fora, no aeroporto, e o marido faz plantão no metrô subterrâneo, o " underground" .  Estão felizes com a nova pátria que adotaram e o frio de Londres faz com que recordem também do frio de Punjab, estado do norte da Índia, próximo aos Himalaias.
Marcamos encontro na entrada do "underground". Vieram nos receber num carro confortável, e a filha mais velha, estudante de universidade, vem conhecer os visitantes brasileiros. Os filhos rapazes usam turbante como o pai, os " sikhs"  não mudam  sua indumentária quando se estabelecem no Ocidente. O turbante é importante para identificá-los e para que se afirmem política e religiosamente como um grupo cultural da Índia.
Refletindo sobre a situação dos filhos dos imigrantes das ex-colônias britânicas, entrevistei  Monica Keating, professora de arte da universidade da "Central England" que participou do Forum das Americas, a convite da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente no Retiro das Pedras, em um encontro informal onde ela descreveu com entusiasmo sua experiência em arte-educação da perspectiva de multiculturalismo. Coube a ela ensinar para  aos filhos de imigrantes vindos do Caribe, Índia, Paquistão, Bangladesh que entraram na Inglaterra atendendo às necessidades de mão de obra para trabalho depois da 2a  guerra mundial. Monica analisa a situação dos muçulmanos e negros Britânicos, isolados nos subúrbios das grandes cidades e considera o ensino da arte contemporânea, uma das formas de reduzir tal isolamento. A arte contemporânea permite a coexistência de diversas técnicas e manifestações culturais. Com isso, facilita na busca da identidade necessária ao desenvolvimento dos jovens. A situação da mulher na cultura muçulmana está evidente nas caixas da jovem Rubina, de 17 anos: "esta é a minha prisão", relata a artista em seu trabalho, uma caixinha com arabescos muçulmanos, hermeticamente trancada, contendo em seu interior detalhes de fatos onde o olhar é velado às mulheres.
Rasheed Araeen, jovem paquistanês, critica em suas obras o isolamento dos artistas não ocidentais, considerados exóticos. A pintura coletiva foi usada por Monica Keating, como forma de aproximar os jovens e quebrar o isolamento causado pela discriminação.
Entre as artistas citadas por Monica destaca-se Ana Maria Pacheco, brasileira famosa na Inglaterra, cujo trabalho vem influenciando os jovens estudantes da educação multicultural. No momento, o governo se  preocupa com a discriminação racial, promovendo   o multiculturalismo através da arte. Num mundo conturbado por guerras e terrorismo, a arte na educação levanta a sua proposta de paz.
*Fotos da internet
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segunda-feira, 1 de setembro de 2014


VIAGEM AO CAMBOJA

Recebi do Dr Cid Veloso o relato de sua viagem ao Camboja, que transcrevo abaixo:

“País muito antigo, relatando-se histórias de uma época pré-histórica, de 5 séculos A.C. Em toda sua história, sempre teve muita influência da Índia (hinduísmo e budismo).
Sistema político: monarquia parlamentar democrática; não é comunista. O rei atual (Sihamoni) tem 61 anos, é budista, solteiro e foi bailarino em Paris, não tendo vocação política.
Religião: 95% budistas; há 4.000 pagodas no país.

A colonização francesa ocorreu de 1864 a 1953. O forte sentimento nacionalista, liderado pelo partido surgido na época – Partido Popular Revolucionário do Kampuchea – apoiado pelo Vietnã, obrigou a França a conceder a independência ao país em novembro de 1953, que  foi declarada pelo rei Sihanouk. Após a Guerra do Vietnã, em 1975, o Camboja foi dominado pelo movimento Khmer Vermelho, liderado por Pol Pot e apoiado pela China, que pregava o maiosmo radical; foi um regime violento, que resultou na morte de 1,7 milhões de habitantes. O regime foi derrotado com ajuda dos vietnamitas, em 1979. Em 1993 foi restaurada a monarquia.

É o país mais pobre da Ásia e sua economia é baseada no arroz, na indústria têxtil, borracha, óleo de palma e, atualmente, o turismo está sendo o principal produto econômico (recebem 4 milhões de turistas por ano; como referência, o Brasil recebe 6 milhões/ano). Foi descoberta reserva de petróleo no fundo do mar, mas ainda em pequena escala, não exportando.
Possui o maior lago de água doce do sudeste da Ásia, o Tonlé Sap: 3.000 km². de extensão. É o mais rico em peixes e fornece água para o território da metade da população do Camboja; no lago moram 90.000 pessoas, que vivem em 170 vilas flutuantes. É considerado “Reserva da Biosfera” pela UNESCO. 
Phnom Penh , a capital do país, já foi considerada a “pérola da Ásia”, tendo perdido o brilho após as seguidas guerras e revoluções, estando agora se recuperando. O Palácio Real, com belos templos, especialmente a pagoda de Prata, tem o chão coberto por 5.000 peças de prata e um sólido Buda de Ouro
Neste momento atual, o ano budista é 2.558. O Budismo prega 4 princípios: caridade, neutralidade, compaixão e misericórdia; o budista busca sempre dar e não receber. Budistas devem comer apenas 2 vezes ao dia e dormir do lado direito. Nas estátuas, Buda adota 25 posições; alguns exemplos: com uma mão para cima: perdão: com duas mãos para cima: paz; uma mão para baixo e uma mão ao longo do corpo: vencer a batalha do mal.

ANGKOR , considerado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. O parque dos templos possui 400 km². A beleza, a história impressionante e a arquitetura imponente dos templos são difíceis de descrever.

Angkor – antiga Yashodharapura – foi o império mais poderoso do sudeste da Ásia (compreendendo desde Myanmar até o Vietnã), em torno do grande lago Tonlé Sap, quando foi capital do Camboja, no ápice da civilização Khmer. Com o declínio do Império Khmer, Angkor foi abandonada, sendo cercada e coberta pelas florestas tropicais do país. No final do século 19  missionários, pesquisadores e historiadores, predominantemente franceses, iniciaram estudos na região, recuperando a história e revelando a importância e a beleza dos templos. Somente na década de 90 do século passado foi iniciado o esforço governamental para desenvolver o turismo baseado em Angkor. São 300 templos em Angkor, sendo os principais: Angkor Wat, conjunto de Angkor Thom (Bayon,  Phnom Bakheng , Preah Kahn, Srah Srang, Ta Prohm, entre outros) e Banteay Srei.

Angkor Wat (angkor = cidade; wat = templo) é o maior templo religioso do mundo.  Construído durante 32 anos (1.113 a 1.145) por 300.000 trabalhadores e 8.000 artistas (na época, havia cerca de 1 milhão de habitantes na região, quando Londres possuía 50.000 habitantes). As pedras foram trazidas de 70 km. de distância, utilizando 2.000 elefantes. Tem forma piramidal, com 3 níveis; 5 portas de entrada: uma para o rei e depois outras para os funcionários, para os monges, para os ricos e para o povo; apenas uma porta de saída, simbolizando que a morte iguala todos. Há 4 serpentes com muitas cabeças, uma  em cada canto do templo, para proteção. Há um mural entalhado de 80 metros, com lendas de influência hindu: Mahabharata, Ramayana, criação do mundo, e cenas de guerra com a eterna luta dialética entre os deuses e demônios. Há 4 tanques em salas de recepção, dedicados aos 4 elementos: fogo, ar, água e terra. Os 4 corredores são em forma de cruz, fazendo imaginar uma identidade (arquétipo?) com o cristianismo.” (Cid Veloso, Diário de Viagem ao Sudeste da Ásia)

*Fotos de Cid Veloso

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terça-feira, 19 de agosto de 2014


A EXPERIÊNCIA DA INSEGURANÇA


Índia, Kerala – Kaurangad, 1979. Aqui mora uma santa. Viemos vê-la. Viajamos de ônibus, trem de ferro sacudindo, o corpo doendo. Receberam-nos com carinho. Nos Ashrams sempre existem lugares. Os visitantes querem paz, rezam pela paz. Não se cobra nada aqui, paga-se o quanto se pode dar. Uma amiga foi quem primeiro indicou esse Ashram no ano passado. Veio da Alemanha buscando a paz e o reino de Deus aqui na Terra. Procura uma vida de segurança, sem conflitos, rezando e cantando. Encontrei aquele rapaz que me ajudou no ano passado. Está mais pálido, falando pouco e desfia constantemente um rosário indiano denominado Mala. Passa os dias repetindo o mantra. O mantra repetido 108 vezes traz um estado de paz. Sento-me na grande sala forrada de esteiras e ouço os mantras cantados. Homens de um lado, mulheres de outro.
A santa, denominada “Mãe” veio pessoalmente rezar pelo mundo. É velhinha, tem 80 anos e dirige o Ashram. Os devotos ficam horas rezando em conjunto. A Mãe simboliza a energia Shakti. Olhar de bondade e paz. As pessoas se inclinam e lhe beijam os pés. Sinto-me longe, tão longe desses rituais que, para não continuar representando, apronto as malas para viajar no dia seguinte. Fica a lembrança do cozinheiro bigodudo com três filhos, sempre alegre, dos sadhus comendo de graça (um deles mora na floresta, veste-se com dois panos brancos).  Uma das devotas tem o cabelo cortado como homem, já foi casada, separou, superou o sexo, morou numa gruta três anos. Cada um tem um modo diferente de crescer. O dela foi assim, libertar-se do desejo de segurança. Nós agora estamos todos nos libertando também, mas de acordo com o nosso carma.

Insegurança é correr para apanhar o trem andando, o indiano na frente tampando a passagem, Beth, minha jovem amiga brasileira dentro do vagão, correndo o risco de viajar sozinha. Empurraram-me, entrei nem sei como. O maquinista do trem me disse: “Deus te protegeu”.
Estou viajando de novo. Lá fora os coqueiros passam, coqueiros e mais coqueiros. Agora estamos atrás de um hotel.  Indicaram-nos o Maritani tem até “Cabaret Hall”. Chegamos cansadas e nada de poder dormir. A música tocou a noite toda!  Que diferença de situações! Primeiro o Ashram, a pura paz, a segurança, todo mundo rezando e cantando e agora o outro lado da vida. O hotel barulhento, discoteca. Foi difícil dormir apesar do cansaço. De novo num ônibus, malas nas mãos, sacudidas pela poeira dos caminhos. Beth  procura uma clínica  chamada “Nature Cure”, que a sua imaginação transformou numa espécie de “SPA”, onde poderíamos nos recuperar do cansaço de tantas viagens. Bem que eu não tinha fé neste programa. Andamos, chegamos e voltamos, não tinha vaga.
Aqui em Kerala o governo é comunista. Hospitais com bandeiras vermelhas, foice e martelo nas repartições públicas. Bandeiras ventilando nas sacadas. A Índia é um país democrático, considerada a maior democracia do mundo, e em alguns estados governa o partido comunista.
Kerala parece um lugar mais organizado. Calicut é porto de mar, tem cheiro de peixe. Há 500 anos atrás, Vasco da Gama aqui esteve com suas caravelas. Em Calicut existem muitas farmácias ayruvedicas. Parece que eles estão se libertando da indústria de remédios estrangeiros e vendendo e estimulando o tratamento através de plantas. Ayruvedica é a medicina antiga ensinada nos Vedas. Muita coisa se perdeu porque não foi transmitida. Aqui quase toda farmácia é Ayruvedica e este hospital do governo está super lotado, não há vagas. Ouvimos isso o dia todo. Não há vagas... Tudo tem que ser marcado com antecedência. Voltamos para o mesmo hotel. É difícil viver a experiência da insegurança. As viagens se transformam em crescimento quando através de experiências “de risco”percebemos o quanto somos protegidos  (Diário de Viagem à Índia, 1979)

*Fotos da internet


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terça-feira, 5 de agosto de 2014


VIAJANTES CONSUMISTAS

Viajar é bom para o auto conhecimento. Ficamos sabendo como somos quando arrumamos nossas malas. Quanto maior a bagagem, maior nossa insegurança. Queremos levar tudo, carregar a proteção nas costas, cruzar o rio da vida com os pertences. São roupas, sapatos, compras, livros, remédios. Observo as pessoas em torno, como são despojadas!
“Mas sua bagagem é só isto?”
Dois vestidos e uma sandália. A beleza de Patna é interior, ela não precisa variar de roupa. Veio de Israel, foi iniciada na Inglaterra, agora corre a Índia. Permaneceu em Madras três meses, participou de palestras, conferências, danças, fazia pesquisas na biblioteca. Quando ia a um curso de bonecos no centro, voltava com os olhos brilhantes de alegria. Sua bagagem aumentou com dois bonecos feitos por ela mesma. Aqui não há a preocupação de consumir.
Shanta partiu para Lunawa com pouca coisa. Não tem casa, perdeu tudo e ainda espera da vida. Veio do Líbano. Encontramo-nos na enorme varanda.  Passa gente lá em baixo e olha para cima com curiosidade. Os indianos são curiosos e sorriem. Nós somos brancas. Shanta ao meu lado, pesquisa livros naturistas. “Nature cure” é o seu darma. Às vezes a vejo cercada de pássaros. Outras vezes cuidando das plantas “Vou a Delhi para um curso especializado, mas em janeiro estarei de volta.” Há uma simplicidade em dizer “I’m a homeless lady”. Uma pessoa sem lar, sem casa, viajando com poucas malas. O consumo não existe para esta gente, pois o consumo exige um lugar para se depositar coisas. Armários embutidos, prateleiras, armários cheios de bagulhos.
Viver o agora é despojar-se de tudo, morrer para o passado, os apegos, as coisas acumuladas. As pessoas de um modo geral são “homeless” aqui. Suzy foi professora, largou tudo. Fico lembrando as palavras de Rubens, um teosofista vindo de Kênia, África. “Conhecimento adquiri-se em livros, mas a sabedoria só nos chega através da experiência.” Viajar nos mostra a vida logo em seus múltiplos aspectos, chega-se à conclusão de que o acumulo e o consumo não levam a nada. É como a serpente comendo o próprio rabo. Compra-se, satisfaz-se um desejo e ele nos envolve. O não consumo é a sabedoria. Aquela italiana com um coque amarrado no alto da cabeça só tem duas roupas. “Tive de optar, ou viajo e aprendo, ou compro e não aprendo”. As roupas já estão desbotadas, mas a filhinha de 6 anos está feliz porque está sempre com a mãe, que aprende a fazer bonecos, estuda música e pretende ensinar na Itália o que aprendeu na Índia.
Aqui nesta comunidade moramos em quartos com banheiro coletivo. Lavamos roupa no tanque, onde às vezes encontramos amigos para um bate papo internacional. Lisa nos fala da Inglaterra. Já foi chofer de taxi, agora está aqui, aprendendo na universidade da vida. Procura ajudar todo mundo. Há uma vibração intensa de amor e compaixão. Todos têm a sua história e se encontram junto ao tanque de lavar roupa.

*Fotos de Maria Helena Andrés e da internet


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domingo, 20 de julho de 2014


SÃO FRANCISCO E A GRUTA DELLA VERNA

Um almoço inesquecível
Uma mesa posta ao ar livre, entre árvores e flores, travessas de peixe com leite de coco e banana, arroz, salada, vinho e até um guaraná antártica. Ao redor crianças brincando de roda, homens e mulheres jovens conversando sobre o dia a dia, a escola onde trabalham e principalmente sobre crianças. Estamos na casa de Sérgio e Martina, amigos de Teresa e Alberto.
A turma que aqui se reuniu faz parte de uma “tribo” de professores da Escola Valdorf, situada em Colle onde Teresa e Alberto lecionam. Considerada uma das pedagogias mais avançadas, ela adota formas de ensino e currículos bem diferentes dos tradicionais, com o professor acompanhando durante muitos anos a mesma turma de alunos. Torna-se um mestre, quase um tutor, uma referência de vida para seus alunos. Hoje eles  conversavam sobre crianças, sobre o melhor para elas, sobre a importância delas serem felizes e não somente aprenderem coisas, serem um depósito de informações.
Conversamos também sobre motivações para mudanças. Segundo Sérgio, atualmente aqui na Europa, fatores que provocam mudanças de vida não são apenas transferências de emprego ou ganhos de salários, mas sobretudo a realização pessoal: o encontro amoroso com “a pessoa certa”, o melhor lugar para se criar um filho.
Gruta Della Verna
Toda viagem costuma ter seu ponto máximo, ponto de virada que coincide com emoções fortes causadas por visões de uma natureza impactante, dessas de "tirar o fôlego”, a visão de uma obra de arte grandiosa ou a sensação de paz que, por algum motivo impregna um lugar.
Hoje vivenciamos este ponto de virada quando então podemos dizer: "chegamos, Lu, onde esta viagem tinha de nos levar. Podemos agora voltar para casa.”
O lugar: a gruta de La Verna, onde São Francisco de Assis recebeu, em meditação, as 5 chagas de Cristo.
Tudo começou quando recebi um email de minha mãe, relatando uma viagem do Regis a este lugar. No dia seguinte, durante o almoço na casa de Sérgio e Martina, comentei com eles sobre esse lugar. Sérgio me disse: "podemos ir lá, eu também quero conhecer”.
Hoje foi este dia, um passeio por uma parte da toscana que nunca iríamos conhecer por conta própria. Por mais de 2 horas o carro com ele, Martina e a filha pequena Fresia, serpenteou por vales e montanhas até chegar à comuna de Chiusi Della Verna, famosa por seus vinhedos e olivas.
Próximo ao local do santuário nossa animada conversa foi dando lugar a um silêncio bom, natural. O santuário é um conjunto de construções em tons de cinza e ocre, todo de pedra. Até os telhados são dessas cores, o que nos dá a sensação de algo que se funde com a terra, com as pedras altíssimas e com os troncos cinzas da floresta local. Tudo está construído no alto da montanha, lembrando os lamas tibetanos. Aqui há, além da igreja e capelas construídas em locais onde São Francisco teve visões da Virgem ou de Cristo, locais para a residência dos frades e uma casa para a hospedagem de pessoas de fora. Há também um restaurante, café e estacionamento. Mas para mim o mais impactante foi a "Gruta Della Verna” entre pedras escarpadas hoje cobertas com vegetação e florzinhas amarelas e brancas. Fomos descendo uma escada de pedra e a gruta se revelou, um espaço de poucos metros com poucas aberturas além da entrada. Encostada na pedra uma grande cruz tosca de tronco de árvore. A sensação era uma mistura de emoção e de paz, quando lágrimas correm entre sorrisos. Uma pequena fração do que deve ter atingido o santo, quem sabe nos atingiu também? Fizemos o que viemos fazer, vimos o que nos era destinado nesta viagem? Não sabemos ao certo, embora a sensação é de plenitude. Todo o caminho agora é o caminho de volta. (Trecho do diário de viagem de Ivana Andrés)

*Fotos de Luciano Luppi

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terça-feira, 1 de julho de 2014


LUCCA, CARRARA E VIAREGGIO

“Luciano está procurando um possível irmão italiano. Leva na bolsa fotos amarelecidas pelo tempo, enviadas por seu pai Bindo Luppi e guardadas por Anita, sua avó, desde os anos 40. Fala de namoradas que encontrou na Itália durante a segunda guerra mundial, quando serviu como pracinha brasileiro. Quando encontra uma oportunidade, o Lu mostra este material antigo como uma relíquia preciosa. Muitas vezes as pessoas não mostram tanto interesse, mas... quem sabe na próxima abordagem teremos mais sorte? De qualquer forma este é um bom pretexto para seguir um roteiro de viagem que segue os passos de Bindo Luppi pela região da Toscana, especialmente Lucca, Carrara e Viareggio.
 A parte histórica de Lucca é totalmente cercada por uma muralha, construída em etapas há séculos, com o claro objetivo de defesa. Entre ela e o lado de fora um imenso gramado apresenta declives e túneis que, no passado deviam ser cobertos com água. Diversos portões se abrem para o interior e neles existem pontes levadiças dessas construídas com pontas grossas de ferro. Dentro da muralha, Lucca apresenta a mesma característica das outras cidades medievais, casas altíssimas com ruas estreitas e sem árvores. Dá-nos a impressão de, ao terem formado um bloco maciço de construções, essas casas conseguiram proteger- se umas às outras.
Hoje visitamos a igreja de San Michele, o teatro Del Giglio, a catedral San Martino, a Praça do Anfiteatro e a casa onde nasceu Puccini. É sem dúvida emocionante visitar tantos lugares, caminhar por essas vielas estreitas e sentir-se como um personagem de Brueguel. Mas a emoção maior aconteceu ao caminhar pela muralha de Lucca. É larga como a passarela de um parque, e há espaço para a passagem de um carro. Tem passeios laterais de onde se avista os lados de dentro e fora da cidade. Esta passarela é toda arborizada, as árvores encontrando no alto suas copas, como arcos de catedrais. Embaixo pessoas caminham, correm, fazem ginástica, empurram carrinhos de bebês, crianças pequenas brincam em play grounds e muitos pedalam, alguns em bicicletas duplas. Vimos muitos velhinhos e velhinhas pedalando com uma desenvoltura enorme.

Ao longe montanhas nevadas? Não, aquilo branco entre as montanhas não está no cume delas, mas na base, no sopé dessas montanhas que formam uma verdadeira cordilheira. O que vemos nessas montanhas a caminho de Carrara é puro mármore. Na estação central de Viareggio, cidade balneária entre Lucca e Carrara, as paredes, os bancos, as escadas são todas revestidas com o autêntico mármore de Carrara. Tudo branco com veios amarronzados. Sim, as montanhas são de mármore. O trem acaba de passar por "Forte de Marme” e começa a surgir uma série de indústrias que processam o mármore: pedras brutas, cortadas em blocos, em pequenos seixos e até pó de mármore. Além disso, caminhões, esteiras rolantes, guindastes. As indústrias estão dos dois lados da ferrovia e avançam para o interior da cidade.
Bem defronte à estação de Carrara se abre uma montanha minerada. São crateras abertas há séculos mostrando suas vísceras brancas. Entre a estação e esta montanha uma mineradora com suas máquinas. Segundo o nosso guia turístico, um livro sobre a Toscana, há mais de 2000 anos o mármore é extraído dos Alpes Apuanos e embarcado no grande porto de Marina de Carrara. Pelo que pudemos observar hoje a cordilheira branca tem provavelmente mais 2000 anos de exploração pela frente...
Tentamos encontrar o centro da cidade para ver o museu, o palácio, a catedral. Tínhamos que tomar um ônibus ir para outro lugar. De repente o Lu me disse: "vamos voltar, passar o resto deste dia em Viareggio”. Concordei. Depois ele confessou: "sinto este lugar meio pesado. “Adeus, vovó, você fez bem em ir para o Brasil”. Aqui em Carrara nasceu sua avó Anita, que no Brasil encontrou com Calixto seu avô, nascido em Modena. As famílias de ambos se encontraram no navio, a caminho do Brasil.

Viareggio, famosa por seu carnaval, é um balneário com sua praia de areias claras, avenida beira mar, casario que lembra casas de São Paulo ou Rio, marina extensa, cinemas, teatro. Aqui se fabricam barcos de passeio que são vendidos para muitos países. Alguns são escuros, uns verdadeiros "barcos de batman”. Da época medieval só restou uma torre.
 Luciano procurou uma certa rua em Viareggio, seguindo anotações deixadas por seu pai. Ninguém, nem mesmo um velhinho simpático que queria muito ajudar, se lembrou daquela rua. Afinal um taxista arriscou um palpite: era em Nozano, um vilarejo perto de Viareggio.” (Ivana Andrés, diário de viagem à Itália, 2014)

Fotos de Luciano Luppi


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