domingo, 20 de julho de 2014


SÃO FRANCISCO E A GRUTA DELLA VERNA

Um almoço inesquecível
Uma mesa posta ao ar livre, entre árvores e flores, travessas de peixe com leite de coco e banana, arroz, salada, vinho e até um guaraná antártica. Ao redor crianças brincando de roda, homens e mulheres jovens conversando sobre o dia a dia, a escola onde trabalham e principalmente sobre crianças. Estamos na casa de Sérgio e Martina, amigos de Teresa e Alberto.
A turma que aqui se reuniu faz parte de uma “tribo” de professores da Escola Valdorf, situada em Colle onde Teresa e Alberto lecionam. Considerada uma das pedagogias mais avançadas, ela adota formas de ensino e currículos bem diferentes dos tradicionais, com o professor acompanhando durante muitos anos a mesma turma de alunos. Torna-se um mestre, quase um tutor, uma referência de vida para seus alunos. Hoje eles  conversavam sobre crianças, sobre o melhor para elas, sobre a importância delas serem felizes e não somente aprenderem coisas, serem um depósito de informações.
Conversamos também sobre motivações para mudanças. Segundo Sérgio, atualmente aqui na Europa, fatores que provocam mudanças de vida não são apenas transferências de emprego ou ganhos de salários, mas sobretudo a realização pessoal: o encontro amoroso com “a pessoa certa”, o melhor lugar para se criar um filho.
Gruta Della Verna
Toda viagem costuma ter seu ponto máximo, ponto de virada que coincide com emoções fortes causadas por visões de uma natureza impactante, dessas de "tirar o fôlego”, a visão de uma obra de arte grandiosa ou a sensação de paz que, por algum motivo impregna um lugar.
Hoje vivenciamos este ponto de virada quando então podemos dizer: "chegamos, Lu, onde esta viagem tinha de nos levar. Podemos agora voltar para casa.”
O lugar: a gruta de La Verna, onde São Francisco de Assis recebeu, em meditação, as 5 chagas de Cristo.
Tudo começou quando recebi um email de minha mãe, relatando uma viagem do Regis a este lugar. No dia seguinte, durante o almoço na casa de Sérgio e Martina, comentei com eles sobre esse lugar. Sérgio me disse: "podemos ir lá, eu também quero conhecer”.
Hoje foi este dia, um passeio por uma parte da toscana que nunca iríamos conhecer por conta própria. Por mais de 2 horas o carro com ele, Martina e a filha pequena Fresia, serpenteou por vales e montanhas até chegar à comuna de Chiusi Della Verna, famosa por seus vinhedos e olivas.
Próximo ao local do santuário nossa animada conversa foi dando lugar a um silêncio bom, natural. O santuário é um conjunto de construções em tons de cinza e ocre, todo de pedra. Até os telhados são dessas cores, o que nos dá a sensação de algo que se funde com a terra, com as pedras altíssimas e com os troncos cinzas da floresta local. Tudo está construído no alto da montanha, lembrando os lamas tibetanos. Aqui há, além da igreja e capelas construídas em locais onde São Francisco teve visões da Virgem ou de Cristo, locais para a residência dos frades e uma casa para a hospedagem de pessoas de fora. Há também um restaurante, café e estacionamento. Mas para mim o mais impactante foi a "Gruta Della Verna” entre pedras escarpadas hoje cobertas com vegetação e florzinhas amarelas e brancas. Fomos descendo uma escada de pedra e a gruta se revelou, um espaço de poucos metros com poucas aberturas além da entrada. Encostada na pedra uma grande cruz tosca de tronco de árvore. A sensação era uma mistura de emoção e de paz, quando lágrimas correm entre sorrisos. Uma pequena fração do que deve ter atingido o santo, quem sabe nos atingiu também? Fizemos o que viemos fazer, vimos o que nos era destinado nesta viagem? Não sabemos ao certo, embora a sensação é de plenitude. Todo o caminho agora é o caminho de volta. (Trecho do diário de viagem de Ivana Andrés)

*Fotos de Luciano Luppi

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terça-feira, 1 de julho de 2014


LUCCA, CARRARA E VIAREGGIO

“Luciano está procurando um possível irmão italiano. Leva na bolsa fotos amarelecidas pelo tempo, enviadas por seu pai Bindo Luppi e guardadas por Anita, sua avó, desde os anos 40. Fala de namoradas que encontrou na Itália durante a segunda guerra mundial, quando serviu como pracinha brasileiro. Quando encontra uma oportunidade, o Lu mostra este material antigo como uma relíquia preciosa. Muitas vezes as pessoas não mostram tanto interesse, mas... quem sabe na próxima abordagem teremos mais sorte? De qualquer forma este é um bom pretexto para seguir um roteiro de viagem que segue os passos de Bindo Luppi pela região da Toscana, especialmente Lucca, Carrara e Viareggio.
 A parte histórica de Lucca é totalmente cercada por uma muralha, construída em etapas há séculos, com o claro objetivo de defesa. Entre ela e o lado de fora um imenso gramado apresenta declives e túneis que, no passado deviam ser cobertos com água. Diversos portões se abrem para o interior e neles existem pontes levadiças dessas construídas com pontas grossas de ferro. Dentro da muralha, Lucca apresenta a mesma característica das outras cidades medievais, casas altíssimas com ruas estreitas e sem árvores. Dá-nos a impressão de, ao terem formado um bloco maciço de construções, essas casas conseguiram proteger- se umas às outras.
Hoje visitamos a igreja de San Michele, o teatro Del Giglio, a catedral San Martino, a Praça do Anfiteatro e a casa onde nasceu Puccini. É sem dúvida emocionante visitar tantos lugares, caminhar por essas vielas estreitas e sentir-se como um personagem de Brueguel. Mas a emoção maior aconteceu ao caminhar pela muralha de Lucca. É larga como a passarela de um parque, e há espaço para a passagem de um carro. Tem passeios laterais de onde se avista os lados de dentro e fora da cidade. Esta passarela é toda arborizada, as árvores encontrando no alto suas copas, como arcos de catedrais. Embaixo pessoas caminham, correm, fazem ginástica, empurram carrinhos de bebês, crianças pequenas brincam em play grounds e muitos pedalam, alguns em bicicletas duplas. Vimos muitos velhinhos e velhinhas pedalando com uma desenvoltura enorme.

Ao longe montanhas nevadas? Não, aquilo branco entre as montanhas não está no cume delas, mas na base, no sopé dessas montanhas que formam uma verdadeira cordilheira. O que vemos nessas montanhas a caminho de Carrara é puro mármore. Na estação central de Viareggio, cidade balneária entre Lucca e Carrara, as paredes, os bancos, as escadas são todas revestidas com o autêntico mármore de Carrara. Tudo branco com veios amarronzados. Sim, as montanhas são de mármore. O trem acaba de passar por "Forte de Marme” e começa a surgir uma série de indústrias que processam o mármore: pedras brutas, cortadas em blocos, em pequenos seixos e até pó de mármore. Além disso, caminhões, esteiras rolantes, guindastes. As indústrias estão dos dois lados da ferrovia e avançam para o interior da cidade.
Bem defronte à estação de Carrara se abre uma montanha minerada. São crateras abertas há séculos mostrando suas vísceras brancas. Entre a estação e esta montanha uma mineradora com suas máquinas. Segundo o nosso guia turístico, um livro sobre a Toscana, há mais de 2000 anos o mármore é extraído dos Alpes Apuanos e embarcado no grande porto de Marina de Carrara. Pelo que pudemos observar hoje a cordilheira branca tem provavelmente mais 2000 anos de exploração pela frente...
Tentamos encontrar o centro da cidade para ver o museu, o palácio, a catedral. Tínhamos que tomar um ônibus ir para outro lugar. De repente o Lu me disse: "vamos voltar, passar o resto deste dia em Viareggio”. Concordei. Depois ele confessou: "sinto este lugar meio pesado. “Adeus, vovó, você fez bem em ir para o Brasil”. Aqui em Carrara nasceu sua avó Anita, que no Brasil encontrou com Calixto seu avô, nascido em Modena. As famílias de ambos se encontraram no navio, a caminho do Brasil.

Viareggio, famosa por seu carnaval, é um balneário com sua praia de areias claras, avenida beira mar, casario que lembra casas de São Paulo ou Rio, marina extensa, cinemas, teatro. Aqui se fabricam barcos de passeio que são vendidos para muitos países. Alguns são escuros, uns verdadeiros "barcos de batman”. Da época medieval só restou uma torre.
 Luciano procurou uma certa rua em Viareggio, seguindo anotações deixadas por seu pai. Ninguém, nem mesmo um velhinho simpático que queria muito ajudar, se lembrou daquela rua. Afinal um taxista arriscou um palpite: era em Nozano, um vilarejo perto de Viareggio.” (Ivana Andrés, diário de viagem à Itália, 2014)

Fotos de Luciano Luppi


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