A casa número 432 pertencera ao tio
Petrônio. A porta da casa na varanda, ainda conservava a logomarca desse tio, meu
padrinho, que se mudara para o Rio.
Meu ateliê também mudou acompanhando a família. Ali escolhi o quarto do andar térreo com espaço suficiente para projetar na tela ou no papel a minha série de barcos, a série de guerra, as madonas, os astronautas e a série cósmica...
Estávamos no regime militar, os
jovens corriam risco. As lembranças de um passado tranquilo, na fazenda,
pintando aquarelas estavam distantes. E a tela branca era o refúgio necessário
para encontrar momentos de revolta e momentos de paz.
O ateliê daquele porão recolhia as
ideias.
As balas atravessavam os vidros das janelas
do andar de cima.
Aquele ambiente ainda carregava um
pouco do passado sombrio. Mas a arte também ali se manifestou desde
os meus tempos de criança.
Me lembro das brincadeiras de fazer cinema, um teatro de sombra improvisado. Ali brincávamos de esconder nos abrigos subterrâneos e improvisávamos aulas criativas.
Mais tarde, quando fomos morar naquele casarão, a família já aumentara, sempre acompanhada de eventos criativos. Nos dias de chuva, como as crianças não podiam sair para fora, organizávamos uma forma criativa de mantê-los em casa, criando uma cidade de isopor com casas, ruas, carros passando, prédios cinema. Os dois filhos menores sentados no chão criaram uma cidade como o “presépio pipiripau”...
Tudo isto acontecia na entrada da
casa, na sala de visitas. Quando chegava alguém, eles faziam sucesso como
artistas mirins.
Foi na época da ditadura militar e a
forma de compensar a repressão era deixar as crianças e adolescentes exercerem
seus dons criativos. Enquanto isso lá no porão, outras coisas aconteciam.
Maurício criou um laboratório de fotografia e podíamos apreciar o processo fotográfico da época quando as películas eram lavadas numa bacia e naquele banho as figuras surgiam.
Entrei para ver o processo de uma
foto e me foi possível ver as imagens virem à tona.
Dali surgiam, como uma mágica, as figuras mais importantes da época. Che Guevara era um deles.
Na garagem, coberta com uma trepadeira de flores rosadas, todo sábado acontecia a Escolinha de Arte Andrés, dirigida por minhas filhas. Depois de um curso com o professor e arte educador Rui Flores, a escolinha, inspirada também na Escolinha de Arte do Brasil, durou 12 anos e formou reconhecidos artistas de Belo Horizonte. Mais tarde ela teve prosseguimento com o grupo “Risco e rabisco” coordenado por Isaura Pena. Tudo naquela casa respirava arte. E tudo isto devemos à generosidade e ao amor à arte de minha mãe Nair,que a todos incentivava.