sábado, 26 de fevereiro de 2011

CARNAVAL E COISA E TAL

O relato de Maria Regina sobre o carnaval me fez lembrar um caso pitoresco:

Papai nos aconselhava a fazer retiro durante o Carnaval. Mas como nós gostávamos demais de brincar no Carnaval, fazíamos o retiro antes do carnaval. Lembro-me que num desses retiros, eu entrei na fila para me confessar e o padre me perguntou se eu ia brincar no Carnaval.
Sim,
lhe respondi, vou dançar no Carnaval.Então não te dou a absolvição, disse o padre.
Como eu não queria mentir, me levantei e fui embora sem a absolvição.
Naquele carnaval
me fantasiei de baiana, presente de Tia Juju.
A fantasia era maravilhosa e fomos dançar no Automóvel Clube.
Lembro-me que, de repente perdi a graça e fiquei sentada na escada do Clube, olhando os outros brincarem. Senti-me a própria Baiana Triste sem a absolvição...
Voltando ao relato de Maria Regina:
“Tio Enio e tia Juju vinham do Rio passar o carnaval conosco. Traziam os filhos e uma governanta francesa chamada Mademoiselle.Vinham de Cadillac, lotavam o carro e enchiam de festa a nossa casa. Antes de sua chegada vinham as malas, enormes, com gavetas e cabides. As malas eram despachadas de trem do Rio para BH. Papai adorava a chegada dos irmãos com toda a criançada, nossa casa ficava em festa por dois meses. Nossa vida mudava, eram passeios, excursões, almoços, jantares.
No carnaval, fazíamos corso pela avenida, fantasiados de ciganas, baianas, pierrots etc, jogando serpentinas e confetes. Lembro-me de um caminhão alugado por tio Ênio para caber a meninada. O caminhão já vinha com uma banda cantando as músicas carnavalescas e ali, no desfile, fazíamos o maior sucesso. Foi o antecessor dos trios elétricos...
Tio Ênio tinha uma Super 8 e filmava tudo. Como gostaríamos de rever esses filmes...”
 Mais recentemente vivemos experiências inéditas relacionadas ao Carnaval. Deixo a palavra à Ivana, que trabalhou comigo e com a Penha Paes do Salão do Carnaval:
 “Em 1980 participamos do Salão do Carnaval e recebemos o Prêmio Governo do Estado. Durante meses trabalhamos no atelier, construindo bonecos de peneira, panos, cordas, espumas e tudo o que víamos pela frente. Os bonecos lembravam a idéia dos bonecões de Olinda, que sempre me fascinaram. Ao todo, foram construídos aproximadamente 40 bonecos, ilustrando os temas de marchinhas tradicionais como Alá lá ô, Touradas de Madri, O teu cabelo não nega, Lourinha, Mamãe eu quero, etc. Todos os que apareciam no atelier colaboravam em alguma coisa, pois a técnica era fácil, só exigia criatividade e espírito lúdico. Assim o atelier vivia cheio de artesãos amadores. Lembro que a vó Nair participou bordando os babadores dos bebês do “Mamãe eu quero” entre outras coisas. Mamãe, que tinha ficado viúva há poucos anos, pregava pedrinhas nos olhos dos bebês chorões, representando as lágrimas dos bebês. No final fizemos uma lista de todos os colaboradores, um listão que ficou pregado na frente do bloco de bonecos no Palácio das Artes. Quando a vó Nair viu seu nome, ficou tão feliz que comemorou essa realização com a compra do seu carro, aquele carrão amarelo claro que todos conhecemos e passeamos.”
 Transcrevo também as notas de jornal sobre o evento:
 “ Em 1980 a Fundação Clóvis Salgado tomou o Carnaval, apoiada pela Coordenadoria de Cultura, como tema para o Salão que ocorreu no mesmo período da festa popular.(...) Verificou-se grande interesse da população, já motivada pelo espírito carnavalesco, de participar  ativamente do evento, em número surpreendente. Mas a intensa participação pública se explica pelo grande número de artistas, das mais variadas correntes e tendências, ter se inscrito e concorrido à premiação com obras de leitura imediata pela população leiga. Leiga em artes plásticas, mas especialista em Carnaval.” (Bartolomeu Campos Queirós)
 “O Bloco “Coisa e Tal”, coordenado pelas artistas Maria Helena Andrés, Ivana Andrés e Penha Paes, buscou nas músicas de carnavais passados os elementos inspiradores da proposta apresentada. Apreciou ainda a sensibilidade e inteligência na eloqüente utilização de materiais simples, redimensionando-os na construção de personagens característicamente carnavalescos. A manifestação dos personagens manipulados pelos artistas junto a elementos da Escola de Samba Unidos do Guarani resultou em magnífico espetáculo de profunda comunicação com o público. Outra qualidade reconhecida no trabalho desse grupo foi a capacidade de revelar ao público que ele também é possuidor de potencial criativo, bastando oportunidade e estímulo para sua manifestação” (Bartolomeu Campos Queirós, Mari’Stella Tristão e Márcio Sampaio)
*Fotos de Ivana Andrés e da internet





quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS DE VASSOURAS

Mamãe Nair nasceu no Rio de Janeiro, na Rua do Bispo, na Tijuca. Ali, naquele casarão de muitas janelas, morou meu bisavô João Paulo e dali saíram muitos casamentos, nascimentos e mortes, todo um ciclo de vida que se prolongaria para outros recantos do país, outras cidades, onde as filhas viveriam depois de casadas. A história de minha mãe se escreveu numa série de mudanças devido à doença de meu avô Eduardo Eugeniano, juiz de direito, pernambucano de nascimento, casado com minha avó Carmem, moça bonita, criada no Rio de Janeiro. Ali os dois se encontraram e o pernambucano conquistou minha avó com seu ar galante. Vinha de navio visitar a noiva e, já depois de casado, com 3 filhos pequenos, viajou para Recife afim de apresentar a família às tias de lá. Tia Constança, solteira e rica, morando no bairro de Madalena, Tia Izabel, artista plástica e freira, reclusa num mosteiro da cidade e Tio Arthur, padrinho de mamãe. Vovó teve a sua quarta filha, Tia Lilia, ali na cidade de Recife. Mamãe sempre se lembrava do bairro Madalena, da casa de seus avós e da sua tia pintora.

“Você deve ter puxado essa tia”, me dizia ela. Eu ficava olhando para o quadro da tia e pensando: “Realmente, aquela freira sabia copiar muito bem. Copiava a óleo obras de artistas célebres”. Naquele tempo as freiras pintavam nos mosteiros e isto de certo modo era forma de meditação. Herdei dessa tia a necessidade de ficar em silêncio e reproduzir também os meus mitos da adolescência – as artistas de cinema que até hoje conservo dentro de uma pasta. Mamãe não era artista, mas bem que gostava de me ver pintando...

Voltemos à infância de minha mãe, agora no Rio de Janeiro. Um dia as professoras de sua escola mandaram chamar as duas, Nair e Leonor: “Seu pai morreu”. Aquele fato pesou forte sobre as duas crianças. Tiveram de assumir publicamente a morte do pai, vestidas de preto da cabeça aos pés. Naquele tempo, as crianças usavam luto, as meninas vestidas de preto, os meninos com uma faixa preta no braço. Era a constatação pública de que estavam órfãos. Meu bisavô João Paulo acolheu a filha Carmem de volta em seu casarão. Mais tarde , a convite da prima Eufrásia Teixeira Leite, a família se deslocou do Rio para os arredores da cidade, onde estavam situadas as chácaras dos barões do café. Ali estava localizada a chácara do Barão do Amparo, para onde a jovem viúva Carmem, “vovó neném”, de 28 anos, se transferiu com seus 6 filhos e sua mãe Lucília Eugênia Teixeira Leite. Sempre os mais velhos acolhendo os mais jovens em suas desventuras.

Meu avô Eduardo Eugeniano morrera depois de um longo tratamento na Suíça.
Depois de sua morte, as mudanças continuaram na vida daquela família. A transferência da jovem Carmem com seus 6 filhos para a região de Vassouras, próximo ao Rio de Janeiro, foi um acontecimento feliz para a criançada. Ali elas poderiam correr entre as árvores, subir nas mangueiras e jabuticabeiras, com a liberdade necessária a uma infância saudável, nadar nos riachos e cachoeiras, brincar de esconde-esconde atrás das árvores. Toda esta alegria era disciplinada na casa grande do Barão do Amparo, onde teriam de tomar cuidado para não quebrar os objetos de luxo, os cristais e porcelanas vindas da Europa.

Visitavam outras chácaras, inclusive a famosa chácara da Hera, da prima Eufrásia Teixeira Leite, que morava em Paris. Eufrásia era rica, filha do Barão do café Joaquim Teixeira Leite e amante de Joaquim Nabuco. Naquela época era considerada rebelde, mas hoje em dia sua história é contada como a de uma líder abolicionista, com atitudes pioneiras e transgressoras, muito à frente de seu tempo. No Museu Imperial de Petrópolis, o retrato de Eufrásia, uma jovem de grande beleza, impressiona os visitantes. Bandos de crianças passam em sua frente. “Esta é nossa prima, Baronesa de Vassouras”, dizia Lourdes, minha irmã, instruindo os netos. Em seguida escuta o comentário das crianças. Um menino indaga ao outro: “O que fazia essa baronesa?”. Ao que o outro responde: “Não sei, devia ser a faxineira, baronesa de vassouras”. Enfim, é assim que as crianças derrubam os mitos e simplificam a vida na sua inocência.

Voltemos à cidade de Vassouras, onde Eufrásia acolheu a prima Carmem e sua família. Essa generosidade concorreu para os momentos de alegria que superaram a perda do pai.  Eufrásia, que tinha grande tino para negócios, triplicou a fortuna do pai, deixando em seu testamento parte de seus bens para os desamparados e instituições de caridade. Preservou também a chácara de Hera, que hoje é um museu, aberto à visitação do público, onde está registrada a história da família, naquele momento impar da abolição da escravatura no Brasil. Duas figuras marcantes, Eufrásia Teixeira Leite e Joaquim Nabuco, continuam presentes na memória do povo brasileiro.

*Fotos da internet

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

MEMÓRIAS DO COLÉGIO SACRÉ COEUR DE MARIE

Na década de 30 ingressei no Colégio “Sacré Coeur de Marie”, situado em Belo Horizonte (Rua do Chumbo, atualmente Rua Professor Estevão Pinto). Construído em arquitetura Art Decó, o colégio possuía escadarias, corredores e pátios enormes que  abrigavam  centenas de jovens da sociedade belorizontina. Naquela época a língua francesa era ensinada e durante as aulas teríamos de chamar a diretora de Notre Mére e as professoras de Madame (soube depois que o colégio teve origem na França). Alguns nomes ainda guardo na memória. Madame Crucifixo, Madame Bom Pastor, Mére Fintom. Aquelas freiras, vestidas com hábitos  escuros, nos davam uma formação católica e nos preparavam para sermos professoras. Sairíamos de lá como normalistas.Fui matriculada junto com minha irmã Lourdes. Meus pais achavam que as duas na mesma classe poderiam estudar nos mesmos livros e isto facilitaria os trabalhos familiares. Juntas nos aprontávamos para o colégio, vestindo uniforme azul marinho, gravata, blusa branca, uma enorme capa  para os dias de frio e um chapéu de aba larga, também azul. Vistas de longe, em conjunto, aquele bando de meninas pareciam fantasiadas como os três mosqueteiros.Descíamos a Avenida Afonso Pena para tomar o bonde especial num abrigo situado na confluência da Avenida Afonso Pena com a Getúlio Vargas (naquela época Avenida Paraúna). Nos dias de chuva ficávamos observando os achados e perdidos da praça – carteiras de estudante, fotos. Um dia encontrei meu retrato preso por detrás de vidros e foi difícil retira-lo.Junto dele estava escrito: Quem é a dona deste olhar sublime?Belo Horizonte, naquela época, tinha o bonde como principal transporte. Os bondes deslizavam sobre trilhos paralelos, se entrecruzavam, subiam para a Serra e o Cruzeiro, desciam a Rua da Bahia, atravessavam as avenidas. Na Praça da Savassi também tinha um ponto de parada, um abrigo onde várias linhas se encontravam. Andar de bonde era uma diversão e eu gostava de sentar de frente para os bancos e observar a cara dos passageiros. Alguns dormiam durante o trajeto.Naquela época eu gostava de desenhar retratos de pessoas, de preferência  idosas, com características mais acentuadas. Era impossível desenhar no bonde, mas eu me divertia lendo os anúncios: “Veja ilustre passageiro, o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado, e no entanto, acredite, quase morreu de bronquite, Salvou-o o Rum Creosotado”... Este Rum Creosotado foi lembrança marcante dos tempos do bonde. Lygia Clark foi minha colega de carteira nos primeiros dois anos de curso e enquanto eu desenhava artistas de cinema ela desenhava garotas de Alceu Pena. Desenhávamos sem parar em qualquer papel que aparecesse.Como ex-aluna, guardo do Colégio uma boa lembrança. Havia na época uma vontade de estar à frente do tempo e aplicar métodos novos no ensino da arte. As educadoras resolveram introduzir o desenho livre, fora dos cansativos ornatos e frisos. Chamaram uma aluna para servir de modelo para a turma.  A menina subiu no estrado, sentou-se numa cadeira, vestida com o uniforme do colégio. Fizemos croquis do natural, como nas Escolas de Belas Artes. No dia seguinte a irmã encarregada de arte me chamou em público. – Quem é Maria Helena de Salles Coelho? Levei o maior susto e, no primeiro momento, imaginei que ela ia me repreender por qualquer coisa. Fiz um exame de consciência. A Irmã estava falando que ia chamar meus pais e conversar com eles. Afinal, o que foi que eu fiz? A voz da Irmã me conduziu de surpresa em surpresa e subiu do negativo para o positivo. – Vou conversar com seus pais, você é uma artista! Fiquei sem saber o que falar e as colegas em coro responderam: artista de cinema? – Não, artista plástica, desenhista, disse a freira.Madame Finton era uma inglesa gorda, nossa professora de desenho e devo a ela a primeira iniciação de minha carreira artística.O incentivo às artes nos foi proporcionado também na formação musical . Reuníamos no grande pátio interno, cercado de arvores frondosas, e ali junto à natureza, as alunas cantavam  sob a regência de D. Angélica Garcia, o canto Gregoriano que seria cantado durante a missa. Aprendi a gostar do canto Gregoriano no Colégio Sacré Coeur. D. Angélica era professora de canto orfeônico e nos introduziu também à musica de Villa Lobos.. Cantando penetramos junto com este grande musico na magia da floresta brasileira.Do lado de fora,em cima do muro, varias cabeças formavam uma platéia.eram os adolescentes da época admiradores das cantoras.Entre eles estava o jovem Celso Renato que mais tarde se tornou um dos mais famosos pintores de Minas.