Mamãe Nair nasceu no Rio de Janeiro, na Rua do Bispo, na Tijuca. Ali, naquele casarão de muitas janelas, morou meu bisavô João Paulo e dali saíram muitos casamentos, nascimentos e mortes, todo um ciclo de vida que se prolongaria para outros recantos do país, outras cidades, onde as filhas viveriam depois de casadas. A história de minha mãe se escreveu numa série de mudanças devido à doença de meu avô Eduardo Eugeniano, juiz de direito, pernambucano de nascimento, casado com minha avó Carmem, moça bonita, criada no Rio de Janeiro. Ali os dois se encontraram e o pernambucano conquistou minha avó com seu ar galante. Vinha de navio visitar a noiva e, já depois de casado, com 3 filhos pequenos, viajou para Recife afim de apresentar a família às tias de lá. Tia Constança, solteira e rica, morando no bairro de Madalena, Tia Izabel, artista plástica e freira, reclusa num mosteiro da cidade e Tio Arthur, padrinho de mamãe. Vovó teve a sua quarta filha, Tia Lilia, ali na cidade de Recife. Mamãe sempre se lembrava do bairro Madalena, da casa de seus avós e da sua tia pintora.
“Você deve ter puxado essa tia”, me dizia ela. Eu ficava olhando para o quadro da tia e pensando: “Realmente, aquela freira sabia copiar muito bem. Copiava a óleo obras de artistas célebres”. Naquele tempo as freiras pintavam nos mosteiros e isto de certo modo era forma de meditação. Herdei dessa tia a necessidade de ficar em silêncio e reproduzir também os meus mitos da adolescência – as artistas de cinema que até hoje conservo dentro de uma pasta. Mamãe não era artista, mas bem que gostava de me ver pintando...
Voltemos à infância de minha mãe, agora no Rio de Janeiro. Um dia as professoras de sua escola mandaram chamar as duas, Nair e Leonor: “Seu pai morreu”. Aquele fato pesou forte sobre as duas crianças. Tiveram de assumir publicamente a morte do pai, vestidas de preto da cabeça aos pés. Naquele tempo, as crianças usavam luto, as meninas vestidas de preto, os meninos com uma faixa preta no braço. Era a constatação pública de que estavam órfãos. Meu bisavô João Paulo acolheu a filha Carmem de volta em seu casarão. Mais tarde , a convite da prima Eufrásia Teixeira Leite, a família se deslocou do Rio para os arredores da cidade, onde estavam situadas as chácaras dos barões do café. Ali estava localizada a chácara do Barão do Amparo, para onde a jovem viúva Carmem, “vovó neném”, de 28 anos, se transferiu com seus 6 filhos e sua mãe Lucília Eugênia Teixeira Leite. Sempre os mais velhos acolhendo os mais jovens em suas desventuras.
Meu avô Eduardo Eugeniano morrera depois de um longo tratamento na Suíça.
Depois de sua morte, as mudanças continuaram na vida daquela família. A transferência da jovem Carmem com seus 6 filhos para a região de Vassouras, próximo ao Rio de Janeiro, foi um acontecimento feliz para a criançada. Ali elas poderiam correr entre as árvores, subir nas mangueiras e jabuticabeiras, com a liberdade necessária a uma infância saudável, nadar nos riachos e cachoeiras, brincar de esconde-esconde atrás das árvores. Toda esta alegria era disciplinada na casa grande do Barão do Amparo, onde teriam de tomar cuidado para não quebrar os objetos de luxo, os cristais e porcelanas vindas da Europa.
Visitavam outras chácaras, inclusive a famosa chácara da Hera, da prima Eufrásia Teixeira Leite, que morava em Paris. Eufrásia era rica, filha do Barão do café Joaquim Teixeira Leite e amante de Joaquim Nabuco. Naquela época era considerada rebelde, mas hoje em dia sua história é contada como a de uma líder abolicionista, com atitudes pioneiras e transgressoras, muito à frente de seu tempo. No Museu Imperial de Petrópolis, o retrato de Eufrásia, uma jovem de grande beleza, impressiona os visitantes. Bandos de crianças passam em sua frente. “Esta é nossa prima, Baronesa de Vassouras”, dizia Lourdes, minha irmã, instruindo os netos. Em seguida escuta o comentário das crianças. Um menino indaga ao outro: “O que fazia essa baronesa?”. Ao que o outro responde: “Não sei, devia ser a faxineira, baronesa de vassouras”. Enfim, é assim que as crianças derrubam os mitos e simplificam a vida na sua inocência.
Voltemos à cidade de Vassouras, onde Eufrásia acolheu a prima Carmem e sua família. Essa generosidade concorreu para os momentos de alegria que superaram a perda do pai. Eufrásia, que tinha grande tino para negócios, triplicou a fortuna do pai, deixando em seu testamento parte de seus bens para os desamparados e instituições de caridade. Preservou também a chácara de Hera, que hoje é um museu, aberto à visitação do público, onde está registrada a história da família, naquele momento impar da abolição da escravatura no Brasil. Duas figuras marcantes, Eufrásia Teixeira Leite e Joaquim Nabuco, continuam presentes na memória do povo brasileiro.
*Fotos da internet
Tia, em minhas pesquisas genealógicas, nunca achei nada sobre os pais de Eduardo Eugeniano. Você teria alguma informação?
ResponderExcluirSobre Eduardo Eugeniano tem até fotos na internet. Dele e dos irmão. Da Izabel Dimpha.
Estão no site do Museu Joaquim Nabuco. Vou colocar o link aqui, vamos ver se dá certo.
Eduardo Eugeniano:
http://digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj2/modules/visualizador/i/ult_frame.php?cod=3459
Isabel Dympha
http://digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj2/modules/visualizador/i/ult_frame.php?cod=3425
Constança:
http://digitalizacao.fundaj.gov.br/fundaj2/modules/visualizador/i/ult_frame.php?cod=3427