terça-feira, 30 de agosto de 2011


CAMINHANDO PELO DESERTO DO RAJASTHAN


Saímos de madrugada a caminho do deserto. Alugamos um táxi. Eram 5 horas de viagem de Jodhpur até Jaisalmer. A estrada cortava dunas de areia amarela e o verde surgia de vez em quando em pequenos arbustos retorcidos. O carro buzinava e as rolinhas pousadas nos fios de luz voavam assustadas. Caminhões do exército indiano com soldados vestidos de verde anunciavam a fronteira com o Paquistão. Há sempre um estado de alerta nessa região.
Quase não se viam mulheres e quando elas apareciam, trabalhando na estrada, estavam vestidas com sáris de algodão vermelho, todas iguais, como se tivessem comprado a mesma peça de pano e a dividido aos metros para cada uma. Às vezes um camelo aparecia balançando a corcunda em passos lentos. Pavões coloridos destacavam-se sobre a areia amarela.
O deserto consegue ser cultivado e as plantações de pimenta insistem em surgir no meio da aridez. Casas de adobe, cobertas de palha, mostravam a presença de famílias na região. Depois o asfalto esticava-se por cima da areia como uma enorme passarela cinzenta. Passamos por homens agachados na estrada, turbantes vermelhos como as saias das mulheres, bigodes enormes, retorcidos. Ali tinha acontecido, poucos dias antes, um concurso de bigodes e turbantes.
Durante todo o percurso as pedras do caminho cortadas em forma de retângulo anunciavam uma cidade: Jaisalmer. Chegamos com o sol a pino. Percorremos a fortaleza dourada construída no alto do morro, protegida por enormes muralhas de pedra. A sandstone ou preda de areia, como é conhecida no deserto, serviu de matéria prima para os artesãos construírem palácios. A influência chinesa é uma constante. Ela foi estimulada por mercadores trazendo objetos do Extremo-Oriente, nas penosas jornadas das caravanas.
O deserto era o ponto de encontro dos mercadores da rota da seda e da rota do ópio. Nessa região as caravanas de camelo paravam para descansar e negociar. Atualmente, o tráfico de ópio está proibido pelo governo da Índia e as caravanas seguem carregando artesanato. Contemplamos a beleza das sacadas rendadas, sentindo a presença da arte chinesa e a lembrança da igreja N.Sra. do Ó de Sabará. Através do comércio, do sistema de trocas e da coragem de afrontar o calor do deserto, essas caravanas trouxeram a cultura da China para a Índia.
O camelo cujo organismo é perfeitamente adaptado à vida do deserto, é um animal que pode passar até mesmo várias semanas sem comer e sem beber. Agüenta o sol a pino do verão e carrega às costas o peso das mercadorias, a ambição das riquezas e a curiosidade das descobertas.
As histórias de infância, as viagens maravilhosas de Marco Pólo afloravam à minha memória. Entardecia e, à luz do poente, um grupo de crianças acercou-se de nós, tocando um instrumento musical feito de cabaça. Cantaram e dançaram frente ao templo, enquanto o sol muito vermelho se escondia por detrás das torres. O vento cobriu tudo de poeira e a noite apagou a nossa visão do deserto.

*Fotos da internet

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domingo, 14 de agosto de 2011

MARIA HELENA ANDRÉS E A INTEGRAÇÃO ORIENTE OCIDENTE


Recebi de Maurício Andrés o depoimento que transcrevo abaixo:

“Maria Helena Andrés é uma artista brasileira que se empenhou em promover a integração entre o oriente e o ocidente contribuindo para o conhecimento no Brasil sobre a cultura indiana. Ela o fez a partir da década de 70, numa época em que no Brasil pouca atenção era dada às relações culturais com a Ásia e especialmente com a Índia. Essa integração e intercâmbio têm um significado especial nesse momento de crise da civilização ocidental industrial, nessa etapa da história em que a Ásia readquire centralidade e importância  globais e na qual a perspectiva oriental, no mundo pós colonialista, passa a ser novamente valorizada. Maria Helena identificou-se com a cultura da Índia, para onde viajou inúmeras vezes a partir dos anos 70. Ali, por meio de imersão no cotidiano, desbravou o país, estudou a filosofia e a arte numa perspectiva ampla e absorveu o espírito e a postura cosmológica dos orientais. Tal intercâmbio resultou em textos e reflexões teóricas e conceituais publicados em seus livros, revistas e jornais. No livro Encontro com Mestres no Oriente, publicado em 1993, discorre sobre suas viagens e reflexões no Japão, Tailândia, Nepal e Índia e focaliza mestres e pensadores como o Mahatma Gandhi, Sri Ramakrishna, Sri Aurobindo, Sri Ramana Maharshi, Jiduu Krishnamurti, Swami Dayananda, Vimala Thakar sendo que com os dois últimos teve convivência pessoal. Desse investimento no oriente resultaram também contribuições  por meio de sua obra em artes plásticas como as do  álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas(1984). Realizou ainda as ilustrações do livro Pepedro nos caminhos da Índia, (1984 e 2007) que relata a viagem de um menino brasileiro naquele pais.
Essas inúmeras viagens ao oriente e à Índia em busca da integração oriente ocidente refletiram-se na obra teórica e plástica de MHA.  Ao fazê-lo, seguindo sua intuição e sua atração pessoal por aquela cultura, ela renunciou a uma inserção mais agressiva no mercado de arte nacional e a uma presença mais intensa em acontecimentos sociais e eventos artísticos no Brasil e aos interesses econômicos e comerciais em prol do desenvolvimento da consciência. Ao buscar inspiração no oriente, fez trajetória inversa à de pintores japoneses que migraram para o Brasil, tais como Tomie Ohtake, Kazuo Wakabayashi, Tomoshige Kusuno, e Manabu Mabe.
Seu abstracionismo lírico tem afinidade com o oriente, com a gramática icônica dos japoneses. Viu afinidades entre a escrita oriental e a pintura gestual.
Essa gramática icônica é apropriada pela propaganda e pela publicidade ao conceber logomarcas e outros signos gráficos de forte apelo comunicativo.  Não por acaso, o Instituto Maria Helena Andrés, criado em 2005 para desenvolver trabalhos de educação pela arte, adotou logomarca que identifica ao mesmo tempo os traços da artista e sua assinatura e tem similaridade com a caligrafia oriental.
Essa reaproximação com o oriente, pouco valorizada num país que ainda se liga prioritariamente a cultura ocidental, seguiu uma trajetória semelhante à do critico de arte Mario Pedrosa que, ao retornar de uma viagem feita ao Japão como bolsista da UNESCO, em 1959, com o prêmio que lhe foi concedido durante o congresso de Críticos de Arte realizado em Brasília, cidade prestes a ser inaugurada, redigiu o ensaio denominado: A caligrafia sino-japonesa moderna e a arte abstrata no Ocidente, no qual revelava ter encontrado respaldo para discorrer sobre a pintura informal ou lírica. E em uma seqüência de matérias publicadas no Jornal do Brasil, no mesmo ano, Pedrosa afirmava: “toda a arte chinesa, e mesmo a japonesa é iconográfica, isto é, feita em função de uma idéia ou símbolo”. Em outro texto publicado no ano seguinte, o crítico referia-se mais detalhadamente ao significado da escrituração do gesto pictórico, tomando como referência, mais uma vez, a caligrafia oriental:
Segundo a historiadora Almerinda da Silva Lopes: “Se, no oriente, a primeira das artes, em importância e ordem cronológica de seu aparecimento foi a Escritura, ou a Caligrafia, no Ocidente a relação entre pintura e escritura foi totalmente outra. A escrita nasceu, aqui, já de um modo ou com objetivo prático, utilitário, de meio para fim.  No Oriente, a escrita, ela mesma, se transformou num fim, muito antes de a Europa apresentar-se como um continente separado e marcado por  uma civilização autônoma. Da caligrafia chinesa nasceram as pinturas chinesa e japonesa. No Ocidente, a pintura só depois de desenvolvida dava motivo ao nascimento de uma variação pictórica com algo de caligráfico ou de escritura.”
*Fotos de arquivo e foto de Maurício Andrés
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