segunda-feira, 22 de julho de 2013


DUAS CASAS, DOIS ESCULTORES

Quando a família se mudou para o castelinho, papai alugou a casa de baixo onde eu nasci, para a sogra de um jovem escultor. Enquanto ela usava a máquina de costura na parte de cima da casa, o escultor modelava a argila em seu atelier situado no porão. Da minha janela eu podia ver os moldes de uma escultura figurativa saindo das mãos de um grande artista – o jovem escultor era Franz Weissmann, que mais tarde se tornou um dos maiores nomes da escultura brasileira. Naquela época, década de 40, ele ainda não era famoso, mas sua presença ali na casa onde eu sempre vivera, me mostrava um caminho novo para a arte – o caminho do tridimensional. Nunca fui aluna de Weissmann, mas por uma coincidência , ele foi inquilino de meu pai e meu vizinho.

Franz Weissmann foi professor da Escola Guignard e deixou inúmeros seguidores. Depois foi morar no Rio, andava a pé no calçadão, fez parte de movimentos concretistas, ganhou prêmio de viagem e chegou a conhecer a Índia.
Minha viagens à Índia eram o ponto de referência para nossas conversas. Ninguém consegue esquecer uma viagem à Índia, me dizia ele.

Lembrava-me de Varanasi e do impacto que o forno crematório lhe causou.
Weissmann, com suas esculturas, atravessou as fronteiras do Brasil.

Nas minhas memórias da casa de papai o Franz deixou sua vibração de um escultor que nunca será esquecido.

Seguindo os passos da escultura em Minas, lembro-me de outro artista, Amílcar de Castro, que também morou numa casa onde eu freqüentava quando era criança. A casa do meu avô na confluência da rua Cláudio Manoel com Piauí.
A casa foi vendida quando meu avô se transferiu para o Rio na década de 20. Lembro-me daquela construção antiga, com paisagem pintada na varanda, um jardim construído geometricamente. Ali, naquela casa de corredores compridos, quartos estreitos à moda antiga, foi criado o meu colega e amigo Amílcar.

Ele morou naquela casa e ali conheceu Dorcília, que morava em frente e que mais tarde se tornou sua esposa. O pai de Amílcar era Juiz de Direito no interior de Minas e Amílcar também estudou e se formou em direito. Conheci-o na Escola de Belas Artes na década de 40, quando Guignard dava aulas no parque. Naquela época, Amílcar já demonstrava inclinação para o desenho e a escultura. Aprendemos com Guignard a usar a linha contínua, como forma de busca do essencial no desenho, sem enfeites. Escolhi como base o desenho de linha contínua, que me permitia eliminar o supérfluo. As lições do mestre Guignard eram uma bússola no campo da simplificação da forma. A busca da Essência era necessária na arte e na vida.
Na arte era o caminho para o concretismo. Dentro do concretismo, Amilcar pesquisou o tridimensional, participou do movimento concretista no Rio de Janeiro, foi paginador do Jornal do Brasil, ganhou o prêmio Guggenheim, morou 3 anos nos Estados Unidos. Encontrei-o em 1973 na Escola de Belas Artes Guignard, onde era professor de expressão tridimensional, tendo marcado sua presença como professor e continuador da obra de Guignard.
O incentivo dado aos seus alunos, ele,generosamente o distribuía também aos colegas. Transcrevo as palavras de Amílcar, que me ajudaram a prosseguir no meu caminho de cores, antes de iniciar o tridimensional.
“O desenho é fundamento, uma maneira de pensar. E pensar, em arte, é desenhar, porque sem desenho não há nada. Existem outros escultores que fazem esculturas sem desenhar. Eu não sei fazer nada sem desenhar.”

As minhas esculturas, realizadas a partir de 2004, aconteceram após a morte de Amílcar. Porém elas já estavam contidas no desenho, geométrico, realizado na década de 50.

Transcrevo aqui a dedicatória que Amílcar escreveu por ocasião do lançamento do seu livro “Circuito Atelier” (Editora C/ARTE, BH, MG)

“À minha queridíssima Maria Helena Andrés, pintora magnífica, com um abraço do eterno admirador,
Amílcar de Castro
30/10/99”

*Fotos da internet

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terça-feira, 9 de julho de 2013


IRMÃOS ESPIRITUAIS E IRMÃOS NA ARTE


Ana Maria Pascale, nossa anfitriã é viúva de um médico e teve 7 filhos, um deles médico, uma professora de yoga e outro artista. Gosta de arte, coleciona quadros e conhece os melhores artistas italianos. Me introduziu aos livros de Montanarini, um grande pintor italiano.
“O processo de arte dele se assemelha ao seu”, me disse ela. Realmente, as idéias e depoimentos de Montanarini têm muito a ver com os meus livros. Interessante ver como a vida nos coloca às vezes junto aos grupos afins, somos realmente conduzidos pela sincronicidade. É esta sincronicidade que marca os encontros não programados.
Disseram-me um dia no Brasil: “Você vai encontrar na Índia seus irmãos espirituais e na Europa seus irmãos de arte.” Essas palavras me foram ditas por uma vidente há mais de 20 anos atrás. Caminhei 20 anos pelas estradas da Índia, ali encontrei amigos, grupos espiritualistas, mestres de yoga, filósofos e pensadores. Encontrei a arte estendida ao cotidiano e a arte estendida à educação nas escolas de Aurobindo, Krishnamurti e no Kalakshetra. Ali encontrei Rukmini Devi, diretora da escola de dança Kalakshetra, cujos conceitos sobre arte e vida se assemelhavam aos meus.
Agora encontro em Roma, na figura de Ana de Pascale grande  afinidade na vida e na arte. Quando Ana abriu a porta, tive a impressão de que já a conhecia há muito tempo. Ela foi nos mostrando a casa, os móveis antigos, os quadros, os livros – uma biblioteca enorme. Recebeu-nos com o maior carinho, desculpando-se porque a casa estava sendo preparada para o filme.
“Vocês ficam aqui no quarto de minha filha, podem estar à vontade”
Em cima da mesa encontramos um exemplar da Baghavagita, a Bíblia dos hindus e outros livros de yoga.
As coisas não acontecem por acaso. A resposta estava ali naqueles livros. Contei sobre nosso interesse pela filosofia oriental e das minhas viagens à Índia. Cláudia, a filha mais nova de Ana é professora de yoga e a mãe estuda com ela o pensamento milenar da Índia. À noite, sentada na sala cantamos mantras indianos, canções brasileiras, italianas e argentinas. De madrugada percebi luz no quarto de Ana – ela estava lendo os meus livros. Quando acordou já queria traduzi-los para a língua italiana.
“Vou levá-los à viúva de Montanarini, ela vai gostar, suas idéias são bem semelhantes e seu processo artístico também. Ele seguiu o mesmo itinerário do figurativo para o abstrato. Os artistas modernos são também pensadores, tais como Kandinsky, Mondrian, Klee, Van Gogh e agora este italiano. Todos buscaram ampliar a visão da arte para o campo do desenvolvimento humano. Anotei algumas frases do livro de Montanarini:
“Um pintor deve ter a mente de um profeta, a coragem de um combatente, a força de um operário, a constância de um atleta, a paciência de um eremita e a humildade de um mendigo.”
“A história da humanidade é um ciclo que vai do ético ao estético”. Estas palavras de Montanarini constituem uma advertência. Este tema ético e estético seria o lema da Bienal de Veneza de 2000.

*Fotos de arquivo


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