Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
domingo, 18 de maio de 2014
VISITA À MANSÃO DOS PHILLIPS
O catálogo da minha primeira exposição nos EUA em
1961, na Pan American Union, em Washington DC, mostra desenhos da minha fase de
“Barcos”. Um deles foi adquirido por Mrs. Duncan Phillips. O texto abaixo,
extraído do meu diário é o relato do nosso encontro.
“Mrs. Phillips escreveu-me gentilmente um cartão.
Marcou-me um appointment a que não posso faltar. Encontro marcado na Pan
American Union às 3 e meia da tarde. Espero-a no lobby. Ando de um lado para
outro, imaginando como seria a famosa lady. Não a conheço pessoalmente, sei que
deve ter uns 55 anos e pinta. Tem a melhor galeria de arte dos Estados Unidos,
a Phillips Gallery. Finalmente chegam, Mrs. Phillips veio com o marido. Já o
conheço daquela vez que lá estive. Vamos até o local da exposição. Mrs.
Phillips mostra-se entusiasmada com os desenhos, compra um para sua coleção. Para
mim, isto é uma grande vitória. Mrs. Phillips coleciona quadros de artistas
famosos, ter um desenho na sua coleção significa muito para um artista. Saio
feliz da Pan American Union pois é muito importante estar presente na coleção
de Mrs. Phillips. A Phillips sempre foi a minha galeria preferida. Sempre
admirei o gosto que tem no arranjo dos quadros, nas luzes, na escolha dos
trabalhos. Estou contente no meio deles. O carro sai conosco da União Pan
Americana. O chauffeur nos cobre as pernas com uma manta de lã, Mr. Phillips
está ao meu lado. Conversamos sobre arte. A estrada é linda, leva-nos além de
Georgetown à mansão dos Phillips. Entro meio sem jeito naquele palácio. Vem um
mordomo abrir as portas, dois cachorros de raça nos recebem festivamente. A casa
é uma imensa galeria de arte. Às vezes,
trocam os quadros com os da Phillips Gallery, o Salão Grande agora está cheio
de Bonnards. Levanto-me para ver de perto. Quadros de Rouault, Braque, Picasso,
Puvis de Chavanne. Nunca havia visto antes um Puvis de Chavaune ao natural,
apenas por reprodução. Admirei-me das cores suaves que emprega. Há um imenso
Bonnard em tons de rosa, uma praça de Paris em plena neve. A neve é
cor-de-rosa, o céu é cor-de-rosa. Quase não me foi possível engolir o chá.
Estava tão surpresa, que ele fazia barulho na garganta ao descer, gole por
gole. Mr. Phillips indagou muito sobre o Brasil. Tive de escrever o nome de
Guignard para ele. Talvez se lembre de comprar um para sua coleção… Mrs.
Phillips é discreta, fala pouco, mas muito simpática. Mostrou-me um dos seus
quadros em cima da lareira, um grande painel representando uma paisagem de
montanhas. Mrs. Phillips gosta de pintar paisagens. Também, a casa é rodeada de
paisagens belíssimas. Fica situada no alto, com os gramados cercando árvores
plantadas sobre a grama. Ao longe, enxerga-se a paisagem de Washington.
Demoro-me olhando a vista. Como deve ser bom pintar dentro de um cenário tão
deslumbrante e convidativo!… O chauffeur vem me trazer em casa. Pelo caminho,
indaga sobre minha terra. Está curioso por saber notícias do Brasil. Conhece o
Rio de fama e Brasília de postais.
Vou
para a casa de Gina e Antonio. Escolhi o casal de artistas para compartilhar
comigo da alegria de ter um quadro na coleção de Mrs. Phillips. Eles me recebem
como amiga. Recebem assim, com a mesma simplicidade, todos os artistas
brasileiros que chegam a Washington. Sua casa é uma espécie de sucursal da
embaixada, especialmente destinada a acolher artistas. Ficaram amigos do Mabe,
do Grassmam, do Caribê. Agora, sou eu que venho ocupar-lhes o sossego.
Ajudam-me a escolher o catálogo para a exposição de N. York. Quero
introduzi-los a uma outra amiga que encontrei aqui. Uma brasileira, casada com
americano. É de Pernambuco, veio dar um curso nos Estados Unidos e aqui ficou.
Casou-se, tem um filhinho. Chama-se Ethel Berger e faz um programa semanal para
a Voz da América. Quando soube que eu inaugurara uma exposição na Pan American,
procurou entrar em contato comigo. Saímos juntas domingo, fomos a Georgetown.
Amanhã, sairei novamente com ela, para o meu programa no rádio. Com estas
viagens, mudei muito. Já não sou mais tímida como era antigamente. A vida
ensina e dá experiência. Consegui vencer a timidez e sair-me bem em todas as
situações embaraçosas. Não tenho mais medo de falar no rádio nem na televisão.”
(Diário dos EUA, 1961)
*Fotos de arquivo e da internet
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sexta-feira, 2 de maio de 2014
COLEÇÃO PHILLIPS, WASHINGTON
Veio
procurar-me no hotel o Secretario da embaixada brasileira em Washington o Sr.
Luiz Almeida Cunha. Ficou entusiasmado com os meus desenhos, acabei dando-lhe
um de presente. Já conhecia meus trabalhos do Salão de Arte Moderna do Rio de
Janeiro. Levou-me à Phillips Galeria, uma das melhores de Washington. Já ouvira referências sobre ela.
Um casal de americanos adquiriu na Europa quadros celébres de pintores
modernos e, depois de possuir uma coleção caprichada, abriu as portas ao público. Ali estão reunidos os
impressionistas franceses, desde Daumier até Renoir, Degas, Bonnard. O Renoir que têm é monumental, com aproximadamente 2 metros de comprimento.
"Le dejeuner des Cannotiers" é um quadro alegre, festivo, cheio de
cores. Impressionou-me mais do que a "Menina com o
regador" da National Gallery. Desfilei pelas salas atapetadas, descobrindo
os quadros já conhecidos por fotografia. Alí estava Rouault com "Chríst
et le docteur", uma verdadeira maravilha. A sala de Rouault é sombria
como se fosse uma boite, moveis escuros, parede forrada de jacarandá preto. Os
quadros com focos de luz surgem como vitrais na penumbra da sala. São todos
iluminados e com isto ganham um aspecto diferente. Tornam-se mais bonitos e valorizados. A
galeria é pequena, mas agradável, tem sofás confortáveis em frente aos
quadros. A sala de Klee e uma verdadeira jóia. Mr. Phillips soube escolher os
quadros com grande unidade. Klee ali é representado em varias fases, mas com o
mesmo colorido, o que dá um conjunto agradável, bem arranjado. Passei alí muito tempo. Uma das melhores
salas é a de Braque. Os quadros também se harmonizam no conjunto em cinzas e
ocres. Sala repousante, uma das melhores representações do cubismo. Ao chegar
ao hotel, já quase às 6 horas da tarde, encontrei
2 cartões do American Council marcando appointments. Um deles é justamente
para visitar a Galeria Phillips. Voltarei lá amanhã.
Voltei à Galeria. Acompanhou-me desta vez um americano indicado pelo American Council. Correu tudo comigo
explicando em inglês. Quadro por quadro, contando a historia de cada um. O americano deve ser graduado e antigo funcionário da Galeria, pois conhece
tudo. Lá pelas tantas apareceu em cena um senhor de idade, o próprio Mr.
Phillips. Apresentou-me a ele. Aproveitei para elogiar-lhe o bom gosto de escolher o melhor de cada
grande artista. E, também o bom gosto do arranjo, admirável cuidado em dispor os
quadros procurando sempre, valorizá-los.(Diário de viagem aos EUA, 1961)
*Fotos da internet
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