quinta-feira, 16 de outubro de 2014


CELEBRAÇÃO BUDISTA AOS MORTOS

Meu primeiro encontro com o oriente e com a visão budista da vida e da morte ocorreu em Honolulu, quando ali estive em 1970, de passagem para o Japão.
À noite, num bairro distante de Honolulu, celebrava-se uma cerimônia budista. O templo era semelhante aos nossos cristãos, com um grande altar central rebuscado de ornamentações de ouro. Embaixo, sob o incenso e defumadores, os devotos acendiam velas e curvavam-se respeitosamente diante da imagem dourada de um santo com os olhos semicerrados. Era Gautama, o Buda, nascido na Índia há dois mil e quinhentos anos atrás, e que, através de jejuns e meditações, conseguiu atingir o estado mais perfeito que um ser humano pode alcançar. Todo o Extremo-Oriente procura seguir os seus passos, e ali, no meio da Polinésia, sua voz continuava a ser ouvida. A cerimônia dos mortos reunia japoneses de todas as ilhas era celebrada, em forma de rodízio, em diferentes templos. Tivemos a oportunidade de nos misturar aos budistas, como espectadores silenciosos das cenas, que se desenrolavam.
A cerimônia atravessava a noite, ao ar livre, no pátio em frente à igreja, e um sacerdote ao centro, no interior de um púlpito, comandava as danças e os cantos. Vestidos a caráter, quimonos apertados na cintura em faixas e laços, sandálias por cima de meias brancas, os japoneses dançavam.
Levavam os filhos pequenos que também batiam palmas e acompanhavam o lento caminhar do círculo. Cantavam, em ritmo cadenciado, lembrando os mortos e alegrando-se porque eles continuavam vivos na memória dos que ficaram.
No culto aos mortos não existe tristeza, e sim, um sentimento de paz e de quietude interior. Para nós ocidentais chegava a ser monótono o ritmo sem transbordamentos do povo que cantava. Sentada nas escadas de pedra do templo budista, assisti a uma cerimônia estranha, ponto de partida para novas experiências a serem vividas mais adiante no continente asiático. Mais tarde, nas minhas caminhadas pelo Nepal e nos estudos feitos com os lamas tibetanos, pude completar essa primeira impressão de viagem: “Morrer é natural”, dizia o Lama, “o importante é morrer com alegria.”

Fotos da internet


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quarta-feira, 1 de outubro de 2014


UMA VIAGEM À EUROPA, COMEMORANDO OS 80 ANOS DA VÓ NAIR

Em 1980 viajei para a Europa, acompanhando a minha mãe, que fazia 80 anos. Achei nos meus guardados, este diário, escrito por ela, contando de forma muito espontânea a nossa viagem.

“Saímos do Galeão às 11 hs da noite de 7/7/80, viagem muito boa. Estamos agora parados no aeroporto de Dakar. Cheguei um pouco cansada, pois saímos às 11 da noite e chegamos às 8 hs da manhã do dia seguinte (embora exista uma diferença de 3 horas para mais, por causa do fuso horário). Chegamos em Genebra  e no aeroporto estava à nossa espera  um empregado da companhia de aviação. Foi muito atencioso, tomou conta da nossa bagagem e nos levou ao Hotel Eden.
Hoje , dia 9, está bastante frio, tomamos um carro por 2 horas e corremos parte da cidade. Helena conversa correntemente em francês e inglês, de maneira que estamos nos saindo muito bem. Entendo porém quando falam em espanhol e entendo também um pouco do francês.  A cidade é linda, com prédios parecendo verdadeiros castelos. É muito limpa, não se vê um pedaço de papel sequer jogado no chão. Hoje presenciei uma criança procurando um cesto de lixo para jogar um pauzinho de picolé. Ele já estava acostumado a não sujar a cidade. O que me admira também são os jardins, todos floridos, com flores que eu nunca havia visto. Arborização lindíssima, as árvores todas com verdes de diversos tons. Nunca tinha visto coisa mais bonita! Num lago (não sei ao certo o nome) haviam diversas embarcações  e repuxos de água que subiam altíssimos! Hoje me sinto um pouco cansada (coração), mas vou controlando com os meus remédios. Helena tem sido maravilhosa companheira. O dinheiro que corre aqui é o franco suíço, e a vida é caríssima. Helena comprou um  casaco de chuva que estava na remarcação. Faltava o cinto, e o dono da loja devolveu 5 francos.  Ônibus só paga se quiser. O nosso chofer disse que aqui não existe ladrão nem violência.
Estamos ainda em Genebra e hoje é dia 10 , meu aniversário. Estou um pouco triste pois passei longe de meus outros filhos. Almoçamos num restaurante italiano, eu, Helena e Dr Peter, um médico indiano muito simpático. Fomos depois para o hotel e ele tomou a minha pressão, achando um pouco alta. Acho que, com a emoção da viagem ela tem subido um pouco. Resultado: tive que ficar 2 dias de repouso comendo sem sal. Logo melhorei.
Dia 13 de julho viemos para Paris, onde ficaremos 15 dias. Paris, que tanto sonhava conhecer... É uma cidade muito antiga, todos os prédios velhos. Eles conservam como era no tempo dos reis e rainhas. À toda hora lembro da Maria Antonieta. Estou gostando muito, apesar da chuva que está caindo. No dia do meu aniversário, 8 décadas como disse Paulinho, meu neto. É uma longa vida que nem todos tem o privilégio de chegar. Recebi logo telefonemas de todos os filhos, o que muito me comoveu. No mesmo dia, uma carta da Maria Regina, com gosto de minha família. Da Suíça para Paris levamos 1 hora, uma viagem muito boa. Hospedamos no hotel de France, bonzinho, 3 estrelas, mesmo no centro da cidade.
Hoje é 14 de julho, estão em grande festa, festa nacional pela tomada da Bastilha. Estamos sentadas numa praça onde tem uma festa popular, coreto com música e dança para o povo. Muito interessante e todos muito alegres. Como é emocionante conhecer tantas coisas que já havia lido em romances...

Depoimento de Helena: “pessoas de todas as cores, gente de todas as idades, música, dança, a verdadeira Paris do povo parisiense está aqui nesta praça com um pequeno coreto no meio, mesinhas, café, creperie, janelas com flores, luzes nas ruas. Dá ideia de Ouro Preto, tudo antigo. Pela primeira vez um programa legal, 14 de julho em Paris. Marselhesa, os nobres caindo, o povo, a massa subindo, Revolução Francesa e o mundo depois de tudo continuando na mesma. Pobres e ricos, nobres e plebeus. Ontem em Genebra vimos o Papa João Paulo II na televisão pregando a revolução sem mortes, sem guilhotinas, mas conscientizando a luta e a compreensão das diferenças no sentido das mudanças. O mundo ocidental quer as reformas da massa, o mundo oriental quer a reforma de cada um dentro de si – Krishnamurti prega outra revolução, a quebra do ego, do eu egoístico para a compreensão também da igualdade de todos – por dentro, não por fora.
São dois polos opostos da mesma moeda – mudar, reformar.”

Continuação do diário de D. Nair: “Hoje, dia 16 saí com Helena para um encontro com o embaixador do Brasil, muito simpático. Agora, depois do almoço, fiquei um pouco no hotel descansando. Helena foi a uma editora para mostrar o livro da Índia. Já fizemos diversos programas, à noite o Lidô. Fomos a diversos cinemas, todos muito pornográficos, até enjoa.
Hoje, dia 23, viemos ao Museu de Arte Moderna, muito interessante, muito bonito mesmo. Aqui almoçamos e, enquanto descanso, Helena corre o museu.
Hoje, dia 24, fomos a Chartres, uma cidade antiga onde tem uma bela catedral, toda com vitrais belíssimos. A igreja é antiga, mas é dessas catedrais que dá vontade de rezar, recolher. A cidade é linda, toda em estilo muito antigo, fomos de trem primeira classe e voltamos de segunda classe.  Ótimo trem, duas horas de viagem. Aqui na França escurece mais tarde, às 9 da noite ainda está claro.” (Diário de Viagem de Nair de Salles Coelho)

*Fotos de arquivo e da internet

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