terça-feira, 14 de abril de 2015

ENCONTRO COM PABLO NERUDA EM VALPARAÍSO


12 de junho
Tiago de Melo e Nemésio Antunes, este último artista e diretor de museu, levam-nos para uma visita à Valparaíso, cidade mais importante do Chile. Rodamos 2 horas por uma estrada moderna e asfaltada, ladeada de campos férteis cultivados.
O carro é um último tipo Impala e, nos intervalos de conversas sobre arte, escutamos música sinfônica pelo rádio. Descemos ao longo da costa até Valparaíso, cidade antiga, tipicamente colonial, com a arquitetura que lembra às vezes Ouro Preto.
Tiago nos leva até a casa de Pablo Neruda, que nos espera para um drink. De longe o primeiro impacto: a arquitetura da casa subindo morro afora, cheia de cores variadas e bizarras. À porta, logo de entrada, surpreendeu-nos um imenso cavalo branco de madeira com o rabo virado para o visitante. Subimos por uma escadinha estreita, Tiago levando um presente para Neruda – cebolas enormes, brilhantes, rosadas, em cima de uma abóbora comprada na feira – isto é presente que se leve para um poeta?
Mas Neruda é o poeta da terra, já fez uma ode à cebola num de seus livros. Recebe-nos alegremente, leva-nos a tomar wiskey em seu barzinho. Matilde, sua terceira esposa é cheia de vida, sorri para todos e oferece a Tiago um regalo em papel prateado, embrulhado em fita rosada. São versos do Tiago, traduzidos para o castelhano. O ambiente é cordial e alegre e a exuberância do adido cultural brasileiro mistura-se à gentileza natural do chileno.
Vamos até um restaurante em frente ao mar, onde se pode ver o Oceano Pacífico de perto, por sobre as ondas, como se estivéssemos em um navio. Através das vidraças divisamos os barcos atracados, as gaivotas aos bandos sobre as águas. Comemos mariscos e peixes de sabor estranho, ainda não experimentados. Neruda come camarões e Regina em sua frente divide o prato com Nemésio.
Matilde, a mulher de Neruda, recita em voz sonora os poemas de Tiago. Deve estar habituada a isto e os poemas de Tiago em castelhano ganham uma sonoridade diferente. “Los barcos naciem, como naciem dolores.”
Ficamos emocionados com os versos e a ênfase dada por Matilde às palavras do poeta. Escutamos por 15 minutos até que Tiago, eufórico e comovido, levantou-se e beijou a mulher de Neruda. Enquanto isso, o grande poeta chileno continua a comer camarões...
Depois do almoço o programa continua, sem Neruda e esposa. Vamos conhecer o Centro Brasileiro de Valparaíso, situado no 2° andar de um edifício na zona central da cidade. A sala ampla, com painéis modernos exibe fotografias de jardins de Burle Marx. Meus quadros serão expostos nesta sala daqui a um mês, quando terminar a exposição de Santiago.
De volta a Santiago, Juita e Fernando nos esperam no quarto para saber das novidades. Todos os dias vamos ao quarto do embaixador doente, que fica sempre muito contente de nos ver. A bondade de Fernando, sua simpatia pessoal e senso humano faz dele um embaixador querido e estimado por todos. Não há chileno que não o conheça, nem lhe preste homenagem, desde o mordomo da embaixada, até a mais simples criança de escola primária. O Brasil conquistou um grande caminho na solidariedade das nações irmãs da América Latina, colocando à frente dos interesses nacionais nestes países, estes dois brasileiros, Fernando Alencar e Tiago de Melo.(trecho do diário de viagem ao Chile, 1963)

Transcrevo abaixo alguns versos de Pablo Neruda:

O Teu Riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.

Fotos da internet


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