12 de junho
Tiago de Melo e Nemésio Antunes, este último artista
e diretor de museu, levam-nos para uma visita à Valparaíso, cidade mais
importante do Chile. Rodamos 2 horas por uma estrada moderna e asfaltada, ladeada
de campos férteis cultivados.
O carro é um último tipo Impala e, nos intervalos de
conversas sobre arte, escutamos música sinfônica pelo rádio. Descemos ao longo
da costa até Valparaíso, cidade antiga, tipicamente colonial, com a arquitetura
que lembra às vezes Ouro Preto.
Tiago nos leva até a casa de Pablo Neruda, que nos
espera para um drink. De longe o primeiro impacto: a arquitetura da casa
subindo morro afora, cheia de cores variadas e bizarras. À porta, logo de
entrada, surpreendeu-nos um imenso cavalo branco de madeira com o rabo virado
para o visitante. Subimos por uma escadinha estreita, Tiago levando um presente
para Neruda – cebolas enormes, brilhantes, rosadas, em cima de uma abóbora
comprada na feira – isto é presente que se leve para um poeta?
Mas Neruda é o poeta da terra, já fez uma ode à
cebola num de seus livros. Recebe-nos alegremente, leva-nos a tomar wiskey em
seu barzinho. Matilde, sua terceira esposa é cheia de vida, sorri para todos e
oferece a Tiago um regalo em papel prateado, embrulhado em fita rosada. São versos
do Tiago, traduzidos para o castelhano. O ambiente é cordial e alegre e a
exuberância do adido cultural brasileiro mistura-se à gentileza natural do
chileno.
Vamos até um restaurante em frente ao mar, onde se
pode ver o Oceano Pacífico de perto, por sobre as ondas, como se estivéssemos
em um navio. Através das vidraças divisamos os barcos atracados, as gaivotas
aos bandos sobre as águas. Comemos mariscos e peixes de sabor estranho, ainda
não experimentados. Neruda come camarões e Regina em sua frente divide o prato
com Nemésio.
Matilde, a mulher de Neruda, recita em voz sonora os
poemas de Tiago. Deve estar habituada a isto e os poemas de Tiago em castelhano
ganham uma sonoridade diferente. “Los barcos naciem, como naciem dolores.”
Ficamos emocionados com os versos e a ênfase dada
por Matilde às palavras do poeta. Escutamos por 15 minutos até que Tiago,
eufórico e comovido, levantou-se e beijou a mulher de Neruda. Enquanto isso, o
grande poeta chileno continua a comer camarões...
Depois do almoço o programa continua, sem Neruda e
esposa. Vamos conhecer o Centro Brasileiro de Valparaíso, situado no 2° andar
de um edifício na zona central da cidade. A sala ampla, com painéis modernos
exibe fotografias de jardins de Burle Marx. Meus quadros serão expostos nesta
sala daqui a um mês, quando terminar a exposição de Santiago.
De volta a Santiago, Juita e Fernando nos esperam no
quarto para saber das novidades. Todos os dias vamos ao quarto do embaixador
doente, que fica sempre muito contente de nos ver. A bondade de Fernando, sua
simpatia pessoal e senso humano faz dele um embaixador querido e estimado por
todos. Não há chileno que não o conheça, nem lhe preste homenagem, desde o
mordomo da embaixada, até a mais simples criança de escola primária. O Brasil
conquistou um grande caminho na solidariedade das nações irmãs da América
Latina, colocando à frente dos interesses nacionais nestes países, estes dois
brasileiros, Fernando Alencar e Tiago de Melo.(trecho do diário de viagem ao
Chile, 1963)
Transcrevo abaixo alguns versos de Pablo Neruda:
O Teu Riso
Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.
tira-me o ar, mas
não me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a flor de espiga que desfias,
a água que de súbito
jorra na tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
por vezes com os olhos
cansados de terem visto
a terra que não muda,
mas quando o teu riso entra
sobe ao céu à minha procura
e abre-me todas
as portas da vida.
Fotos da internet
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