Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 27 de julho de 2015
CONVERSA EM FRENTE AO FOGO
Na fazenda, enquanto o fogo crepita, com panelas
cozinhando, vamos “conversando fiado” e aprendendo o que se passou outrora em
terras de Minas. Vou escutando o que dizem as pessoas da região:
“Você sabe o que é “biblioburro”? É uma biblioteca
no lombo do burro, cangalha cheia de livros, levando conhecimento para o povo
do sertão. O carroceiro parava de cidade em cidade, de povoado em povoado,
emprestando livros para crianças e velhos.”
“Meu avô dava consultas montado em lombo de burro.
Dava consultas levando remédios para o povo de Ouro Preto. No meio da praça
atendia pobres e ricos, o povo fazia fila para ser atendido.”
“Meu pai foi de Entre Rios até o Rio de carro de
boi.”
“Um dos jovens da região, veio do Rio até Entre Rios
à pé.”
“D. Pedro I veio até a região do Campo das Vertentes
de carruagem, pela Estrada Real. Por aqui passou um rei, nos idos tempos do
Império.”
“Você sabe como se chama o transporte comum no Rio
de Janeiro, em pleno século XXI ? Burrinho sem rabo! É um transporte muito
usado atualmente nos bairros da zona sul do Rio. Lá vai o homem à frente,
puxando a carroça, que carrega tudo. Fazem pequenos transportes, objetos
domésticos, embrulhos de todos os tamanhos. As lojas contratam os
transportadores, pois é muito mais prático do que carregar certas coisas no
moto boy.”
As mudanças no lombo de burros, eu vi da minha
janela, desenhei no meu caderno, depois passei para a tela. Havia trouxas e
móveis, cadeiras, mesas, fogões, panelas, tudo amarrado com cordas para não
cair. Hoje existem ponto de parada de caminhoneiros, antigamente eram
carroceiros. Naquela época, Entre Rios era o ponto de partida para vários
caminhos, para o sul e para o norte e também para o nordeste. Tudo no lombo do
burro ou da mula.
Esta conversa ao pé do fogo em Entre Rios, me
lembrou a Índia de hoje, que preserva meios de transporte utilizando, não
somente o lombo de burros e carros de boi, mas também elefantes, camelos e até
seres humanos puxando outros em “riquixós”, que são bicicletas modificadas para
carroças.
*Fotos da internet
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sexta-feira, 17 de julho de 2015
MERGULHO NO MAR VERMELHO
Recebi de
Ivana Andrés o texto abaixo sobre sua viagem à Jordânia, onde ela e o Luciano
Luppi mergulharam no mar vermelho.
“Vinte
anos depois estamos de novo no mesmo "jardim japonês” submerso. São montes
de rocha cobertos de corais de formatos e cores diferentes entremeados de
peixinhos pretos, transparentes, alaranjados, riscadinhos com corpo escuro e
barbatanas vermelhas, escuros com pintinhas azul neon etc. Entre eles, águas
vivas violetas desfilam com elegância seus corpos transparentes. Muitas se
aproximaram curiosas, passaram por nós, e nos tocaram. Resolvi tocar em uma
delas afim de tirar a limpo o que tanta gente fala sobre queimaduras das águas
vivas. Toquei de leve com as costas da mão o corpo gelatinoso de uma delas. Ela
reagiu e se curvou, depois continuou seu caminho. Senti um leve ardor e nenhuma
queimadura.
No
mergulho de hoje 2 momentos ficaram na memória.
No
primeiro as cores e formas se destacaram: em torno ao cume de uma dessas pedras
floridas de corais, peixes alaranjados se misturavam a outros transparentes e
pretos formando um mosaico vivo e dançante em meio a águas vivas que surgiam do
nada, da própria água azul turquesa. Ficamos ali vendo aquele aquário enorme se
mexer e adquirir faces e equilíbrios, cores e formas, o fundo brincando de se
transformar em figura, a figura se dissolvendo no fundo.
O segundo
momento foi completamente diferente. Nos aproximamos de um barco pequeno
ancorado num deque sobre pilastras. Debaixo do barco uma grande massa escura
parada começou a se movimentar com a nossa chegada. Eram milhares de pequenos
peixes finos e transparentes, um cardume monumental como nunca antes tínhamos
visto. Súbito uma parte inteira se movia numa direção diferente, passava por
baixo de outros, mergulhavam dentro daquela montanha de peixes iguais, cruzavam
com outros, sempre com um líder que comandava sua equipe, seu grupo ou clã de
peixes. O resultado era uma dança para dentro e para fora com cintilações
prateadas em olhos e corpos translúcidos. Em nenhum momento se dispersaram. Na
volta passando por ali não havia nenhum deles. Imaginamos o cardume e seu corpo
enorme se deslocando no mar...
Quando
paramos uns segundos perto da praia para desalagar ou desembaçar nossas
máscaras vimos cardumes de peixes como esses voando sobre as águas. São rápidos
e cruzam mais de um metro fora da água.
Neste
jardim japonês existem corais semelhantes aos de Abrolhos inclusive os “corais
cérebro” considerados endêmicos em Abrolhos. Talvez cresçam aqui e lá devido à
água quentinha que chega a 27 graus.
Um
tanque de guerra está dentro do mar!! Só mesmo neste oriente médio há algo assim:
o naufrágio de um tanque. Está lá há 14 anos e foi “naufragado de propósito”. A
poucos metros da costa com seus canhões apontados para a praia, escotilhas
abertas e tampa destruída, este naufrágio mostra ao mergulhador a cabine
interna com local para acomodar o soldado e outras divisões. Pensava que iria
me incomodar e até considerar uma espécie de sacrilégio a visão deste
naufrágio. Porém o mar tudo acolhe e enfeita com seus corais coloridos. Em
vários pontos deste tanque submerso, haviam "flores violetas ou brancas” e
em torno delas peixinhos coloridos. Toda a forma do tanque de guerra era
contornada com um debrum branco que o tornava quase leve, quase um tanque
fantasma.
Próximo
ao local do tanque o "jardim japonês” se estendia em canteiros maiores,
montes maiores de pedras totalmente cobertas com uma variedade enorme de corais,
alguns parecendo cérebros, outros arbustos, labirintos por onde saíam e
entravam peixes com a maior desenvoltura. De repente uma moréia azulada
serpenteou e entrou numa toca. Depois foi a vez de um grande "peixe cofre”
branco com pintas pretas nadar lenta e majestosamente no fundo tentando se
confundir com o chão. Rápido e arisco passou um "peixe cachimbo” com seu
corpo esverdeado e seu bico enorme. Saímos saciados.” (Ivana Andrés, trecho do
diário de viagem à Turquia e Jordânia, maio de 2015)
*Fotos
da internet
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quinta-feira, 2 de julho de 2015
ENCONTRO COM RAMON GARRIGA MIRÓ
Este
depoimento de Ivana, extraído do seu diário de viagem, nos relata o contato que
tivemos com Ramon Garriga Miró, o jovem professor de estética da Universidade
de Madri. Naquela ocasião realizamos juntas uma exposição na Casa do Brasil em
Madri, inaugurada no retorno da nossa viagem à Índia.
“Ontem,
22 de abril de 1987, foi a inauguração de nossa exposição na Casa do Brasil.
Esteve
presente Ramon Garriga Miró, professor de estética da Universidade de Madri.
Foi logo dizendo uma porção de coisas sobre as pinturas de Maria Helena, que
coincidiam com o que ela pensava e queria transmitir. Chegou a se entusiasmar e
escreveu em seguida uma matéria para o jornal El País, principal jornal da
Espanha. Quer também que, na volta de nossa viagem a Portugal, ela faça uma
palestra durante sua aula. Prometeu também um contato com uma boa galeria para
uma mostra individual de Maria Helena no futuro.
Ramon
Miró, o professor de estética, havia combinado que Maria Helena faria na sexta feira uma palestra em uma de
suas aulas. Quando chegamos na quinta feira à Escola de Arquitetura, Ramon
estava nos procurando na Casa do Brasil. Mamãe falou em “portunhol perfeito”
sobre sua trajetória artística, enquanto Ramon fazia comentários diante de cada
slide. Seu entusiasmo era contagiante e transmitia energia para todos os
presentes. Não era possível recusar o convite para dar uma volta junto com
Ramon, pela região do Museu do Prado uma verdadeira aula de arquitetura e arte
que recebíamos ao vivo, deste jovem professor. Andamos pelas ruas de Madri à
noite, e a aula se estendeu até a madrugada. Foi uma experiência muito
gratificante.”
Em
seguida a este relato de viagem, anexo o texto de Ramon Garriga Miró para o
jornal El País:
“Maria
Helena Andrés es ya um despliegue personal y uma concepción del mundo en que se
juntan afinidades y raíces profundas telúrico-históricas-luso-hindú-brasilenas
com mandala incluido, como el SER de lós filósofos pré-socráticos, redondo él,
único, omnipresente, que descansa su luz en unos paisajes, terrestres y marinos
a la vez, de puesta de sol trágica, guerrero o bélico, tradicional y moderno,
ejemplificando lo mismo em el trazo, trazos pictóricos, de origen
barroco-romántico-expresionista, y em el uso de los colores fundamentales:
azul, rojo, amarillo, matizados soberanamente, a veces azules com matices de
verdes, los cuales expresan, comunican
com una dialéctica del Sí y el No, que el mundo es una sucesión de catástrofes,
luchas, de contrarios, y que el agua, el aire, el fuego y la tierra siguen
siendo los quatro elementos primordiales y únicos.”
(Ramón,
Garriga Miró, professor de filosofia de la Faculdad de Arquitectura de Madri,
23-4-87)
*Fotos
da internet e de arquivo
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