sábado, 15 de outubro de 2011

ASSIS

            Um frio de princípio de inverno, o céu muito azul e o casario surgindo no alto da colina, marcou nosso primeiro encontro com Assis.
            Assis, berço de S. Francisco e Santa Clara é uma cidadezinha construída no alto do monte Subasio, dominando imensa planície verde de terra cultivada. O mosteiro enfrenta a paisagem com suas torres e arcos. Do terraço do hotel podemos sentir o silêncio da natureza e a poesia dos campos.
            Tudo em Assis reflete um impulso místico, que começou no passado e se estende como que por milagre até os dias de hoje. A força poderosa do Santo recolhido nestas montanhas, seu profundo misticismo, não se perderam nem se materializaram com o tempo.  O santuário de Assis é um dos belos da Itália e, no tumulto do século XX, continua a ser um local de oração, um momento de meditação, nesta Europa dominada pelo excesso de turistas, de gente que quer ver, ouvir explicações históricas, levar lembranças para os amigos, gente que pára nos camelôs e compra amuletos, souvenires, medalhas, nas escadas das igrejas, nas sacristias, mas que nem sempre consegue absorver espiritualidade, porque se revestiu de couraça material.
            Assis não é cidade de turistas, mas de peregrinos, e não tem contradições de mau gosto: construções de pedra cor-de-rosa, ruas de escadas, pequenas capelas escondidas nas ladeiras. Uma destas capelas é a de Santo Estevão, perto da igreja de Santa Clara. O corpo da Santa acha-se como foi encontrado, intacto no túmulo. Por detrás das grades, deitada em seu leito de morte, ela é exposta à visitação pública. Milhares de peregrinos descem o subterrâneo para venerar aquele corpo, que por suas virtudes, preservou-se da destruição. Na mesma igreja, pode-se ver o crucifixo que falou a São Francisco, pintado sobre madeira, como todos os crucifixos bizantinos. As romarias, as velas acesas, as esmolas e a curiosidade diminuem o poder místico do recinto.
            Descemos a ladeira para encontrar o silêncio novamente na capelinha de Santo Estevão. Sentados naqueles bancos rústicos, observamos a simplicidade do recinto e o misticismo daquele local de oração. Santo Estevão, em Assis, lembra Ronchamp, na França.  A capelinha de pedra, despojada, é iluminada por janelas retangulares, vazadas nas pedras da parede. Sentimento semelhante deve ter inspirado Le Corbusier em Ronchamp: a procura da paz através do despojamento completo. No mundo dinâmico em que vivemos, na agitação própria das grandes cidades, cada vez diminuem estes pequenos oásis, que despertam o encontro com nossa própria alma e um Ser superior. Difícil qualquer sentimento religioso em meio ao vozerio, ao acotovelamento, moedas tinindo e a curiosidade turística.
            A paz de Santo Estevão nos faz reviver, de certo modo, o que apenas conseguimos vislumbrar, de passagem, na multidão cercando o túmulo de Santa Clara. Santo Estevão é místico, silencioso e humilde. O sacrifício do jovem mártir nos emociona.
            Lembro-me daquela sala pequenina, no imenso prédio das Nações Unidas em Nova York, lugar de meditação para qualquer religião, sem distinção de credos. A sala é vazia, despojada, e um orifício no teto projeta um raio de luz na penumbra. Aquele raio de luz vindo do alto sugere todos os anseios da humanidade e nos desperta para um encontro com o eterno. Temos necessidade deste silêncio, para compensar a agitação de nossa vida. E, como o raio de luz da sala de meditação das Nações Unidas, também a penumbra desta capela suscita vivências místicas. Assis é uma benção, para quem procura a paz.
A Capela de São Francisco de Assis em Belo Horizonte reuniu num projeto inovador grandes artistas do modernismo brasileiro como Niemeyer e Portinari e hoje é considerada símbolo e cartão postal de nossa cidade.
 *Fotos da internet
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