Visitamos o Vaticano à noite. Atravessando a ponte que conduz ao Castelo de St. Angelo, onde viveu Lucrécia Bórgia, pode-se ver de longe a cúpula da basílica de São Pedro, muito branca, dentro da noite. Inúmeros arquitetos estiveram à frente de sua construção, cabendo a Miguel Ângelo a criação da famosa cúpula e, a Bernini, o projeto circular monumental, com a basílica no centro de imensa praça, ladeada de colunas de pedra. Emociona, à primeira vista, o espaço entre as colunas, que se elevam enfileiradas circundando o palácio do Vaticano e a Basílica de São Pedro. A grandiosidade da praça vazia, vista à noite, entre sombra e luz, toma um aspecto fantástico, irreal e comove ao primeiro impacto.
Volto a São Pedro durante o dia. O interior da basílica decepciona. Há uma mistura de estilos, o individualismo e a vaidade prevalecendo. O que um artista começou foi modificado por outro, e a basílica enorme, requintada, excessivamente enfeitada, perde pelo excesso de decorações; mármore, ouro, colunas renascentistas, altares barrocos, tudo procurando sobressair, mas contribuindo para desvalorizar algumas das grandes obras ali expostas, tais como a “Transfiguração” de Rafael e a “Pietá” de M. Ângelo.
Universalmente conhecida, esta imagem comove o mundo, apesar da colocação desfavorável dentro da basílica. Há uma expressão de ternura que se desdobra através do manto, o abandono do Cristo, a suavidade de contornos do rosto de Maria.
A expressividade em arte não descreve, nem analisa, mas desperta o sentimento estético, como a música. Atinge diretamente a alma e não a inteligência. Talvez por isso, sem ser dramático nem apelar para o trágico, Miguel Ângelo comove pela profundidade expressiva. A Virgem Maria parece uma jovem de 18 anos. Talvez Miguel Ângelo não quisesse esculpir a realidade dos fatos, mas eternizar o amor materno, que é grande e puro e não sofre a ação do tempo. Através da arte, os sentimentos humanos são transmitidos: o amor ou o ódio, a espiritualidade ou o materialismo, a violência ou a paz. Em frente ao mármore rosado da Pietá, o viajante se detém, atingido pela força de expressão de um dos sentimentos mais nobres da pessoa humana.
Combinamos uma visita ao Vaticano, para ver o museu e a Capela Sixtina. Recebe-nos o conservador-chefe do museu do Vaticano, Sr. Redig de Campos. Leva-nos até a sala de Rafael, onde explica detalhes interessantíssimos dos afrescos, que foram pintados pelo artista com a idade de 24 anos, no princípio de sua carreira, estimulado pelo papa Júlio II, descobridor de gênios. Entusiasmado com o talento do jovem Rafael, o papa Júlio deu-lhe a encomenda dos afrescos, mandando cobrir as pinturas originais de Piero de la Francesca !...
Isto nos lembra as injustiças que em todas as épocas se comete, quando, em detrimento de outros valores, visa-se promover uma nova revelação.
Recentemente, o serviço de conservação do patrimônio artístico do Vaticano foi mobilizado para a restauração da obra de Rafael. As películas de tinta foram retiradas por um processo especial e, nessa remoção, descobriram trechos da pintura anterior.
No meio de todos os tesouros do Vaticano destaca-se, pela força de uma arte madura e expressiva, a Capela Sixtina, pintada por Miguel Ângelo. O poder de criação do artista manifesta-se nesta obra de modo violento; dinamismo e tensão aumentando a capacidade expressiva do conjunto. Ao centro de um grande círculo de penitentes em expectativa, o Cristo, braço direito erguido, tendo a seu lado, como intercessora, sua mãe, julga a humanidade e separa os bons dos maus. O desenho barroco de M. Ângelo movimenta as figuras, estruturando-as num todo, onde os contrastes de luz e sombra dão relevo quase escultural. Miguel Ângelo, o pintor, convence tanto quanto o escultor, principalmente por seu caráter de monumentalidade. Talvez este Juízo Final e o teto decorado com cenas bíblicas seja o conjunto mais belo, mais impressionante, de todas as obras primas que se acham em Roma.
*Fotos da internet
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