sexta-feira, 13 de abril de 2012

MINHA AVÓ RITINHA

Achei este retrato dentro de uma pasta e me lembrei do início da minha carreira artística.
“Você foi uma mulher forte, guerreira, decidida, muito à frente de seu tempo. Era respeitada por todos como o centro da família, aquela que tomava decisões sem medo de perder o prestígio.”
 Lembro-me de papai chegando ao Rio para me levar de volta para Belo Horizonte.
“Onde já se viu uma adolescente mineira estar desenhando modelo nu no Rio de Janeiro?”
Ele estava decidido a me trazer de volta para Minas e parar meus estudos de Belas Artes, mas foi a vó Ritinha, sua mãe, que me defendeu.
“Você não vai interromper os estudos da menina. Eu, pessoalmente não sei porque precisa desenhar modelos nus, mas já que é necessário, ela vai continuar aqui comigo. Deixa por minha conta, eu escondo os desenhos , ninguém vai ver...”
Assim, com a autoridade de minha avó, continuei no Rio, estudando com Carlos Chambelland. Meu professor era acadêmico, me estimulava a fazer retratos. Pintei e desenhei retratos de várias pessoas da família, das empregadas de minha casa, dos mendigos de rua, das crianças.
O nu artístico, muito usado no academismo, era importante para o estudo do corpo humano em sua proporção. Dediquei-me por muito tempo aos retratos em pastel e carvão, para depois, na Escola Guignard, trocar o carvão pelo lápis duro.
Vovó Ritinha jogava baralho com os irmãos, sua casa era movimentada. Eu não gostava de jogar e ficava num cantinho desenhando os parentes.
“Só falta falar”, diziam.
Fazendo retratos e com o apoio da vó e dos tios, eu continuava freqüentando aulas no Rio.

A família Salles, de onde viera vovó Ritinha, era uma família que se dedicava às letras. Os Salles sempre gostaram de arte e Maria Letícia foi minha incentivadora no Rio.  Os descendentes da família Salles continuam se dedicando às artes e às letras. Vários publicaram livros e escreveram em jornais. O livro de tio Joaquim, “Se não me falha a memória”, merece ser lido, pois informa muito sobre o Serro.
Os Salles tinham também tendências políticas, meu pai foi deputado e seu irmão Alírio foi ministro do trabalho.
Relembrando os tempos de vovó Ritinha, vejo meu tio avô Efigênio de Salles (tio Ziro) chegando a Belo Horizonte como governador do Amazonas. A casa se enchia de políticos e minha avó Ritinha servia cafezinhos e biscoitos de milho (naquele tempo ainda não existia pão de queijo). Tio Ziro trazia presentes para as sobrinhas, abria as malas e colocava os brinquedos, numa estante para dá-los no momento adequado. Eu ficava olhando a estante, louca para ver de perto a minha boneca, e nada do tio Ziro parar de conversar na sala com os políticos. Na minha impaciência de criança de 6 anos, não resisti à tentação de ver de perto aquela boneca, cabelos escuros, olhos azuis. O quarto era estreito e a estante muito alta. Comecei a subir devagarinho, sem ninguém ver. Alcancei o primeiro degrau, o segundo, e não cheguei ao terceiro. A estante caiu em cima de mim com o maior estrondo. Só me lembro do barulho, da poeira, e da minha boneca dentro de uma caixa de papelão. Retiraram-me de lá sob as tábuas e eu me salvei abraçada à boneca. O armário era altíssimo e bateu na parede fazendo uma barraca de proteção em cima de mim. Fui levada para o quintal por minha tia Lilita. A vovó ficou por conta de ajudar o tio governador que levara o maior susto e estava sendo atendido pelos políticos. Assim são as lembranças de minha infância em BH e da minha adolescência no Rio, contando sempre com a presença da vó Ritinha como mediadora de conflitos.

*Fotos de arquivo

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