terça-feira, 29 de outubro de 2013

ITRI

Dando continuidade aos relatos de viagem à Itália, pedi a colaboração de Ivana, que selecionou de seu diário de viagem, um depoimento sobre a nossa passagem a Itri, situada no sul da Itália, perto de Nápoles.

“Na estação terminal de Roma todos os trens são completamente pichados, pichações enormes que integram as que devem aparecer nos muros da cidade. O trem que irá nos deixar em Formia acaba de sair de Roma. Nos arredores se vêm ruínas, arcos que se estendem por quilômetros, muros, colunas de antigas construções. Por todo lado existem o que eles por aqui chamam de ruínas romanas. Até dentro das casas existem pedaços de cerâmica, como souvenirs, curiosidades. À medida que o trem avança, se vêm outras ruínas: os cemitérios de automóveis, empilhados como brinquedos quebrados.

Hoje pela manhã fui sozinha à praia. O sol lançava um brilho forte sobre o mar e sobre centenas de seixos da praia. Os poucos transeuntes eram todos homens, vestidos com jaquetas e sapatos, inclusive os poucos que tomavam sol não usavam roupa de banho, queimando apenas o rosto. Senti que, por incrível que pareça, mesmo estando em plena Europa, escandalizei com o meu short e biquíni.  

Cazilda, Stéfano e seu filho Giuseppe, de 10 anos, vieram nos buscar na Estação de Formia. Situada a 100 km de Nápoles, Formia é uma cidadezinha à beira mar com seu cais e suas ruelas medievais. Depois de uns 25 minutos rodeando montanhas e vales, chegamos à casa de campo onde eles moram. A casa tem 3 andares: sala e cozinha embaixo, 3 quartos no segundo andar e um mezanino cheio de colchões e camas onde, em dia de festa se ajeita muita gente. Por sinal parece que festas por aqui acontecem sempre. Depois de um jantar super gostoso, apareceram 2 amigos, um músico e um poeta, para ensaiar um espetáculo. Estão naquela fase de experimentação onde vale tudo, idéias as mais loucas são jogadas na roda e todo mundo improvisa.  Acordeon, pandeiro, reco-reco, chocalho na latinha de arroz e a fantástica zanphonia do Stéfano acompanhavam Cazilda tocando seu pífano. A zanphonia é um instrumento medieval que se vê, nos quadros de Brueguel, sendo tocada em tabernas. Ela tem, ao lado de um feixe de 4 sopros de madeira, uma enorme bolsa de couro que se enche de ar parecendo um bichinho vivo. O som é possante e abafa facilmente outros instrumentos a não ser instrumentos de sopro bem agudos como o pífano. A origem desses instrumentos remonta aos pastores italianos  que, durante a época de Natal, saíam às ruas. Stéfano e Cazilda, resgatando esta tradição, têm tido no final do ano, muito trabalho e uma boa resposta do público. Querem criar agora espetáculos alternativos para o resto do ano e esta parceria com músicos e poetas locais poderá ser interessante. Romano, o poeta, iniciava sua interpretação no dialeto Itri, o que nos dava uma sensação de estranhamento e fascínio diante de uma língua nova. De repente entrava o acordeon de Ensor, o músico, pessoa super expressiva e brincalhona, acompanhado pelo pífano de Cazilda. Stéfano abafava todos os sons com sua zanphonia possante e grave. Súbito Giuseppe surpreendia a todos tirando não sei de onde um reco-reco de bambu que fazia uma algazarra dos diabos. Eu e minha mãe ríamos deliciadas com aquela “casa de loucos” que é a casa dos artistas. Sei apenas que, em poucas horas brincamos com músicas de várias épocas e lugares, indo desde o canto de mantras até o carnaval, regado à legítima cachaça brasileira.” (Ivana Andrés, Viagem à Itália, ano 2000)

*Fotos da internet

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