Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2014
O GURU
Perto de Rajgath existe um vilarejo. Fomos visitá-lo depois do jantar
acompanhando aquela americana alta que está no Krishnamurti Foundation. Ela só
aparece nas horas das refeições, quase não assiste aos vídeos – sai
misteriosamente para a aldeia. Tem um jovem amigo lá.
Tivemos de usar lanterna pois a
estrada era escura, cheia de buracos; passamos por uma ponte de madeira sobre um
rio, até chegarmos à aldeia. Não se enxergava nada, a escuridão da noite,
cercava o ambiente de mistério. A ponte era estreita e vários ciclistas queriam
passar carregando enormes vasilhas de leite. Só conseguíamos distinguir na
escuridão as lanternas das bicicletas, nada mais. Acompanhamos a americana de
quase dois metros de altura, ela era a nossa segurança. Guiou-nos até um templo
iluminado onde uma multidão de devotos cantava.
Retratos de gurus sorrindo dentro
de molduras em forma de flores, um teatro de marionetes por todos os lados.
Fizeram-nos sentar no chão, junto a um grupo de mulheres, depois me levaram a
um aglomerado de homens, crianças, mulheres. Tentei enxergar o que acontecia
colocando-me na ponta dos pés. Um indiano alto percebeu a minha curiosidade, abriu
alas no grupo para que eu pudesse ver de frente.
Ali estava sentado, em pose de
meditação um homem de meia idade, coberto de guirlandas de flores. Os devotos
se ajoelhavam diante dele beijando-lhe os pés. “Curve-se diante dele”, disse-me
o homem alto atrás de mim. Hesitei, a postura crítica de uma ocidental veio à
tona, mas a força da tradição, a inocência e a devoção dos fiéis quebrou a
minha barreira. Curvei-me diante dele como todos os outros e senti que era isto
que deveria fazer naquele momento.
Voltamos novamente ao nosso
cottage no Krishnamurti Foundation. Paramos num barzinho pobre, construção de
bambu, recoberto de folhas de palmeiras. Jovens camponeses da região assistiam
a um programa de TV.
Voltei sem saber o nome daquele
guru, ficou na lembrança a postura devota dos indianos.
Krishnamurti recusava qualquer ato de reverência. Ele nunca
se julgou um guru, nem aceitou ser o Cristo do futuro conforme os teosofistas
esperavam. Sua missão foi de abrir a consciência das pessoas, e fazê-las
perceber a vida por elas mesmas, sem apoios externos. “Seja seu próprio
mestre”, nos dizia ele em suas palestras. Tendo estudado por muito tempo o
pensamento de Krishnamurti, através de seus livros “Liberte-se do passado”, “A
primeira e a última liberdade” e vários outros, eu pude percorrer a Índia sem
me envolver com nenhuma tradição religiosa.
*Fotos da internet
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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
KRISHNAMURTI FOUNDATION VARANASI
Viemos
para este lugar maravilhoso, um oásis no meio da confusão de Benares. Estamos
alojadas num cotage, com uma varanda dando para um bosque. Lá embaixo o rio
Ganges continua trazendo as memórias dos conflitos das cidades e banhando de
paz as encostas, as praias e as diversas “Gates” onde os devotos de banham. Em
suas águas deposito as experiências, sejam elas boas ou más. O presente só me
fala de paz, compaixão, amor. Lembro-me do Dalai Lama – “os nossos inimigos são
os nossos maiores amigos, pois nos trazem problemas” e, sem problemas não
podemos crescer.
Os
problemas de Benares me trouxeram a Ragport, onde está situada a sede do K.T.
Aqui
a vivência do agora é tranquila, cheia de beleza. Aqui é o ponto de encontro de
viajantes, daqueles que caminham sozinhos, não pertencem a organizações. Vêm de
todas as partes do mundo. Krisnamurti foi realmente o mestre internacional.
Para ele não existia fronteiras; viajava do Oriente para o Ocidente espalhando
sua mensagem. Derrubava as divisões que separam os homens. “You are the world”,
dizia. Não existe separatividade entre o observador e a coisa observada. Se entrarmos
em união com o canto dos pássaros, com o verde da natureza, o rolar das águas,
o barulho das cidades, a massa humana passando nas ruas nas horas do “rush” nos
sentimos parte deste todo como participantes incógnitos da música coletiva.
Uma
indiana simpática nos recebeu. Chegamos cheias de malas e pacotes. Contei o
episódio do macaco e a decisão rápida de vir para aqui.
Krisnamurti
sempre tem sido o meu refúgio nas longas viagens. Ele foi o primeiro que teve a
coragem de romper com todos os “ismos”. Em 1974, comprei um livro de
Krisnamurti “A Primeira e Última Liberdade”. Achei-o no aeroporto de Belo
Horizonte e fui lendo o livro sem para até Brasília. Continuei lendo pela
madrugada até o dia amanhecer. Quando o sol foi surgindo rompendo as névoas da madrugada
abri a janela do quarto. Minha cabeça mudara, a minha percepção sensorial
aumentara.
A
partir desse dia a minha ligação com Krisnamurti se manifesta de forma
independente, sem pertencer a nenhum grupo, mas sempre encontrando por acaso os
meus irmãos espirituais, seja no Brasil ou na Índia. Eles me recebem com a
maior cordialidade. As portas se abrem, as divisões não existem. Nossa chegada
a Rajgath, a permanência neste cottage todo pintado de cores claras, com uma
varanda de onde escrevo ou desenho, o silêncio do bosque somente cortado pela
música da natureza, o vento, os pássaros cantando, as trepadeiras, os vasos de
flores e um pavão tranquilamente circulando por entre as árvores, tudo isto
constitui no momento o meu oásis. Aqui tenho possibilidade de estar só e
refletir.
*Fotos
da internet
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