terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

UM RETIRO NOS HIMALAIAS


 O acaso nos conduziu a Uttar Kashi, lugar de reflexão e paz no alto dos Himalaias, reservado aos estudiosos de Krishnamurti. Foi preciso percorrer a Índia vários anos, observar com atenção os diversos caminhos elaborados pela mente humana, para compreender a necessidade dessa parada para reflexão. Ali passamos muitos dias recolhidos no silêncio, cada um de nós numa cabana particular. Havia tempo para meditar e tempo para contemplar a natureza. Aos poucos, começamos a sentir a beleza de estar só, de não ter opinião formada sobre as coisas, nem desejar modificá-las. A mente humana está sempre buscando algo diferente do que é, e nesse desejo, a beleza do agora se perde.
O nosso agora era o rio Ganges correndo, lá embaixo, junto à cordilheira dos Himalaias. Havia uma distância de muitos metros da região onde estávamos até o rio, mas resolvemos descer o barranco, escorregando sobre as pedras. As pedras eram redondas como se tivessem sido modeladas por mãos de artistas. Muitas vezes elas se assemelham ao Lingam dos hindus. Ali estavam empilhadas, distribuídas sobre a areia, uma infinidade de pedras buriladas pelo movimento das águas. A proximidade da nascente do Ganges, brotando do seio dos Himalaias, simbolizava a vida nascendo e crescendo em constante movimento. O rio passava por cidades, florestas, campos, encontrava pessoas, vivenciava novas experiências até se jogar no mar. Cada um de nós, seres humanos, também temos o tempo e espaço necessários para compreender o nosso retorno à Essência. As pedras maiores, no meio da correnteza, criavam ondas circulares ao redor. Também no homem, todas as manifestações do ego: o apego, o medo, a competição e a ignorância vão criando ondas, espumas, movimentos circulares, cachoeiras. Mas a vida continua o seu percurso, apesar de tudo. A história do rio é a história da nossa própria vida.

*Fotos de Maurício Andrés e da internet

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