terça-feira, 31 de março de 2015

EXPOSIÇÃO NA EMBAIXADA DO BRASIL, NO CHILE


No aeroporto de Santiago descemos sozinhas com nossas malas, eu e Regina Alves. Meus desenhos são observados pelo encarregado da alfândega, tenho de anunciar que vou fazer uma exposição.
Já estamos rodando sobre ruas chilenas. A sede da embaixada brasileira é uma casa imensa, decorada com gosto e distinção.
Juita, a embaixatriz, é minha prima e dela partiu o convite para uma exposição individual em Santiago. Fernando Alencar, o embaixador, está de cama, foi operado do fígado.
Aos poucos os personagens desta mansão vão aparecendo, quase todos chilenos, apenas 3 brasileiros. Tudo é calmo e solene dentro destas imensas paredes e as notícias do Brasil chegam semanalmente, mas já filtradas pela distancia. As greves e ameaças ficaram para trás e João Goulart é tido no Chile como um grande presidente. A simpatia de sua estada aqui, a simplicidade de não exigir nada, é lembrada por todos.
À tarde nos encontramos nos aposentos da embaixada. Conheço muitos brasileiros e o famoso poeta Tiago de Melo, adido cultural do Brasil no Chile, um nortista moreno de enormes cabelos, cabeça de Beethoven brasileiro.
Meus desenhos são desembaraçados da pasta e espalhados pelos tapetes do quarto. O embaixador escolhe 4 para sua coleção, a senhora do 1° secretário prefere um azul. E assim, são distribuídos antes mesmo de serem expostos.
Já arrumei a exposição com a ajuda de Regina e Tiago de Melo: 22 quadros dependurados em fios de nylon e suspensos no espaço protegidos por 2 vidros enormes. O catálogo contém versos de Carlos Drummond de Andrade. Em cada catálogo procuram um poeta que em seu conteúdo transmita uma mensagem irmã à do artista. Muita honra para mim a afinidade!...
Saímos para uma volta pelas ruas. Os chilenos são morenos e altos, vestem-se bem encapotados neste inverno, dentro de casacos de lã. Paramos numa banca de jornal para ler as notícias sobre o Papa, morto às 2 hs e 40 minutos de hoje.
4 de junho
As duas salas do Centro Cultural Brasileiro estão cheias de quadros meus. Não foi possível um coquetel de inauguração por causa da morte do Papa, mas assim mesmo lá estavam os artistas e críticos chilenos e os diplomatas brasileiros.
Puseram-me no meio dos chilenos para fazer intercâmbio, fizeram-me ser fotografada mostrando os quadros. A receptividade parece ter sido boa, pois compraram-me quase a exposição toda. Lembro-me de Washington, Nova York e todas as outras exposições no Brasil.
O intercâmbio Cultural feito por Fernando e Tiago tem dado excelente resultado. A galeria é simpática e central e ali se reúnem os artistas para bater papo todas as noites de 6 às 8. Brasileiros e chilenos se confraternizam no mesmo ideal comum, trazendo em sua mensagem de arte, toda a aspiração de um povo sensível e humano. Os quadros são trocados entre os artistas e vendidos aos ricos da terra. O intercâmbio traz um laço de amizade entre os povos vizinhos separados pela cordilheira. Os meus ficarão no Chile, entre apreciadores de arte, e outros seguirão rumo a novas terras, carregados pelos diplomatas, que já possuem uma verdadeira galeria ambulante. No próximo mês já serei conhecida em Roma e Beirute, simultaneamente... (Trecho do diário de viagem ao Chile, 1963)
Transcrevo abaixo trechos do “Estatuto do Homem”, de Tiago de Melo:

ESTATUTOS DO HOMEM
(Thiago de Melo - trecho)


Art. 1º
Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas
trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Art. 2º
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Art. 3º
Fica decretado que a partir deste instante
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra,
e que as janelas devem permanecer o dia inteiro
abertas para o verde, onde cresce a esperança.

Art. 4º
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem,
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único
O homem confiará no homem
                                     como um menino no outro menino

*Fotos da internet


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