Da janela eu podia ver a rua. Morava na Avenida
Afonso Pena, numa ladeira com alamedas de fícus bem no centro da rua. Nossa
casa tinha árvores atrás, na rua Santa Rita Durão. As árvores da rua serviam
para as crianças brincarem, quase sempre meninos pobres jogando pedrinhas.
Quase não saíamos de casa, papai tinha medo dos carros que passavam subindo a
avenida. Brincávamos no quintal subindo nas mangueiras que foram plantadas para
também dar sombra e aconchego à família. As mangueiras eram a nossa liberdade
de subir e descer, dar saltos de galho em galho como Tarzan e Jane e ver de
dentro do quintal os meninos brincando lá fora de carrinho de rolimã.
Eram
crianças pobres, mas se divertiam descendo ladeira abaixo naqueles carrinhos
feitos com tábuas velhas e rodinhas de metal. Hoje as rodinhas fazem parte do
nosso dia a dia, crianças usam malas com rodinhas para irem à escola, adultos
conduzem toda a bagagem em cima de rodinhas, nos aeroportos só se vêm rodinhas
e mais rodinhas. Realmente a roda foi a grande invenção. Há rodas de trem, rodas
de máquinas, rodas de carros, rodas de avião.
Naquele momento as rodinhas desciam a ladeira
fazendo barulho, depois subiam carregadas nos braços dos meninos.
“Ser menino leva vantagens”, pensava eu.
Papai nos prendia porque éramos meninas.
“Meninas, mas meninas dos meus olhos”, dizia ele.
Com essas limitações aprendemos a nos divertir
dentro de casa ou no quintal, chupando manga, jabuticaba, romã, brincando de
circo, teatro, marionetes. Fazíamos versinhos como os desafios nordestinos,
caçoando dos mais velhos. Era, de certo modo, a nossa desconstrução de todo
aquele aparato para nos prender.
Fazíamos teatro de sombras, esticando um lençol
velho no porão e usando uma vela para dar movimento às figuras. Aquilo era
também uma forma criativa de conquistar um poder sobre a autoridade repressiva
dos mais velhos.
Tínhamos licença de brincar na rua Santa Rita Durão,
do outro lado da casa, para brincar de roda com os primos que moravam em
frente. Ali podíamos pesquisar no calçamento de pedras, pedacinhos de vidro
colorido, que seriam mais tarde, transformados em caleidoscópios, feitos por
meu irmão Paulo.
15 ANOS
Um temporal caiu sobre Belo Horizonte, justamente no
dia do meu aniversário. Passei minha festa de 15 anos olhando pela janela, a
chuva caindo lá fora. Gotas de água escorriam pela vidraça, pareciam lágrimas.
Eu havia convidado algumas amigas do colégio Sacre
Coeur, mas com a chuva, ninguém compareceu. A enxurrada descia cobrindo o meio
fio, nuvens pretas no céu anunciavam mais chuva. Na sala uma mesa de doces
mostrava as aptidões culinárias de Dona Nair, minha mãe. Ela sabia fazer doces
maravilhosos, cajuzinhos, doce de coco, amor em pedaços, coió.
Os doces amenizaram a minha tristeza, guardamos
alguns para levar no dia seguinte para o colégio.
Este foi o meu aniversário de 15 anos: sem música,
sem valsa, sem festa. A chuva levou meu aniversário.
*Fotos de arquivo e da internet
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ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.
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