sexta-feira, 24 de março de 2017


TERRA MATER, CENTRO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO

Enfim, Bahia! São muitas as bahias, como são muitos os brasis. Esta é a Bahia do Sul, próximo a Porto Seguro. Estamos em Santo Antônio. Um pouco mais ao norte está Santo André, para onde vem atualmente toda a gente de fora, sejam brasileiros ou não.
Há mais de 20 anos estivemos aqui visitando nossos grandes amigos Ildeu e Sibila. Ildeu é primo do Luciano e Sibila é sua esposa. Agora estamos de volta a este paraíso.
Hoje à noite vamos participar de uma roda de fogo numa oca. A lua está cheia e será mais uma vez reverenciada. O grupo se chama Terra Mater e se reúne numa grande oca indígena. Ha poucos meses atrás Ildeu e Sibila nos enviaram fotos mostrando a construção da oca . Em seguida a cerimônia de casamento deles ...

Em torno do fogo, 30 pessoas vestidas de branco estão sentadas em cima de tapetes de palha estendidos sobre a areia. Dentro desta grande oca indígena montada a poucos metros da praia, a cerimônia em homenagem a lua cheia tem inicio. Lá fora a lua homenageada se espalha pelas folhas dos coqueirais, da areia branca e brilha nas águas do mar.
Pablo dirige os trabalhos, voltados para o culto aos antepassados. Tem um sotaque estrangeiro, como muitos outros presentes. Franceses, alemães, argentinos, espanhóis, equatorianos se misturam nesta oca indígena no sul da Bahia. Pablo é argentino e dirige o grupo Terra Mater. Mas o dono deste pedaço de terra, quem doou a oca ao grupo é o psiquiatra mineiro José Roberto Ayres que, por coincidência, morou no Retiro das Pedras onde mora a minha mãe. Mundo pequeno ...
Ao lado de Pablo, um índio pataxó vestido com bonitos adereços de palha e penas, faz orações a Tupã,  Deus supremo. Depois corre a roda segurando um vaso com ervas fumegantes enquanto defuma cada um dos presentes. 
Pablo pede que fiquemos em fila indiana em volta do fogo e que andemos para trás enquanto ele regride no tempo: hoje, ontem, a última semana, o último mês, o último ano. Nos conduz até o nosso nascimento, nossa gestação e nossa concepção. Regride até os primeiros homens e os primeiros seres vivos. Depois nos faz andar para frente caminhando de volta ao tempo presente. Abrindo os braços recebemos os dons que nos farão viver melhor o futuro. 
Depois, enquanto é passado um cachimbo da paz, recebemos um graveto para alimentar o fogo. Com ele serão queimados o que quisermos purificar em nós mesmos. Pablo abriu a palavra para quem tivesse vontade de falar ou cantar. Dei o meu depoimento: pela primeira vez na vida senti a presença do índio em mim. Ele é o meu antepassado, o antepassado do meu povo e é agora quem eu devo reverenciar.

Cantei um trecho da musica "Se eu quiser falar com Deus”. Estamos na Bahia e lembro que o autor é o grande Gilberto Gil, um baiano genial. Depois foram só abraços, sorrisos, acolhimento. Saímos dali leves, abertos para fazer novos amigos.

Entre boas trocas de ideias, falamos do nosso show "Cartas Poéticas " . Resultado : sábado próximo estaremos nesta mesma oca trazendo as cartas para este grupo. (Trecho do diário de viagem de Ivana Andrés) 

*Fotos de arquivo


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segunda-feira, 13 de março de 2017


AULA DE ARTE NA ÍNDIA

 Vinte e cinco meninos nos saúdam quando vamos almoçar no Bhojanasala. São pobres, vestem-se de calças verdes.

“Good morning, madam”. Os dentes muito brancos estão sorrindo, os olhos brilham. Lembro-me do avanço nas bolinhas de gude. Cinquenta mãozinhas pedindo as bolas. Três para cada um. Alguns tiraram cinco, depois devolveram. Fizeram Shiva Dance no domingo, cheio de estrelas, trabalho em conjunto.

Minha filha está ensinando pintura para eles. Fizeram trabalhos lindos. Quem sabe um desses meninos não virá a ser um segundo Krishnamurti? Krishnamurti também foi um deles. Morou aqui, comeu no chão como estas crianças, andou de bicicleta, jogou bolinha de gude, cantou hinos para Ganesh, rezou para Buda, Krishna, Cristo, exatamente como ensinam aqui. A sua aura era tão linda que Anne Besant e Leadbeater o destacaram.

Krishnamurti foi criado em Adyar e a vibração das árvores o protegeu. Agora as crianças cantam também em coro, um deles no meio, batendo o compasso. Dançam. Imaginem, “vocês tem nas mãos as estrelas, vão criar o universo...” Eles fecham os olhinhos concentrados, as mãos cheias de bolinhas de gude. A sala é enorme e o espaço cósmico está sendo preenchido por quinze meninos em círculo. Os outros cantam. Mas, criança reage do mesmo jeito, quer na Índia ou no Brasil.

Quando a última estrela caiu no chão, houve avanço geral. Queriam as bolinhas... Tive de entrar na dança cósmica e distribuir três para cada um.

*Fotos de arquivo e da internet

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quinta-feira, 2 de março de 2017


DARCY RIBEIRO E O “BEIJÓDROMO”

No “Beijódromo” de Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília, estão guardadas as obras de arte que Darcy colecionou e todo o seu acervo de livros. Esse memorial foi construído para ser o guardião da obra do antropólogo que, celebrando os afetos, o batizou. Em carta de março de 1996 ao reitor da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro dizia, sobre o edifício do memorial, que “ uma extensão dele se abre num palco ao ar livre, frente arquibancadas postas numa encosta que servirá para programas de leitura de poesia e de teatro e para serestas, designado como Beijódromo”. Escreve Paulo de F. Ribeiro, presidente da Fundação Darcy Ribeiro - FUNDAR: “É com o desejo de interferir no presente que o Memorial Darcy Ribeiro se afirma. Configurando-se como um novo local para a promoção da cultura e do conhecimento. Um centro cultural apto a receber espetáculos de música, teatro, poesia e exposições. Entre as suas atrações, merecem destaque a Biblioteca Darcy e Berta Ribeiro, especializada em ciências sociais, educação e América Latina, com aproximadamente 30 mil volumes, e o cineclube. As salas de aula do Memorial estão abertas para a discussão de projetos, planos, programas e pesquisas em prol do Brasil e da América Latina, objetos de permanente pesquisa do professor Darcy”.

Releio o roteiro de Darcy, disponibilizado na internet e que ilustra de forma atual a vida dos habitantes de nossas florestas, defensores das matas e dos rios. Os índios e aos astronautas tem muito em comum e nos indicam caminhos diretos para a amplidão cósmica. Os índios inspiraram a arte concreta brasileira e a sua forma simples, geométrica é um exemplo do quanto esse tipo de arte já existia no Brasil, muito antes da chegada dos padrões europeus. O construtivismo está por herança direta, ligado ao Brasil e se manifesta até hoje nas cerâmicas, na arte corporal, nas danças. Pesquisando as origens do traço, da linha, somos conduzidos aos aspectos formais que se manifestaram na arte indígena. Meu caminho nas artes não figurativas esteve ligado involuntariamente a esses nossos antepassados.

Darcy penetrou nas comunidades indígenas, sentiu todo o drama a que foram submetidos, trouxe luz para a resolução de seus problemas. Seus livros são conhecidos pelo mundo afora e me lembro de Ana Pascale, uma intelectual de Roma, que nos recebeu em sua casa: “Conheço o Brasil através dos livros de Darcy Ribeiro”. Hoje suas pesquisas que resultaram no livro “O povo Brasileiro”, estão concentradas em 10 capítulos de vídeos disponibilizados no YouTube, ilustrados com imagens das comunidades.

Por ocasião da inauguração do restaurante do prédio, em Brasília, ganhei de presente um livro que mostra a obra e a construção do Memorial ao antropólogo brasileiro, uma figura de grande repercussão internacional.

Aqui vão trechos do livro sobre o Beijódromo:
João Filgueiras Lima, o Lelé, projetou o prédio e disse: ”Tenho a maior admiração pela arquitetura indígena, que nos legou uma das coisas mais bonitas que há em arquitetura: a cabana comunitária xavante. No meu curso (de tecnologia de construção), a primeira coisa que mostro é como ela era adequada à situação social em que (aqueles índios) viviam. As dimensões, como se protege do calor. A própria tecnologia da construção, que acho algo extremamente inteligente para os materiais rudimentares que utilizava. Graças a Darcy, tive oportunidade de ver todas as etapas da construção da cabana, e estudei aquilo.” Ainda João Filgueiras: “A cabana dos índios possui ventilação, até um shed como esses que utilizo em meus trabalhos. Fazem a cobertura de palha, passando uma por cima da outra, tem uma cumeeira por onde sai o ar quente... Também a forma de curvar as peças e criar uma tensão diferente: os índios usavam peças muito mais finas com a mesma resistência e amarravam nessa cumeeira. É possível identificar ainda o contraventamento... É uma forma de desenvolvimento cultural, tecnológico, que foi se apropriando do uso contínuo, porque a cabana foi repetida durante pelo menos mil anos... No projeto da Fundação Darcy Ribeiro, a grande cobertura teve um sentido um pouco disso, pode-se interpretar tanto como uma nave espacial quanto como uma cabana indígena. Depende da sensibilidade de quem vê. Tem dois apelos: pode ser uma nave espacial pousada, porque é uma coisa leve, muito delicada, e pode ser uma cabana, pela forma.”

Num sábado chuvoso, fomos visitar o “Beijódromo”. O gramado agradecia a chuvinha fina e a construção arquitetônica do memorial se impunha como um momento de reflexão e luz. Sua forma circular faz lembrar uma maloca de índio, aqueles habitantes do Brasil que precederam a chegada dos europeus, mas tinham contato direto com outras dimensões.

Fotos de Maurício Andrés

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