No “Beijódromo” de
Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília, estão guardadas as obras de arte
que Darcy colecionou e todo o seu acervo de livros. Esse memorial foi
construído para ser o guardião da obra do antropólogo que, celebrando os
afetos, o batizou. Em carta de março de 1996 ao reitor da Universidade de
Brasília, Darcy Ribeiro dizia, sobre o edifício do memorial, que “ uma extensão
dele se abre num palco ao ar livre, frente arquibancadas postas numa encosta
que servirá para programas de leitura de poesia e de teatro e para serestas,
designado como Beijódromo”. Escreve Paulo de F. Ribeiro, presidente da Fundação
Darcy Ribeiro - FUNDAR: “É com o desejo de interferir no presente que o
Memorial Darcy Ribeiro se afirma. Configurando-se como um novo local para a
promoção da cultura e do conhecimento. Um centro cultural apto a receber
espetáculos de música, teatro, poesia e exposições. Entre as suas atrações,
merecem destaque a Biblioteca Darcy e Berta Ribeiro, especializada em ciências
sociais, educação e América Latina, com aproximadamente 30 mil volumes, e o
cineclube. As salas de aula do Memorial estão abertas para a discussão de
projetos, planos, programas e pesquisas em prol do Brasil e da América Latina,
objetos de permanente pesquisa do professor Darcy”.
Releio o roteiro de
Darcy, disponibilizado na internet e que ilustra de forma atual a vida dos
habitantes de nossas florestas, defensores das matas e dos rios. Os índios e
aos astronautas tem muito em comum e nos indicam caminhos diretos para a
amplidão cósmica. Os índios inspiraram a arte concreta brasileira e a sua forma
simples, geométrica é um exemplo do quanto esse tipo de arte já existia no
Brasil, muito antes da chegada dos padrões europeus. O construtivismo está por
herança direta, ligado ao Brasil e se manifesta até hoje nas cerâmicas, na arte
corporal, nas danças. Pesquisando as origens do traço, da linha, somos
conduzidos aos aspectos formais que se manifestaram na arte indígena. Meu
caminho nas artes não figurativas esteve ligado involuntariamente a esses
nossos antepassados.
Darcy penetrou nas
comunidades indígenas, sentiu todo o drama a que foram submetidos, trouxe luz
para a resolução de seus problemas. Seus livros são conhecidos pelo mundo afora
e me lembro de Ana Pascale, uma intelectual de Roma, que nos recebeu em sua
casa: “Conheço o Brasil através dos livros de Darcy Ribeiro”. Hoje suas
pesquisas que resultaram no livro “O povo Brasileiro”, estão concentradas em 10
capítulos de vídeos disponibilizados no YouTube, ilustrados com imagens das
comunidades.
Por ocasião da
inauguração do restaurante do prédio, em Brasília, ganhei de presente um livro
que mostra a obra e a construção do Memorial ao antropólogo brasileiro, uma
figura de grande repercussão internacional.
João Filgueiras Lima, o
Lelé, projetou o prédio e disse: ”Tenho a maior admiração pela arquitetura
indígena, que nos legou uma das coisas mais bonitas que há em arquitetura: a
cabana comunitária xavante. No meu curso (de tecnologia de construção), a
primeira coisa que mostro é como ela era adequada à situação social em que
(aqueles índios) viviam. As dimensões, como se protege do calor. A própria
tecnologia da construção, que acho algo extremamente inteligente para os
materiais rudimentares que utilizava. Graças a Darcy, tive oportunidade de ver
todas as etapas da construção da cabana, e estudei aquilo.” Ainda João Filgueiras:
“A cabana dos índios possui ventilação, até um shed como esses que utilizo em
meus trabalhos. Fazem a cobertura de palha, passando uma por cima da outra, tem
uma cumeeira por onde sai o ar quente... Também a forma de curvar as peças e
criar uma tensão diferente: os índios usavam peças muito mais finas com a mesma
resistência e amarravam nessa cumeeira. É possível identificar ainda o
contraventamento... É uma forma de desenvolvimento cultural, tecnológico, que
foi se apropriando do uso contínuo, porque a cabana foi repetida durante pelo
menos mil anos... No projeto da Fundação Darcy Ribeiro, a grande cobertura teve
um sentido um pouco disso, pode-se interpretar tanto como uma nave espacial
quanto como uma cabana indígena. Depende da sensibilidade de quem vê. Tem dois
apelos: pode ser uma nave espacial pousada, porque é uma coisa leve, muito
delicada, e pode ser uma cabana, pela forma.”
Num sábado chuvoso,
fomos visitar o “Beijódromo”. O gramado agradecia a chuvinha fina e a
construção arquitetônica do memorial se impunha como um momento de reflexão e
luz. Sua forma circular faz lembrar uma maloca de índio, aqueles habitantes do
Brasil que precederam a chegada dos europeus, mas tinham contato direto com outras
dimensões.
Fotos de Maurício
Andrés
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