quinta-feira, 2 de março de 2017

DARCY RIBEIRO E O “BEIJÓDROMO”

No “Beijódromo” de Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília, estão guardadas as obras de arte que Darcy colecionou e todo o seu acervo de livros. Esse memorial foi construído para ser o guardião da obra do antropólogo que, celebrando os afetos, o batizou. Em carta de março de 1996 ao reitor da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro dizia, sobre o edifício do memorial, que “ uma extensão dele se abre num palco ao ar livre, frente arquibancadas postas numa encosta que servirá para programas de leitura de poesia e de teatro e para serestas, designado como Beijódromo”. Escreve Paulo de F. Ribeiro, presidente da Fundação Darcy Ribeiro - FUNDAR: “É com o desejo de interferir no presente que o Memorial Darcy Ribeiro se afirma. Configurando-se como um novo local para a promoção da cultura e do conhecimento. Um centro cultural apto a receber espetáculos de música, teatro, poesia e exposições. Entre as suas atrações, merecem destaque a Biblioteca Darcy e Berta Ribeiro, especializada em ciências sociais, educação e América Latina, com aproximadamente 30 mil volumes, e o cineclube. As salas de aula do Memorial estão abertas para a discussão de projetos, planos, programas e pesquisas em prol do Brasil e da América Latina, objetos de permanente pesquisa do professor Darcy”.

Releio o roteiro de Darcy, disponibilizado na internet e que ilustra de forma atual a vida dos habitantes de nossas florestas, defensores das matas e dos rios. Os índios e aos astronautas tem muito em comum e nos indicam caminhos diretos para a amplidão cósmica. Os índios inspiraram a arte concreta brasileira e a sua forma simples, geométrica é um exemplo do quanto esse tipo de arte já existia no Brasil, muito antes da chegada dos padrões europeus. O construtivismo está por herança direta, ligado ao Brasil e se manifesta até hoje nas cerâmicas, na arte corporal, nas danças. Pesquisando as origens do traço, da linha, somos conduzidos aos aspectos formais que se manifestaram na arte indígena. Meu caminho nas artes não figurativas esteve ligado involuntariamente a esses nossos antepassados.

Darcy penetrou nas comunidades indígenas, sentiu todo o drama a que foram submetidos, trouxe luz para a resolução de seus problemas. Seus livros são conhecidos pelo mundo afora e me lembro de Ana Pascale, uma intelectual de Roma, que nos recebeu em sua casa: “Conheço o Brasil através dos livros de Darcy Ribeiro”. Hoje suas pesquisas que resultaram no livro “O povo Brasileiro”, estão concentradas em 10 capítulos de vídeos disponibilizados no YouTube, ilustrados com imagens das comunidades.

Por ocasião da inauguração do restaurante do prédio, em Brasília, ganhei de presente um livro que mostra a obra e a construção do Memorial ao antropólogo brasileiro, uma figura de grande repercussão internacional.

Aqui vão trechos do livro sobre o Beijódromo:
João Filgueiras Lima, o Lelé, projetou o prédio e disse: ”Tenho a maior admiração pela arquitetura indígena, que nos legou uma das coisas mais bonitas que há em arquitetura: a cabana comunitária xavante. No meu curso (de tecnologia de construção), a primeira coisa que mostro é como ela era adequada à situação social em que (aqueles índios) viviam. As dimensões, como se protege do calor. A própria tecnologia da construção, que acho algo extremamente inteligente para os materiais rudimentares que utilizava. Graças a Darcy, tive oportunidade de ver todas as etapas da construção da cabana, e estudei aquilo.” Ainda João Filgueiras: “A cabana dos índios possui ventilação, até um shed como esses que utilizo em meus trabalhos. Fazem a cobertura de palha, passando uma por cima da outra, tem uma cumeeira por onde sai o ar quente... Também a forma de curvar as peças e criar uma tensão diferente: os índios usavam peças muito mais finas com a mesma resistência e amarravam nessa cumeeira. É possível identificar ainda o contraventamento... É uma forma de desenvolvimento cultural, tecnológico, que foi se apropriando do uso contínuo, porque a cabana foi repetida durante pelo menos mil anos... No projeto da Fundação Darcy Ribeiro, a grande cobertura teve um sentido um pouco disso, pode-se interpretar tanto como uma nave espacial quanto como uma cabana indígena. Depende da sensibilidade de quem vê. Tem dois apelos: pode ser uma nave espacial pousada, porque é uma coisa leve, muito delicada, e pode ser uma cabana, pela forma.”

Num sábado chuvoso, fomos visitar o “Beijódromo”. O gramado agradecia a chuvinha fina e a construção arquitetônica do memorial se impunha como um momento de reflexão e luz. Sua forma circular faz lembrar uma maloca de índio, aqueles habitantes do Brasil que precederam a chegada dos europeus, mas tinham contato direto com outras dimensões.

Fotos de Maurício Andrés

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