segunda-feira, 27 de julho de 2020

UMA CARTA PARA ALICE


 Querida neta Alice,

Por volta de 1952 passei uma temporada na fazenda, em quarentena, motivada por uma doença de seu tio avô Roberto.

Toda a família Andrés se deslocou para minha casa em Belo Horizonte, onde ele estava hospedado. Fui aconselhada a me afastar com as crianças, meus três filhos maiores Marília, Mauricio e Ivana. Permaneci na roça por muitos meses, em companhia de seu bisavô Artur, que era uma pessoa muito educada.

As crianças aproveitaram todas as alegrias da fazenda, exatamente como as suas filhas estão aproveitando hoje. E eu aproveitei também para desenhar paisagens, aquarelas e realizei a série de "boizinhos".

Seu bisavô Artur me presenteou com um banquinho que me possibilitava fazer minhas aquarelas nas caminhadas pelos morros. Todas as cenas da vida rural, a casa da fazenda, os boizinhos, os carros de bois, os cavalos no curral, os trabalhadores, os sacos de milho, o feijão espalhado no chão, as crianças brincando no quintal eram motivações para meus desenhos e pinturas. Tive a oportunidade de assistir, naquela ocasião, a um casamento na roça, que o noivo chegava a cavalo. A casa da noiva foi preparada com guirlandas de flores no portão e longas mesas, onde serviam doce de leite, arroz doce e pé de moleque.  Galos e galinhas circulavam entre os convidados que dançavam ao som da sanfona e da gaita. Esse cenário se transformou num quadro intitulado Casamento na Roça que circulou pelos salões de arte de Belo Horizonte.

Quando íamos para a cidade ficávamos no casarão em frente à Igreja. Da minha janela eu desenhava cenas de rua, uma mudança com os móveis amarrados no cavalo, as mulheres conversando em frente à Igreja, as procissões, o sino da Igreja tocando. Dentro de casa eu desenhava a sala de jantar com os móveis antigos, um relógio em frente ao portão, o fogão de lenha e as cozinheiras fazendo doce de leite e goiabada no tacho.

Todas essas cenas foram produzidas durante aquele isolamento, forçado por circunstâncias da vida. Aprendi a superar as dificuldades com a ajuda da arte. Descobri, desde aquela época, a poética do cotidiano.

Hoje, os desenhos de linha contínua, iniciados naquela época, estão se transformando em esculturas gigantes instaladas no jardim de esculturas, no Retiro das Pedras.

Adorei saber que as minhas bisnetas estão curtindo a fazenda como os meus filhos e os meus netos curtiram.

Um abraço para você, Paulo, Cora e Cecilia,
da avó Helena

*Fotos de arquivo

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