terça-feira, 4 de outubro de 2022

MHA, CENTENÁRIA DE IPAD II

 


 Segue abaixo a continuação do artigo do meu neto Roberto Andrés, publicado na Revista Piauí, que homenageia, de forma afetiva e lúdica o meu centenário, ocorrido em 2 de agosto. Desse artigo selecionei alguns trechos.

 

“Numa tarde de outono de 2022, encontrei minha avó na varanda de sua casa na fazenda, onde ela tem um ateliê. Vendo minha filha montada num cavalo, ela se lembrou de um caso antigo, e de súbito passou a narrar um episódio que acontecera nada menos do que oito décadas antes. A viagem no tempo era salpicada por detalhes dos mais diversos. Em resumo, na primeira vez que foi à fazenda onde residiam os pais de seu noivo, Maria Helena caiu do cavalo. Por culpa de um arreio mal apertado, ela virou assunto na sua primeira incursão na região.


O noivado sobreviveu ao tombo, mas quase sucumbiu por outro motivo. Quando começavam a planejar o casamento, o noivo foi chamado para lutar na Segunda Guerra Mundial. O ano era 1945, e meu avô, Luiz Andrés Ribeiro de Oliveira, era ainda um estudante de medicina. Embarcou num trem para Juiz de Fora, de onde seguiria para o Rio de Janeiro, e então para a Itália. Na despedida, na estação de trem, a noiva era consolada por familiares. O clima era de luto.


O treinamento de sua turma de pracinhas e o embarque demoraram, e a guerra acabou antes que o navio partisse para a Europa. Os rapazes voltaram então para suas casas. Meu avô aportou de volta na mesma estação de trem da qual partira alguns meses antes. Dois anos depois, Luiz e Maria Helena se casaram. Ela, que se chamava Maria Helena Sales Coelho, incorporou o Andrés a seu nome – e com ele passaria a ser conhecida, nas décadas seguintes, por seu trabalho artístico.

 

Quando estavam de saída para a viagem de lua de mel, Maria Helena reparou que o marido carregava uma mala cheia de livros. Foi assim que descobriu que ele planejava aproveitar a viagem para estudar para um concurso. Ela não hesitou: pegou seu material de trabalho e montou uma mala extra. A lua de mel foi permeada por literatura médica, telas, tintas e pincéis. 


Esse foi o modus operandi do casal nas décadas seguintes. Além de cuidar dos filhos, um estudava, atendia pacientes e dava aulas; a outra pintava e desenhava – e, em breve, começaria a viajar. Ela conta que o marido a apoiava, dizendo que “artista tem que viajar, se não fica provinciano”. Durante essas viagens, sua sogra vinha do interior para ajudar a cuidar das crianças, e aproveitava para cerzir meias que estavam furadas. Maria Helena não era uma dona de casa padrão para o período. Talvez por isso tenha sido uma artista brilhante.


Nos anos 1950, participou das primeiras bienais de São Paulo, em que teve contato com as tendências construtivistas que vinham da Europa. A artista iniciou então uma transição em seu trabalho, abandonando gradativamente as formas figurativas e aderindo à geometria abstrata. A transição entre essas duas fases possui exemplares preciosos – desenhos da via sacra ou de cenas da vida rural, em que a linha vai se libertando da representação e buscando a essência da forma. Muitos desses desenhos eram feitos em papel alaranjado que o marido trazia das salas de radiografia, e que a artista trabalhava nos momentos de folga dos cuidados com as crianças.


  

Assim ela aderiu ao grupo concretista mineiro, junto a artistas como Mário Silésio, Marília Giannetti e Mary Vieira. Amílcar de Castro, que fora seu colega na Escola Guignard, havia se mudado para o Rio de Janeiro. Na produção concretista de Maria Helena destacaram-se as “cidades iluminadas”, pinturas feitas com extremo rigor e precisão formal que evocavam linhas de edifícios, luzes, ruas, mas também balões de festas de São João e papagaios. Quadros desse período integram coleções internacionais e acervos como o do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e o  Museu Nacional de Belas Artes.” (Roberto Andrés)

 FOTOS DE ARQUIVO

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