quarta-feira, 20 de outubro de 2010

MEMÓRIAS DO RIO

Papai era advogado e também político. Das memórias de infância ficaram as reuniões de família em torno de uma mesa enorme na sala de jantar. Durante as campanhas políticas chegavam à nossa casa os tios avós da família Coelho, vindos de Virginópolis, Serro e Guanhães. As crianças ajudavam colando selos nas cartas, que podiam se transformar em votos.
Casa de político é uma casa movimentada, um entre e sai sem fim. Papai foi presidente da Câmara dos deputados, ia às festas do Palácio levando mamãe com roupas maravilhosas que mais tarde se transformavam em vestimentas de fadas e rainhas nos teatrinhos das crianças.

Na década de 30 mudamos para o Rio de Janeiro, quando papai foi eleito deputado federal. Éramos 4 crianças naquela época, e os 3 mais velhos teriam de freqüentar escolas. Fomos colocados num grupo escolar perto da casa em que morávamos em Botafogo. As professoras tinham o maior carinho conosco, mas os colegas nos criticavam o tempo todo. Eu chorava para não ir à aula, me sentia discriminada e a saída para conseguir escapar daquele grupo foi assustar papai dizendo que um colega ao meu lado cuspia sangue. Na dúvida se seria tuberculose ou hemorragia dentária, conseguimos sair daquela escola e ir para outra, particular.

Lembro-me das manhãs de sol em Copacabana, quando fazíamos castelos de areia na praia com outras crianças. Íamos acompanhadas de um tio que nos deixava fazendo castelos e ia nadar no mar. Um dia, o tio quase afogou, foi transportado pelos banhistas e levado para o posto até se recuperar. As outras crianças discutiam se era o nosso tio ou o tio delas que estava sendo transportado. Naquele dia demoramos a chegar em casa.
Meu avô sofria do coração e ficava dentro do carro, lendo jornal. Precisava respirar o ar do mar, pois naquele tempo ainda não tinham descoberto que os velhos deviam caminhar. Eles passeavam de carro, mas não andavam.
Lembro-me do susto que passei em meu avô e do castigo que recebi depois. Na volta para casa, atravessei correndo a avenida Atlântica e cheguei triunfante até o carro. Nunca me esquecerei do grito do meu avô, ao ver um ônibus freando bem na minha frente. Lembro-me do susto, da freada do ônibus e do castigo de ficar 15 dias sem ir à praia. Para retornar, tive de pedir desculpas ao avô, prometendo que nunca mais correria sozinha, à frente das outras crianças.

Todas as manhãs levantávamos cedo para tomar leite fresquinho ordenhado num estábulo situado no final da rua Visconde Silva onde morávamos. Imagina só, um curral de vacas leiteiras em pleno Botafogo!

A casa dava para a rua e, quando nossos pais saiam, ficávamos na janela fazendo “concurso de cuspe”. A aposta era ver qual cuspe chegava mais rápido na calçada. Tivemos que suspender o concurso quando um cuspe atingiu a careca de um pedestre. O homem queria entrar na casa para nos dar uma surra! Escondemos debaixo da cama, enquanto Sebastiana, a empregada portuguesa nos defendia no portão: “São crianças, são crianças...”

Todas as tardes mamãe saía com tia Lilita para lanchar na Confeitaria Colombo, no centro do Rio. As crianças que tivessem melhor procedimento poderiam acompanhá-las. Até hoje me lembro dos deliciosos doces da Colombo.

Durante a Revolução de 30, a família saiu às escondidas para a casa do meu avô, onde teríamos uma proteção maior, desde que papai era contra o regime de Getúlio e estávamos ameaçados. Getúlio fechou o Congresso e tivemos que voltar para Belo Horizonte.

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