terça-feira, 12 de outubro de 2010

MOÇA FANTASMA E VACA GRIPADA

Uma drogaria na Avenida Getúlio Vargas em BH, antiga Avenida Paraúna, tem uma vaca no meio do jardim, uma vaca resfriada, com um cobertor de lã sobre o lombo e um termômetro na boca. As vacas desfilaram pelo mundo na Cow Parade e esta veio estacionar frente a esta farmácia para talvez se curar da gripe suína, ou da próxima gripe bovina. No Rio, uma delas resolveu ler os poemas de Drummond em Copacabana. Pessoas criativas existem pelo mundo a fora e aparecem quando têm oportunidade. Recentemente recebi um vídeo de um seguidor do meu blog, mostrando uma escola de arte onde crianças pintavam a vaquinha em arte coletiva. A vaca é um animal sereno, dá tranqüilidade. Na Índia elas trafegam pelas ruas, misturam-se com o povo. Aqui as pessoas chegam, sentam-se em frente à vaca.     Tudo respira paz. Dentro da farmácia, lá no fundo existe um café onde fico em silencio, olhando o sol entrar pela vidraça. “Porque será que eu gosto tanto deste lugar?”A resposta me veio de repente. Antigamente aqui existia uma casa cercada de jardins, coberta de uma era verde, estilo normando. A casa era grande, com uma escadaria de madeira, que fazia barulho quando a gente subia ou escorregava pelo corrimão. Minha imaginação de criança subia as escadas devagarinho, procurando desvendar o mistério de uma água furtada, onde deveriam estar guardados os brinquedos de Natal. Naquela casa moravam meus tios, que ofereciam generosamente a sua piscina a todas as crianças, sobrinhos e primos.Aprendi a nadar naquela piscina, meu tio comandava e estimulava a turma. Durante o carnaval, vestidas de fantasias de papel crepon, mergulhávamos na piscina azul, transparente, e ficávamos olhando os papéis coloridos desmanchando-se na água. Não sei quem limpava a piscina no dia seguinte, mas devia dar trabalho!Só me lembro de coisas boas da infância neste lugar privilegiado, que já foi residência familiar, loja de tapetes, depois sede de companhia aérea, agora farmácia. Meus tios mudaram-se para o Rio e a piscina foi desconstruida. Mas ficou famosa na história de BH, porque um jornal da época noticiou que a moça fantasma ali nadava de madrugada. Eu nunca vi fantasma nadar em piscina, mas assim mesmo morria de medo...
Carlos Drummond escreveu um poema sobre a moça fantasma, do qual transcrevo um pequeno trecho:
“Eu sou a Moça-Fantasma
que espera na Rua do Chumbo
o carro da madrugada.
Eu sou branca e longa e fria,
a minha carne é um suspiro
na madrugada da serra.
Eu sou a Moça-Fantasma. O meu nome era Maria,
Maria-Que-Morreu-Antes.(...)

Agora estou consolada,
disse tudo que queria,
subirei àquela nuvem,
serei lâmina gelada,
cintilarei sobre os homens
meu reflexo na piscina da Avenida Paraúna.”
Outras coisas aconteceram neste lugar privilegiado. Ali pintei um painel todo em tons de rosas e verdes, bem suaves, como a dança que ele representava. Minha prima Vera Lucia era dançarina e posou para mim como modelo.   O painel ainda existe, está comigo no Retiro, como recordação de todas as vivências da infância e juventude.

*Fotos de Maria Helena Andrés e internet

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