quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

MARÍLIA GIANNETTI, COLEGA E AMIGA

Marília Giannetti Torres, grande artista e colega acaba de falecer no Rio de Janeiro. Quando desliguei o telefone, comecei a rememorar nossa trajetória no caminho das artes de Minas Gerais. Relembro fatos históricos como a criação da Escola de Belas Artes Guignard no Parque Muncicipal e um bando de jovens acompanhando o mestre pelas alamedas do parque. Ali também se reuniam os estudantes de filosofia, que se tornaram nossos amigos. Debaixo daquelas árvores trocávamos idéias, fazíamos amizade com a turma, desenhávamos.
Juntas iniciamos nossa carreira com uma exposição na Cultura Francesa de Belo Horizonte em 1947. Ao mesmo tempo organizamos também nossa família, nossos filhos têm quase a mesma idade.
Marília morava numa casa em estilo moderno projetada pelo arquiteto Sylvio de Vasconcelos. Ali nos reuníamos para realizar nossos quadros e promover mudanças no estilo de arte que recebemos de Guignard. A primeira Bienal sacudiu os alicerces da arte figurativa e nós, como jovens artistas percebemos um caminho novo que se abria diante de nós. Havia uma energia propulsora que nos conduzia às mudanças, à busca de um vocabulário novo. Pertencíamos à vanguarda da época e era preciso expressar em cores a nossa colocação no Construtivismo Brasileiro. São Paulo abria espaços para os artistas e foi em São Paulo que atuamos juntas nas primeiras Bienais. O atelier de Marília era freqüentado por críticos de arte, alguns vindos de São Paulo, e o próprio Guignard sugeriu que formássemos um grupo de artistas herdeiros de seus ensinamentos. Seus ensinamentos eram preciosos, mas seu estilo teria de ser abandonado. Trabalhávamos lado a lado, formando o grupo de concretistas de Minas Gerais, já completamente diferentes do estilo Guignard. Marília, Mário Silesio, Nely Frade e eu continuamos pesquisando o suporte em telas. Amílcar, Mary Vieira e Frans Weissman se dirigiram para a terceira dimensão, tornando-se grandes escultores. Nós continuamos na pintura, deixando nossas obras principais nas mãos de grandes colecionadores de Minas, Rio e São Paulo. Passaram-se 10 anos de pesquisa incessante dentro do concretismo. Na década de 60 quase todos os concretistas tomaram caminhos diversos.
Foi nesta ocasião que Marília descobriu uma técnica própria de pintura em relevo. Mudou-se para o Rio de Janeiro e ali, numa atelier situado na Av Copacabana, 10° andar,ela expandiu seus grandes painéis em relevo. Os quadros eram pesadíssimos e às vezes desciam de guindaste, tumultuando o trânsito da Avenida. Em 1967 expusemos juntas em Paris e Roma, ela com os painéis em relevo e eu com a minha fase de guerra. Lembro-me daquela viagem que se estendeu também para a Itália, onde inauguramos o Centro Cultural do Brasil em Roma. Em Paris expusemos na Galerie Valerie Schmidt, na rue Mazzerine, com grande sucesso. Marília subscritou convites para todos os brasileiros, que ali compareceram para nos cumprimentar. Em Roma ficamos hospedadas na Embaixada do Brasil.Tínhamos de subir muitas escadas para chegar até nossos apartamentos localizados num departamento destinado ao batalhão de Suez, naquela época desativado. O secretário da embaixada nos advertiu: “Vocês tomem cuidado, não andem pelos corredores à noite, pois o fantasma de uma mulher costuma aparecer por esses corredores.” Lembro-me de que ficamos doidas para ver o fantasma, mas ele nunca apareceu. Devia ser brincadeira do secretário...
Em Roma ficamos conhecendo Deoclécio Redig de Campos, embaixador junto ao Vaticano. Deoclécio era irmão de Olavo, casado com minha prima Maria Letícia. Com uma carta de apresentação chegamos até ele e pudemos visitar departamentos do vaticano fechados para o público. Vimos a restauração de um painel de Rafael pintado sobre um afresco de Piero de la Francesca. Assistimos ao processo de retirada da obra de Rafael, colocada em partículas sobre uma grande mesa, para depois de muita documentação fotográfica, voltar ao lugar de origem. Foi uma aula importante e inesquecível.
Marília já expusera em 1964 na Galeria d’Arte della “Casa do Brasil” e em catálogo consta observações de críticos italianos.

A arte de Marília continua viva, como suas “superfícies vivas”, e a sua memória ficará na lembrança de todos aqueles que a conheceram de perto.

*Fotos da internet e de Ricardo Giannetti

Um comentário:

  1. parabens pelo belo texto e homenagem, infelizmente mais uma artista de talento surpreendente mas que não obteve sua merecida visibilidade e acesso dos outros em sua obra. obrigado, conrado mesquita.

    conrado_mesquita@hotmail.com

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