sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

PORTINARI,VISTO POR DOIS IRMÃOS

Portinari, amigo pessoal de Guignard, recebia com o maior carinho os seus alunos e foi por meio dessa amizade que pude acompanhar de perto a elaboração dos painéis mais famosos de toda a sua carreira artística: os afrescos da Igreja da Pampulha e os dois painéis “Guerra e Paz” pintados para a sede da ONU em Nova Iorque.

Aprendi muito com o mestre. Freqüentava aquele ateliê no porão de uma casa antiga em Cosme Velho e ali o via pintar os retirantes e toda a série trágica do nordeste brasileiro.
Assisti Portinari pintar “Guerra e Paz” , dois grandes painéis monumentais. Guerra e Paz foi pintado num prédio em construção no bairro de Botafogo, cedido ao mestre para realizar com maior facilidade o seu trabalho que exigia mais espaço. Fui ao Rio especialmente para vê-lo pintar.
Meu irmão mais novo de 12 anos estava interno no colégio Santo Antonio de Niterói. Fui buscá-lo para ver o mestre pintar. “Fique sabendo que isso é um privilégio imperdível”.
Ficamos horas observando Portinari pintar. Ele teria de subir andaimes para alcançar os pontos mais altos, subia e descia com agilidade.
Foi naquela ocasião que o meu irmão resolveu dar uma de crítico de arte e comentou que não gostava do amarelo, ali naquele determinado lugar.
Portinari olhou para trás, viu o menino e não comentou o fato, apenas perguntou: “O senhor por acaso é pintor?”
Aquele palpite inconveniente me fez remeter o jovem irmão para a casa de tio Enio, em Copacabana.

Depoimento Luiz de Salles Coelho, irmão de Maria Helena

Portinari vinha do Rio acompanhado de sua equipe de artistas. Portinari subia em escadas para pintar, ajudado sempre por seu irmão Leo.
 Lembro-me da Escola de Belas Artes no parque e do filho de Portinari, que tinha um pouco menos que a minha idade, e brincamos juntos naquela visita que fizemos à Igreja da Pampulha. Hoje vejo que se tornou importante matemático, e PhD pelo MIT. Além de professor, o João Cândido Portinari - este o seu nome - encarregou-se de organizar e tomar conta da memória e obras do pai. É o presidente do “Projeto Portinari”. Há poucos dias apareceu na mídia participando de uma importante iniciativa e que vale a pena comentar. Portinari havia sido convidado pelo Governo brasileiro para pintar o painel Guerra e Paz, que o Brasil ofereceria à ONU para ser colocado na entrada de sua sede em Nova York. Juscelino, presidente e incentivador das artes e artistas ficou sabendo que Portinari não seria convidado para a inauguração do painel duplo em NY, por ser comunista. Não pensou duas vezes. Mandou montar o painel no Theatro Municipal do Rio, para que seu autor e o público o pudessem admirar em um ambiente digno. Fica aqui um apelo e sugestão ao João Cândido. Numa homenagem a JK, por que não culminar trazendo-o também para BH? Lugares e patrocínio não hão de faltar para esta exposição aos mineiros: Museu da Pampulha, Palácio da Liberdade, Palácio das Artes, Casa FIAT da Cultura, e até mesmo Inhotim...

*Fotos : Tasso Marcelo/AE e internet


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

NATAL, ONTEM E HOJE

Natal década de 40

 “Mamãe gostava de festejar o Natal com um presépio feito em casa, musgo colhido nos morros de BH e um gramado plantado por ela com antecedência em formas de alumínio ou latas de goiabada. No dia do Natal o capim já estava verdinho, para homenagear Jesus. Numa dessas celebrações natalinas, meu irmão Luiz quebrou a cabeça de São José e não contou nada para ninguém. Ficou caladinho. À noite, quando todos dormiam, ele acordou chorando: “estou vendo uma estrela voando, será que foi porque quebrei a cabeça de São José?
A estrela era um simples vagalume, mas o autor do mal feito apareceu...” (depoimento de Maria Regina)

Natal 2010, Praça da Liberdade

A praça é o encontro do povo da cidade e as luzes vindas da China, dão uma visão feérica, como os contos orientais das mil e uma noites.
Agora vejo brilhar 1001 luzes e vou refletindo sobre as diferenças e contrastes do que foi o Natal no passado e o que é o Natal no presente. Relembro os presépios feitos em casa e o estímulo que meus pais nos davam para realizar com as próprias mãos uma pequena homenagem à Jesus de Nazaré. Lourdes relembrou o pequeno presépio de papel, armado com figuras do jornalzinho Tico-tico que líamos todas as semanas. Além desse presépio  pequenino, escondido em seu quarto, num cantinho da estante, havia outro, também feito em casa, com musgos e cartolina recoberta de malacaché. O principal era homenagear o nascimento de Jesus. A principal figura era o menino Jesus, hoje ela se transformou em Papai Noel. Ninguém lembra mais do menino Deus, nascido numa gruta em Belém, nem da luz que ele trouxe para o mundo. O velho Papai Noel, importado da Europa ocupou o lugar do menino Jesus no coração das crianças. Papai Noel, por alguns chamado de São Nicolau, é uma figura lendária que surgiu na Europa, nas montanhas geladas da Rússia. Era um velhinho pobre, que distribuía presentes para crianças pobres no dia de Natal. Hoje o Papai Noel incentiva o consumo, a compra de presentes nos “Shopping Centers” de todas as cidades do mundo. Chega vestido de vermelho, gorro vermelho e botas, lembrando, em meio ao calor dos trópicos, o frio e o gelo da Europa e dos EUA. O Luciano Luppi, que já se vestiu de Papai Noel várias vezes, me contou que a roupa vermelha foi introduzida pela Coca Cola...

O menino Jesus está ficando esquecido e a celebração natalina cada vez mais se torna uma festa pagã, com vinhos, castanhas, nozes, acompanhadas de bandejas de peru, lombo de porco e leitão.
A troca de presentes chega a ser cansativa, quase obrigatória.

Mas existem pessoas que ainda fazem presépios.
Um dos presépios mais bonitos e que ainda existe, fazendo a ponte entre o passado e o presente é, sem dúvida,  o Presépio do Pipiripau, hoje colocado no Museu de História Natural de BH. Durante toda a sua vida, Raimundo Machado, funcionário da Imprensa Oficial, construiu este presépio que é um verdadeiro cenário, com as principais passagens da vida de Cristo. Este presépio, que foi a alegria das crianças do meu tempo, continua trazendo a história de Jesus, feita com bonecos movimentados, pastores, reis magos, templos, cidades, vaquinhas e carneirinhos, riachos e fontes, tudo em movimento, num grande espetáculo de luzes e cores.

*Fotos: Adriana Moura e Maria Helena Andrés





quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

CASAMENTO DE CHICA E MARCELO E DEPOIMENTO DE MARIA REGINA


O Rio de Janeiro continua lindo...

Tudo em paz, apesar da guerra anunciada pelos jornais e emissoras. A bandeira do Brasil e do Rio foi hasteada no alto do complexo do Alemão, acuando os traficantes. Conseguimos chegar normalmente do Galeão até o Leblon, com trânsito aberto, sem aglomerações. Viemos para o casamento de Francisca, filha do Pedro e Eugênia. Casa-se com Marcelo,seu noivo, com quem já vivia há 8 anos.
Com isto eles tiveram mais tempo para se conhecerem e construírem as bases de um casamento mais sólido.
O casamento foi celebrado com a maior originalidade, debaixo das árvores de uma casa de eventos em Botafogo.Parecia um quadro de Boticelli, com pétalas espalhadas pelo chão. Foi comovente o desfile de crianças com flores na cabeça e as palavras de amor que os noivos leram na hora da solenidade.
Nos aloés de uma casa antiga, datada de 1886, houve festa até altas horas da noite. Todo mundo dançou, inclusive eu.
No dia seguinte fui visitar meus bisnetos, filhos de Luiz e Nádia, cada um mais lindo do que o outro. Relembramos a festa, o buquê da noiva, amarrada no lustre de cristal e a filha do Evandro montada nos ombros do Mauro, tentando desembaraçar o buquê. Conseguiu mas não ficou com ele, as moças reclamaram, pois ela era muito pequena para casar. Quem ganha o buquê é a primeira a casar.

Agora, sentada na varanda do apartamento de Maria Regina, aproveito para recordar seu passado em Belo Horizonte.
Muita coisa aconteceu com esta minha irmã mais jovem, que na realidade poderia até ser minha filha. Lembro-me de Maria Regina pequenininha, cabelo todo cacheado, vestida como uma boneca. Eu e Lourdes passeávamos com ela de carrinho, por Belo Horizonte.
Maria Regina conheceu Azulino, seu marido, num passeio de ônibus no Rio de Janeiro. Os dois se conheceram por acaso e o destino se encarregou de programar uma nova história para eles.
Agora, relembramos os dias em Belo Horizonte, anteriores ao seu casamento.
Segue um depoimento de Maria Regina:
“Morávamos na rua Santa Rita Durão esquina com Ceará. De nossa cozinha podíamos ver os fundos da casa onde morava a D. Naná, irmã de Juscelino Kubitchek. Eram os dois irmãos, Naná e Nonô. Ali o movimento era grande quando JK chegava em Belo Horizonte.
O portão da garagem da casa dava para a rua Ceará, onde eu passeava de bicicleta. D. Júlia, mãe de Juscelino ficava no portão, tomando conta das crianças. Dava palpites: “Fala com sua mãe para mandar cortar a sua franja, porque ela está impedindo você de enxergar, deste jeito você pode cair da bicicleta.”
Com estas observações ela se tornou nossa amiga.
Um dia a casa ganhou grande animação. Juscelino era o novo presidente do Brasil e Belo Horizonte se levantou para homenageá-lo.
Houve uma carreata até a praça da Estação e fomos convidados a subir no carro, de capota aberta, era impossível recusar. Entusiasmada, subi no carro com todos os políticos para cantar junto com eles:
“Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria.
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua
Sem a tua
Sem a tua companhia...”

Maria Regina continua seu depoimento:
“Ali, na companhia dos políticos, as crianças também estavam celebrando a vitória de nosso presidente mineiro.
Até hoje me lembro da euforia de seguir dentro de um carro aberto, cantando pelas ruas de Belo Horizonte. E também me lembro do pito que recebi de papai porque desapareci da casa sem ninguém saber onde eu estava.”

MARÍLIA GIANNETTI, COLEGA E AMIGA

Marília Giannetti Torres, grande artista e colega acaba de falecer no Rio de Janeiro. Quando desliguei o telefone, comecei a rememorar nossa trajetória no caminho das artes de Minas Gerais. Relembro fatos históricos como a criação da Escola de Belas Artes Guignard no Parque Muncicipal e um bando de jovens acompanhando o mestre pelas alamedas do parque. Ali também se reuniam os estudantes de filosofia, que se tornaram nossos amigos. Debaixo daquelas árvores trocávamos idéias, fazíamos amizade com a turma, desenhávamos.
Juntas iniciamos nossa carreira com uma exposição na Cultura Francesa de Belo Horizonte em 1947. Ao mesmo tempo organizamos também nossa família, nossos filhos têm quase a mesma idade.
Marília morava numa casa em estilo moderno projetada pelo arquiteto Sylvio de Vasconcelos. Ali nos reuníamos para realizar nossos quadros e promover mudanças no estilo de arte que recebemos de Guignard. A primeira Bienal sacudiu os alicerces da arte figurativa e nós, como jovens artistas percebemos um caminho novo que se abria diante de nós. Havia uma energia propulsora que nos conduzia às mudanças, à busca de um vocabulário novo. Pertencíamos à vanguarda da época e era preciso expressar em cores a nossa colocação no Construtivismo Brasileiro. São Paulo abria espaços para os artistas e foi em São Paulo que atuamos juntas nas primeiras Bienais. O atelier de Marília era freqüentado por críticos de arte, alguns vindos de São Paulo, e o próprio Guignard sugeriu que formássemos um grupo de artistas herdeiros de seus ensinamentos. Seus ensinamentos eram preciosos, mas seu estilo teria de ser abandonado. Trabalhávamos lado a lado, formando o grupo de concretistas de Minas Gerais, já completamente diferentes do estilo Guignard. Marília, Mário Silesio, Nely Frade e eu continuamos pesquisando o suporte em telas. Amílcar, Mary Vieira e Frans Weissman se dirigiram para a terceira dimensão, tornando-se grandes escultores. Nós continuamos na pintura, deixando nossas obras principais nas mãos de grandes colecionadores de Minas, Rio e São Paulo. Passaram-se 10 anos de pesquisa incessante dentro do concretismo. Na década de 60 quase todos os concretistas tomaram caminhos diversos.
Foi nesta ocasião que Marília descobriu uma técnica própria de pintura em relevo. Mudou-se para o Rio de Janeiro e ali, numa atelier situado na Av Copacabana, 10° andar,ela expandiu seus grandes painéis em relevo. Os quadros eram pesadíssimos e às vezes desciam de guindaste, tumultuando o trânsito da Avenida. Em 1967 expusemos juntas em Paris e Roma, ela com os painéis em relevo e eu com a minha fase de guerra. Lembro-me daquela viagem que se estendeu também para a Itália, onde inauguramos o Centro Cultural do Brasil em Roma. Em Paris expusemos na Galerie Valerie Schmidt, na rue Mazzerine, com grande sucesso. Marília subscritou convites para todos os brasileiros, que ali compareceram para nos cumprimentar. Em Roma ficamos hospedadas na Embaixada do Brasil.Tínhamos de subir muitas escadas para chegar até nossos apartamentos localizados num departamento destinado ao batalhão de Suez, naquela época desativado. O secretário da embaixada nos advertiu: “Vocês tomem cuidado, não andem pelos corredores à noite, pois o fantasma de uma mulher costuma aparecer por esses corredores.” Lembro-me de que ficamos doidas para ver o fantasma, mas ele nunca apareceu. Devia ser brincadeira do secretário...
Em Roma ficamos conhecendo Deoclécio Redig de Campos, embaixador junto ao Vaticano. Deoclécio era irmão de Olavo, casado com minha prima Maria Letícia. Com uma carta de apresentação chegamos até ele e pudemos visitar departamentos do vaticano fechados para o público. Vimos a restauração de um painel de Rafael pintado sobre um afresco de Piero de la Francesca. Assistimos ao processo de retirada da obra de Rafael, colocada em partículas sobre uma grande mesa, para depois de muita documentação fotográfica, voltar ao lugar de origem. Foi uma aula importante e inesquecível.
Marília já expusera em 1964 na Galeria d’Arte della “Casa do Brasil” e em catálogo consta observações de críticos italianos.

A arte de Marília continua viva, como suas “superfícies vivas”, e a sua memória ficará na lembrança de todos aqueles que a conheceram de perto.

*Fotos da internet e de Ricardo Giannetti