Diário de viagem à Índia - década de 80
Estávamos em Sarnath, perto de Benares, lugar onde Buda fez o primeiro sermão. Entramos no templo mais próximo, sete velas acesas, três de cada lado e uma no meio, iluminavam uma enorme estátua de Buda. No silêncio do templo nos concentramos sem perceber que lá fora se armava um temporal. A chuva violenta e o vento penetrando pelas janelas apagou todas as velas, uma por uma. Restou a do meio que iluminava o Buda. Naquele momento uma mudança aconteceu dentro de nós. Estávamos com passagem para seguir viagem no dia seguinte para Calcutá, mas as velas acesas de Buda chamou-nos para os Himalaias.
Começamos a peregrinação sem programa definido, amontoadas num ônibus velho cheio de hippies. Os europeus invadem a Índia. Trabalham na Europa quatro meses e passam oito viajando pelo oriente. Naquele dia, subimos juntos a mesma montanha. Chegamos à noite na fronteira com o Nepal e tiramos visto para entrar no país ali mesmo. Lampiões acesos, no meio do vozerio de gente que disputava e oferecia hospedarias.
-“Perdão madame, meu hotel não tem nenhuma estrela!...”
-“Não tem importância, você tem um céu todo estrelado por cima do seu hotel”, respondi.
Seguimos o guia e nos acomodamos num hotel pequenino.
Os Europeus são práticos, dormem dentro de sacos de viagem, armam cortinados e acomodam-se da melhor maneira possível, livres dos mosquitos.
No dia seguinte o agente do hotel procurou-nos e disse: “Se vocês quiserem viajar até Lumbini, onde nasceu Buda, tem que ser de carona. Eu mesmo posso arranjar para vocês uma carona de caminhão.”
Fomos na carroceria de um caminhão, sentindo a paisagem embaixo desfilar diante de nós. O guia aconselhou-nos também a viajar de carro de boi e seguimos sentadas em cima da palha até Lumbini, uma aldeia situada na fronteira com a Índia. Lumbini não tinha turismo organizado, parecia uma cidade abandonada com muitas ruínas. Andamos a pé pelos lugares santos. Um conjunto de templos de diversas religiões na mesma praça fizeram-nos lembrar de uma das características do budismo, que é a tolerância e o respeito a todas as crenças. Segundo o budismo, a verdade não tem rótulos, nem é propriedade de ninguém. Entrando em um templo budista sentei-me no chão, no centro de uma imensa mandala. Devia ter ficado algum tempo de olhos fechados quando senti alguém na minha frente. Era um monge vestido de alaranjado.
-“Siga-me”, disse-me ele.
Fomos até uma salinha modesta com pilhas de livros.
Vou lhe dar uma prática muito simples para você chegar ao estado de vazio:- “Relaxe. Respire fundo e comece a observar o seu corpo, de fora para dentro. Tome consciência de sua pele, dos músculos, dos ossos, dos seus órgãos internos, da circulação do sangue em suas veias. Lembre-se de tudo que constitui o seu corpo até chegar à consciência de que você é uma célula, um átomo, um núcleo e depois o vazio.”
O budismo não é baseado na crença incondicional, mas na experiência direta de cada um. Senti naquele monge desconhecido o exemplo vivo de um ser que alcançou o caminho do meio. O caminho do meio é o caminho do equilíbrio, é a ausência do ascetismo exagerado e também da constante e insaciável busca de prazeres. Esse foi o tema do primeiro sermão de Buda.
*Fotos da internet
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