quarta-feira, 27 de abril de 2011

CONSTRUTIVISMO MINEIRO EM BRASÍLIA

 Recentemente fui procurada por uma jornalista do jornal “Hoje em Dia”, que tem correspondência em Brasília, para dar um depoimento sobre Athos Bulcão e o movimento concretista brasileiro iniciado em São Paulo em 1951. Este movimento teve repercussão nacional e internacional, congregando artistas que buscavam os mesmos ideais de disciplina e construção. Para mim ele foi um encontro do que eu já vinha buscando, o despojamento do supérfluo e a busca da essência da forma. Aprendi com Guignard a usar a “linha contínua” para croquis rápidos ainda como artista figurativa. Esses exercícios possibilitaram uma série de desenhos que hoje estão sendo revisitados nas esculturas que, a partir do ano 2000, foram tridimensionadas no computador por minha neta Elena Andrés Valle.

Quando estive em Brasília há pouco tempo atrás, visitei a exposição “Arte para crianças” no CCBB. Lá estava Athos Bulcão, revisitado em seus azulejos de forma interativa. As pessoas podiam modificar a composição, mudando a disposição dos azulejos.

Seguem trechos da entrevista, publicada em 24/04/2011 no caderno “Mosaico”:

“Pioneira do Concretismo em Minas Gerais, a artista plástica Maria Helena Andrés observa na 1ª.  Bienal Internacional de São Paulo, em 1951, que a mostra causa grande impacto em Athos Bulcão. Contemporânea do artista, Maria Helena Andrés não chegou a conhecê-lo e recorda-se dele apenas ao telefone.
Naquela ocasião, os principais artistas brasileiros eram todos figurativos: Di Cavalcanti, Portinari e Guignard.
“Eu participei na primeira Bienal com dois quadros, ainda como artista figurativa”.
Durante a efervescência do Concretismo, Minas Gerais ofereceu escultores como Franz Weissmann (1911-2005), Amílcar de Castro (1920- 2002), Mary Vieira e Lygia Clark (1920- 1988). Na pintura, Mário Silésio (1913- 1990), Marilia Gianetti (1925 – 2010) e Nelly Frade (1913- 1988), entre outras, incluindo a própria Maria Helena,  como testemunha viva e participante da época.
“Íamos juntos para São Paulo para participar das exposições. O concretismo brasileiro começou lá. Foi uma época muito importante, que teve grande repercussão nacional. Foi um movimento que chegou até a poesia e as artes gráficas. Nós éramos jovens, fazíamos a arte com muita disciplina, pureza e precisão e íamos para São Paulo para assistir palestras de Mário Pedrosa e Ferreira Gullar, um dos poetas fundadores do neoconcretismo.”

Sobre o concretismo, segue um trecho do meu livro “Vivência e Arte”, publicado pela Agir em 1966:
“A pintura concreta libertou-se da tradição, procurando um caminho diferente e completamente novo. Um quadro concreto não poderia ser julgado dentro do mesmo critério de um outro abstrato ou figurativo. Ele visava transformar uma idéia (não um tema ou sujeito) em forma concreta. Nesta realização, deveria esgotar todos os seus recursos. Não se admite um quadro ou uma escultura concreta sem essa clareza de expressão e executado dentro de uma técnica confusa e complicada. Para isto servia-se, às vezes, de materiais novos que permitiam maior pureza e simplicidade na realização.
Os concretistas desejavam uma expressão exata e não apenas sugerida de sua idéia.
A arte abstrata poderia sugerir, a arte concreta teria de afirmar, para ser verdadeira.
O emprego de formas geométricas simples, de cores exatas e de composições equilibradas dentro de leis matemáticas veio alertar o artista e despertar-lhe a consciência da técnica, tão desprezada pelos primeiros modernistas.
Este foi um dos aspectos mais fortemente positivos dessa fase, que beneficiou, com essas noções, não só seus adeptos, mas seus adversários.
Se o concretismo procurou criar uma pintura objetiva, anti-sentimental, visando somente a uma ordem estética, o abstracionismo voltou à contemplação interior e deu largas à intuição.”

Na minha experiência concretista eu sempre ouvia música e meus quadros serviram de partitura musical para a apresentação dos músicos Artur, Regina e Alexandre na exposição “Linha e Gesto”.

*Fotos de Maurício Andrés e Renato Cobucci




segunda-feira, 11 de abril de 2011

LIÇÕES DE VIDA E MORTE


O retorno a Kathmandu,  depois de seis anos, significou para mim um toque de consciência. A invasão ocidental trouxe o consumo e a aglomeração nas ruas estreitas da cidade. No meio da poeira das demolições, tive saudades daqueles becos pequeninos onde a memória do passado estava guardada nos entalhes, nas sacadas e nos portais de madeira trabalhada. Hoje a especulação imobiliária, insensivelmente, derruba o passado.
Voltei a Pashupatinath, onde se realizam rituais de cremação. Ali a realidade conduziu-me, de forma violenta, à conscientização do destino comum de todos os seres vivos. As cerimônias de cremação proporcionaram-me um momento de silêncio. Pessoas de idade para ali se dirigem a fim de esperar a morte. Havia alojamentos especiais para os velhinhos e à tardinha entoavam mantras. Alegremente preparavam-se para a mudança de plano ou a despedida da terra. Os orientais encaram com naturalidade essa passagem.
O fogo consumia os restos mortais de pobres e ricos, que em poucos minutos se transformavam em cinzas. As famílias despediam-se de um parente e a insensibilidade das lentes fotográficas registrava a cena. A fumaça elevava-se para os céus nublados da cidade, misturando-se à poeira das demolições.
Nada é permanente, nem as construções,  nem os seres vivos. “Tu és pó e ao pó hás de tornar”. Essas palavras bíblicas ressoavam em meus ouvidos.
Nessa mesma tarde, assisti a uma procissão de casamento. Os noivos atravessavam as ruas dentro de um carro coroado de flores, acompanhados de uma banda de música e muita alegria. Andando pelos becos escuros da cidade, eu olhava algumas mulheres lavando os cabelos nos pátios centrais, uma outra massageando o filhinho recém nascido do lado de fora da casa e grupos de artesãos modelando potes nas calçadas.
As cenas do Nepal desenrolavam-se como um filme diante dos meus olhos. Uma só manhã em Kathmandu permitiu-me refletir sobre o nascimento e a morte, a alegria e a tristeza, o trabalho interno e externo. Demolição, construção, cremação, casamento, meditação e trabalho, esses vários acontecimentos da vida significavam para mim as diversas experiências que temos que viver nesta terra a fim de nos preparar para o retorno à casa do Pai.
Somos parte integrante desse movimento de mutação e personagens desse filme que é a nossa própria vida. Não existe nada fixo. De momento em momento estamos mudando. Quando tentamos segurar um minuto, ele já desapareceu para dar lugar a outro. A compreensão da impermanência ajuda-nos a superar apegos e a transcender o sofrimento e a morte.

*Fotos da internet



segunda-feira, 4 de abril de 2011

SUAVE ENVELHECER

O jornal Estado de Minas publicou no domingo, 27 de março de 2011, na coluna Bem Viver, reportagem de autoria de Déa Januzzi, sobre três senhoras: eu, Maria Helena Andrés, 88 anos, Laura Andrés Caram, 91 anos e Carolina Maranhão, 98 anos, chamando-nos de “sábias senhoras”. Minha filha Ivana, que me auxilia na postagem dos meus blogs, selecionou alguns trechos:

“Como anunciou o teólogo Leonardo Boff, quando completou 70 anos, em seu artigo Oficialmente velho : “A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Nesse contexto é iluminadora a palavra de São Paulo. À medida que definha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homem interior. O que é o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical. Esta identidade devemos encará-la”.

“Pessoas como Carolina, Laura e Maria Helena provam que a espiritualidade dá sentido à vida, principalmente na idade avançada. Uma espiritualidade exercida a cada amanhecer, quando os olhos se abrem e elas percebem que estão vivas e que tudo vale a pena.” As três participaram das reuniões da “Ação Católica” na época de juventude e hoje Carolina e Laura resgataram o mesmo grupo de antes, que passou a se chamar “Grupo se Estudos da Renovação Cristã.”

“Carolina Maranhão é assim: aos 90, resolveu fazer informática, porque não queria ficar desatualizada, não suportava mais ser uma analfabeta digital. Entrou para as aulas de computação do Sesc, arrancando admiração e respeito de todos. Como sempre fez, aprendeu rápido e seu apostolado hoje, nas reuniões do grupo, é digitar, imprimir e distribuir textos bonitos. O segredo dela para chegar á longevidade é “comer pouco e trabalhar muito”. Por isso prefere legumes, verduras e frutas. Aboliu carnes, frituras e proteínas de sua alimentação. Como Cora Coralina, Carolina também acredita: “Renova tua vida sempre, sempre. Remova pedras, plante roseiras e faça doces. Recomece.”

“Para Laura Andrés Caram, a espiritualidade está na própria estrutura do ser humano. “Podemos aperfeiçoá-la ou não. A pessoa não pode viver só de pão. Precisa de beleza também. Às vezes a velhice é um peso, porque a gente vai perdendo força, mobilidade e audição, mas tudo isso não me impede de estar sempre atualizada, de ter amigos e confiança nos meus valores. A vida da gente não é mais igual à do jovem, mas a velhice chega para todo mundo.” Indagada sobre seu santo de devoção, ela diz que não tem nenhum. “Prefiro os santos atuais. Minha mãe, por exemplo, foi uma santa, ajudava todo mundo.”

“Desde o horizonte escancarado na janela da casa da artista plástica Maria Helena Andrés, no Retiro das Pedras, até o momento em que ela espalha as cores pelas telas para pintar mais um quadro, exerce a espiritualidade: “Este é o meu jeito de meditar. É o meu deus interior”, garante ela, que é vegetariana, morou na Índia, tem um blog, uma espécie de diário de suas viagens externas e internas. Para quem se define como holístico, não há lugar melhor do que o Retiro das Pedras para promover qualidade de vida e acender  a luz interna. Numa casa simples, mas acolhedora, ela tem o horizonte de montanhas se descortinando de sua janela. É ali que Maria Helena Andrés escreve seus muitos livros de artes e vivências. Na arte, foi mestre: professora e diretora da Escola Guignard, sua produção é imbatível. Com os budistas, Maria Helena aprendeu que a vida é impermanência. Seu deus interno é a energia que a faz levantar todos os dias com disposição para pintar os quadros, escrever livros e abastecer o blog. Ela também acredita na sincronicidade da vida. “É preciso perceber e aceitar as mudanças que você não programou, mas que o divino colocou em seu caminho.”

*Fotos de Euler Júnior e Gladyston Rodrigues (EM)