O retorno a Kathmandu, depois de seis anos, significou para mim um toque de consciência. A invasão ocidental trouxe o consumo e a aglomeração nas ruas estreitas da cidade. No meio da poeira das demolições, tive saudades daqueles becos pequeninos onde a memória do passado estava guardada nos entalhes, nas sacadas e nos portais de madeira trabalhada. Hoje a especulação imobiliária, insensivelmente, derruba o passado.
Voltei a Pashupatinath, onde se realizam rituais de cremação. Ali a realidade conduziu-me, de forma violenta, à conscientização do destino comum de todos os seres vivos. As cerimônias de cremação proporcionaram-me um momento de silêncio. Pessoas de idade para ali se dirigem a fim de esperar a morte. Havia alojamentos especiais para os velhinhos e à tardinha entoavam mantras. Alegremente preparavam-se para a mudança de plano ou a despedida da terra. Os orientais encaram com naturalidade essa passagem.
O fogo consumia os restos mortais de pobres e ricos, que em poucos minutos se transformavam em cinzas. As famílias despediam-se de um parente e a insensibilidade das lentes fotográficas registrava a cena. A fumaça elevava-se para os céus nublados da cidade, misturando-se à poeira das demolições.
Nada é permanente, nem as construções, nem os seres vivos. “Tu és pó e ao pó hás de tornar”. Essas palavras bíblicas ressoavam em meus ouvidos.
Nessa mesma tarde, assisti a uma procissão de casamento. Os noivos atravessavam as ruas dentro de um carro coroado de flores, acompanhados de uma banda de música e muita alegria. Andando pelos becos escuros da cidade, eu olhava algumas mulheres lavando os cabelos nos pátios centrais, uma outra massageando o filhinho recém nascido do lado de fora da casa e grupos de artesãos modelando potes nas calçadas.
As cenas do Nepal desenrolavam-se como um filme diante dos meus olhos. Uma só manhã em Kathmandu permitiu-me refletir sobre o nascimento e a morte, a alegria e a tristeza, o trabalho interno e externo. Demolição, construção, cremação, casamento, meditação e trabalho, esses vários acontecimentos da vida significavam para mim as diversas experiências que temos que viver nesta terra a fim de nos preparar para o retorno à casa do Pai.
Somos parte integrante desse movimento de mutação e personagens desse filme que é a nossa própria vida. Não existe nada fixo. De momento em momento estamos mudando. Quando tentamos segurar um minuto, ele já desapareceu para dar lugar a outro. A compreensão da impermanência ajuda-nos a superar apegos e a transcender o sofrimento e a morte.
*Fotos da internet
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