domingo, 23 de agosto de 2015


PONTO DE MUTAÇÃO (turning point)

Há momentos que a vida nos propõe mudanças. Estes momentos são preciosos, acontecem quase sempre quando nos vemos diante de uma encruzilhada, pressões externas vindas de diferentes situações. A mudança é necessária, é um apelo da vida. Assim aconteceu com meu irmão Antônio Eugênio, que foi para a Europa, de mudança, deixando o passado para trás. Em Portugal, eles voltaram às origens de Belo Horizonte, quando os bondes circulavam pela cidade e passaram a usá-los de forma prazerosa e lúdica. Reconquistaram desta forma a simplicidade voluntária, uma necessidade do século XXI.

 “Liberte-se do passado”, nos disse um dia Krishnamurti. Ele também promoveu uma mudança completa em sua vida, quando se emancipou da Sociedade Teosófica.

A presença dos Andrés no Brasil, veio da decisão de um jovem francês Marie Joseph Louis Andrés que, movido por motivos políticos (a anexação da Alsácia – Lorena pela Prússia) seguiu ao chamado interno do ponto de mutação: largou a pátria, parentes, amigos, para iniciar uma nova vida em outras terras. Não queria ver seu país dominado por estrangeiros. Não sabia ainda para onde ir e inicialmente pensou em Portugal. Ainda não tinha decidido quando, chegando a Marselha, viu uma grande movimentação em torno de um personagem encasacado  que descia de uma carruagem sob os sons de música vibrante executada por banda militar. Indagando, foi esclarecido que se tratava do embaixador do Brasil em missão oficial.
“Brasil? O grande País de “Las- bas”? Este momento foi o seu ponto de mutação.
No dia 20 de Janeiro de 1874, embarcou em Bordeux no navio Erymathé.  Tendo desembarcado em Recife, ali não permaneceu por muito tempo. Dois anos depois em Juiz de Fora MG, fundou o colégio Andrés que foi muito importante na formação de jovens. Ali, sua filha Malisa, mãe de Luiz Andrés, meu marido, lecionou por algum tempo, juntamente com suas irmãs.
Essas mudanças de um país para o outro, proporcionam um crescimento interno e a possibilidade de expandir e receber novos conhecimentos.
Curioso notar que tanto Louis Andrés, quanto meu irmão Antônio Eugênio nasceram no dia 04 de Janeiro, com diferença de quase 100 anos. 

Meu ponto de mutação aconteceu logo após a morte do meu marido. Desfiz a casa de Belo Horizonte, fui morar sozinha no retiro das Pedras. Mas o meu destino já estava traçado: teria de conhecer o Oriente, pesquisar e trazer um pouco da sua sabedoria para o meu país.
Aceitei o convite do meu filho Maurício, para acompanhá-lo à Índia, onde iria em bolsa de estudos.
Quando fomos em 1977 para uma permanência de mais tempo na Índia, parece que uma energia maior nos conduziu.
Não foi difícil seguir adiante. Apenas deixar para trás o medo, os condicionamentos, enfrentar tudo, todos, largar os apegos sentimentais e materiais e partir para o desconhecido. Quando temos a coragem de deixar  para trás bens materiais, parentes e amigos, sentimos o mundo crescer em extensão diante de nós. Não estamos sós, aos poucos a vida nos mostra pessoas com igual sensibilidade, outros irmãos dentro deste pequeno planeta que é a Terra.

Realizar o ponto de mutação é encontrar na mudança um objetivo novo, que nunca seria realizado enquanto a pessoa permanecesse no passado.

Um exemplo disto foi a atitude de Pierre Weil, fundador da Cidade da Paz em Brasília. Pierre era meu vizinho no Retiro das Pedras, chegara a ser presidente do condomínio. Mas seu lugar verdadeiro era Brasília, onde ele pode realizar um trabalho coletivo da maior importância. Pierre percebeu a dimensão de seu trabalho quando abraçou a mudança. Fechou o consultório em Belo Horizonte e partiu para o novo. Hoje a Cidade da Paz já é um fato concreto, suas ideias se expandiram em dimensões maiores. Mas, para isto, foi preciso que ele assumisse o seu ponto de mutação, aceitasse o chamado interno de se libertar do passado e partir para outra realidade.

Na Universidade da Paz em Brasília, encontrei um dia com Fridjof Capra, pensador holístico radicado nos EUA, cujo livro “O Ponto de Mutação” eu acabara de ler. O “Ponto de Mutação” merece ser lido por todos.


*Fotos de arquivo e da internet

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terça-feira, 11 de agosto de 2015


ANIVERSÁRIO E VIAGENS

Estou sentada ao pé do fogo, desta vez na minha casa do Retiro das Pedras. Lá fora um vento frio vai reunindo as lembranças de uma festa que terminou ao cair da tarde. As cenas do presente, com papéis espalhados pelo chão, outros crepitando na lareira, trazem recordações diversas. A festa acabou...

Aqui nesta casa as vozes das crianças se misturavam com outras vozes adultas, de pais, tios, primos, uma árvore genealógica que remonta ao meu casamento com Luiz Andrés em 1947.

Construímos esta casa com muito esforço, pensando no futuro dos filhos, netos e bisnetos. Imaginávamos um local de paz, longe do barulho da cidade. Hoje em dia, conquistar a paz não é fácil; em qualquer lugar as notícias de crise no Brasil nos tiram o sossego. Algumas pessoas estão deixando o Brasil, como Antônio Eugênio, meu irmão caçula, que hoje esteve aqui comemorando o meu aniversário e se despedindo da família. Cansou do Brasil e comprou uma casa em Lisboa. Acho que ele vai se dar bem, fazendo o percurso contrário dos navegantes portugueses. Ao invés de se dirigir às Américas, ele se dirige à velha Europa.

Essa raiz europeia, todos nós temos. Fomos descendentes dos corajosos navegantes que se atiravam no mar em busca de algo novo, ainda não descoberto. Com a coragem e a força de um chamado interno, eles chegaram até as Índias e a China.

Herdei desses meus antepassados a minha necessidade interna de descobrir o Oriente e suas riquezas espirituais; de sentir de perto o reflexo dessas filosofias na educação e na arte e mostrar as minhas reflexões através de livros, palestras, quadros.

Realizei também o roteiro inverso, em busca de uma integração Oriente- Ocidente. Agora, vejo Antônio Eugênio retornando às origens europeias de todos nós. Esta viagem de retorno é profundamente enriquecedora. Seus frutos serão colhidos num futuro próximo.
Parece que a família toda está se deslocando para o velho continente, buscando aprender na fonte.

No momento, vivo de recordações, pois as viagens exigem muito sacrifício; deixo isto para os mais novos.
O meu momento presente é a casa do Retiro das Pedras, o fogo crepitando na lareira, queimando desenhos mal resolvidos e escritos inacabados. Minha casa continua do mesmo tamanho, feita para abrigar uma família pequena. Hoje abrigou 70 pessoas, com netos, bisnetos, sobrinhos, irmãos, filhos.Não foi possível convidar amigos, a casa não comportava...

Tivemos de expandir a cozinha para fora da casa. Fizemos uma macarronada coletiva; cada convidado vestia um avental e ajudava a abrir a massa. Depois o Euler ia passando a massa numa máquina de madeira, bem artesanal, comprada na Itália para fazer macarrão. Esse trabalho coletivo, feito com a colaboração de todos, além de despertar o lúdico, ainda favorece a união da família.
Da minha parte, preferi descascar batatas para a salada, o que me fez recordar os almoços coletivos nos ashrams da Índia, o Grupo Gurjdieff e a Universidade Holística de Brasília. Nesses encontros, todo mundo trabalha, seja ele artista, filósofo, intelectual ou dona de casa.

Este exemplo nos mostra o futuro do século XXI.Ninguém parado, esperando ser servido... Todos trabalhando, para o bem comum.

*Fotos de Maurício Andrés


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terça-feira, 4 de agosto de 2015


FESTAS, NOIVADOS E CASAMENTOS NA DÉCADA DE 40

Morávamos numa casa estilo mexicano em forma de castelo, na Avenida Afonso Pena, que chamávamos de Castelinho.

Lembro-me de Frei Eustáquio benzendo o nosso Castelinho na Avenida Afonso Pena, a vizinhança toda correndo para ver a benção do Frei Eustáquio, o santo da época!

Quando fiquei noiva de Luiz, comecei a receber visitas. Numa dessas visitas, gente de muita cerimônia, Antônio Eugênio entrou na sala, olhou para todos e comentou: “Vocês estão demorando, hein? Nós temos de ir ao Parque Municipal...”

No noivado de Lourdes, outro fato aconteceu. Naquela época os pais do noivo pediam as moças em casamento. Wilson pediu a seu amigo, o professor Orlando Carvalho para fazer o pedido. O professor chegou, conversou, conversou e nada do pedido. Já tinha passado 1 hora e nada, nós todos olhávamos atrás da porta e o pedido não saía. Havia assunto demais. Foi quando o meu irmão Luiz, com 11 anos de idade, começou a soltar foguetes na sacada do castelinho, anunciando o noivado e as empregadas entraram na sala servindo salgadinhos. Então o Dr Orlando precipitou o pedido e o noivado aconteceu debaixo de comes e bebes e muita alegria.

Os noivados duravam dois anos, pois tínhamos de fazer o enxoval- as bordadeiras faziam pontos de cruz e pontos de sombra em lençóis de linho e percal. Guardávamos tudo dentro de um baú antigo.

Nossas festas de casamento prolongavam-se por um mês inteiro, os tios e primos vinham do Rio e meus pais, muito hospitaleiros, cediam o próprio quarto para que eles ficassem com as crianças. Meu casamento foi um pretexto para que os tios viessem de férias para Belo Horizonte. Resolveram nos visitar na fazenda Florestal do SESC, próximo a Belo Horizonte, onde estávamos hospedados logo após o casamento. Colocaram a família inteira dentro do carro para fazer uma surpresa aos noivos, e nos encontraram debaixo de uma árvore, Luiz estudando e eu desenhando. Minha vida de casada começou assim, Luiz estudando e eu pintando. Quando saímos para a nossa viagem de lua de mel, estranhei o peso da mala do Luiz. Perguntei curiosa: “O que é que você está levando aí, tão pesado?” Ele então respondeu: “São livros de medicina, para eu fazer um concurso no Rio de Janeiro”. Respondi: “Então espere um pouco, vou buscar minhas tintas.” Toda a nossa vida transcorreu na maior tranquilidade, cada um seguindo a sua vocação profissional.
Luiz gostava de preparar as telas, vestia avental de médico e não deixava ninguém preparar, tinha de ser ele.

Lembro-me de Isaura e Bárbara as duas moravam na favela do Pindura Saia e eram empregadas de mamãe. Eram ótimas cozinheiras, falavam demais e bebiam mais ainda. Papai comprava sacos de arroz e feijão num empório na rua Espírito Santo. Fazia doações de parte da mercadoria para as famílias pobres, e as duas empregadas levavam uma boa parte para a favela. A Bárbara contava: “Quando vamos fazer nossa comidinha em nossa casa na favela, o povo corre para nos visitar. A casa enche de gente e temos de repartir com todos. Os vizinhos percebiam pelo cheiro: Estão fritando toucinho na casa da Bárbara...”

Eu tinha 18 anos e ganhei um prêmio no Rio com um retrato da Isaura, um desenho em pastel. Era meu primeiro prêmio e hoje não está comigo, dei-o para a própria Isaura. Lembro-me de um jornal do Rio que noticiou: “Tem caráter, fala, a portuguesa da Senhorita Maria Helena.”

Fotos de arquivo e da internet

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