Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
MOUNT ABU I
Descemos as escadarias de pedra com nossa bagagem. O
taxi nos espera em baixo. Seguimos hoje para Mount Abu.
Lá vem um camelo carregando palha, figuras sentadas
no mercado, vendendo coisas coloridas. A despedida de Udaipur é a certeza do
retorno um dia.
A paisagem do Rajastão anuncia a proximidade do
deserto, vegetação rasteira, cactus, terra amarela, montanhas de pedra. Há
lagos na redondeza que fertilizam a terra e o verde rasteiro do trigo se
estende como um tapete.
“Please
horn”, “Por favor, buzine”, estamos subindo a montanha.
Em Udaipur não pudemos marcar o voo de volta.
Defeito no computador. Um defeito no computador faz parar os voos, agora
estamos parados na estrada, alguma coisa aconteceu pelo caminho. Escuto o vozerio
e o barulho do caminhão, na curva, carregando canos. O caminhão é imenso, os
canos devem ser pesados e a curva é fechada. O caminho foi bloqueado. Letreiros
coloridos em caligrafia híndi passam através das vidraças do carro. Nosso carro
parou para deixar passar um rebanho de carneiros conduzidos por um jovem pastor,
os carneiros seguem o comando dos pastores.
Há 10 anos aqui estive com Cláudia e Ferolla. Estou
me lembrando das curvas, do ônibus apinhado, a gente sufocada na bagagem. Ferolla
providenciou tudo e nós o seguimos como carneiros. Não tínhamos de pensar em
nada, apenas segui-lo. Ele providenciou passagens, hotéis, era o nosso guia.
Quando chegamos a Goa resolvi parar.
“Vocês seguem sozinhos, eu fico.”
Foi em Goa que iniciei meu trabalho.
Aqui estou de novo, em Mount Abu, o sol a pino,
sofrendo os atropelos da viagem. Buracos no caminho, curvas e mais curvas...
Chegamos exaustas no alto da montanha.
“Queremos um lugar de paz, sem aglomerações, sem
rickshaws.”
O motorista nos conduziu para este recanto. Veio nos
receber um velhinho moreno, magro, bigodes enormes, sorriso franco. Os galhos
das árvores e as mãos do velho se harmonizavam no mesmo impulso, pareciam
alimentados com a mesma seiva. O velho era parte integrante daquela natureza.
Gostamos do lugar.
Mr. Thakur é o encarregado deste pequeno recanto
residencial, casa de campo do Marajá de Jodhpur, agora transformada em hotel.
Na casa de baixo os quartos são mais caros e nas salas, os retratos da família
nos contam a história da nobreza e decadência dos marajás.
“Os Maharajás reinavam sobre os estados da Índia.
Indira Gandhi destituiu-lhes o poder. Agora eles conservam a propriedade, mas,
para sobreviverem, têm de transformá-las em hotéis e museus.”
Interessei-me
pela vida dos marajás porque esta palavra foi muito usada no Brasil. As
histórias do velhinho são baseadas em sua própria experiência. Mr. Thakur trabalhou
para três gerações de marajás.
“Meus patrões eram ótimas pessoas, tratavam o povo
como uma única família. Percorriam as vilas para socorrer os necessitados,
estimulavam as artes.”
Mr. Thakur tem 81 anos e ainda trabalha, batendo
papo com os visitantes que chegam, tomando um chazinho na varanda e contando
histórias do passado.
“Estou aqui para fazer os hóspedes se sentirem em
casa.” Na realidade, o ambiente acolhedor de Mount Abu é
um oásis no meu cansaço das viagens.(Diário de viagem, 1993)
*Fotos da internet
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segunda-feira, 19 de outubro de 2015
ENCONTROS NA ÍNDIA
Nas minhas viagens à Índia costumava me
hospedar em Adyar, onde está situada a
Fundação Krishnamurti. Ali estive várias vezes estudando os ensinamentos do
grande mestre indiano.
Em 1993 conheci o médico de Krishnamurti.
Sentou-se ao meu lado no refeitório, queria saber
sobre o Brasil, nosso povo, o governo (as notícias de Collor atravessaram as
fronteiras através da BBC). Interessou-se por minha pesquisa de aproximação
Oriente- Ocidente, estava aberto a me escutar.
Não precisei marcar consulta. Ele me atendeu ali
mesmo, debaixo da árvore, deu-me exercícios para a coluna. Eu estava viajando o
tempo todo com um problema no ombro esquerdo devido a um acidente no Brasil
(frozen-shoulder). O Dr. Parchure acompanhou Krishnamurti em suas viagens,
aliviando-lhe as tensões da coluna com massagens e exercícios corporais. As
pessoas que conviveram pessoalmente com Krishnamurti conseguiram alcançar um
plano de intuição bem desenvolvido e aquele médico estava me dando conselhos
importantes para seguir viagem.
Mais tarde o secretário da Fundação
Krishnamurti me procurou. Organizou, a
meu pedido, uma dinâmica de grupo, e, sentados no grande salão central do
edifício, discutimos sobre a violência. A violência não é uma coisa à parte,
exterior a nós, ela está dentro de cada ser humano, vem à tona sempre que o ego
é atingido por algum desafio, seja uma palavra ou uma ideologia contrária à
nossa. Reagimos violentamente quando nossas estruturas de segurança se sentem
atingidas. A violência está na raiz de nossa própria mente e a única forma de
não compartilhar com a violência do mundo é observar seus movimentos dentro de
nós mesmos, sentir o sangue esquentando nas veias quando a pessoa ao lado
atinge o nosso ego.
Esses exercícios de dinâmica de grupo eram feitos
periodicamente entre jovens e adultos, afim de facilitar o relacionamento
humano.
Em seguida, um artista de Kerala que estava me
fazendo massagens, convidou-me para fazer palestras sobre arte em sua escola em
Cochin, cujo tema seria a integração cultural entre os ensinamentos dos mestres
orientais e o desenvolvimento artístico do mundo ocidental.
“Cada um de nós foi chamado para desenvolver um
trabalho em determinado raio”, nos diz ele. “Ninguém é perfeito. Somos seres
humanos diferentes e a iluminação não é privilégio nem do Oriente nem do Ocidente. O importante é estar aberto para a
intuição, o chamado interno que nos chega a cada instante”.
Realmente, é preciso ultrapassar os limites do
pensamento lógico para que a mente compassiva possa se manifestar. Quando
alcançamos a mente compassiva, os apegos e aversões se diluem.
“Estou sentindo uma vibração muito boa, vinda de
você, deve ser de outras vidas”, me disse ele. A lei do Carma promove o encontro com alguém ligado ao nosso
passado, apenas para nos dizer uma palavra e nos olhar de forma compreensiva e
amiga. Neste momento, não existe separação de raça, credo ou sexo. Não existe
Oriente-Ocidente, norte ou sul. Somos habitantes do mesmo planeta e estamos
sendo tocados pelo mesmo chamado interno...
*Fotos de Maurício Andrés e da internet
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segunda-feira, 12 de outubro de 2015
MUSEU SHANKAR
MUSEU SHANKAR
Hoje, comemorando o dia da criança,
resolvi postar uma parte do meu diário de viagens à Índia, que relata a minha
visita ao Museu Shankar, voltado para o público infantil.
“O museu Shankar é um
prédio enorme, situado numa das avenidas de N. Delhi. Salões, bibliotecas,
imprensa, publicações, tudo dedicado à criança, num intercâmbio com todos os
países do mundo.
Os indianos procuram
estudar através da criança os costumes dos outros povos, promovendo exposições
internacionais. O diretor do museu nos leva às diversas salas e percorre
conosco o interessantíssimo museu de bonecos. Há bonecos de todas as raças, de
todas as cores, vestidos de acordo com as características de cada nação.
Holandeses de tamancos, russos calçados de botinhas de couro, japonesinhas
ricamente adornadas.
Percorremos o imenso
salão onde a criança pode ver uma síntese do planeta em que vivemos e de seus
costumes tão diferentes. A indumentária revela de certo modo tradições e
costumes, o requinte ou a sobriedade, as condições de clima, o adiantamento ou
primitivismo de cada região da terra. Alguns bonecos mexem-se, outros sorriem,
alguns são pobres, despojados, outros se cobrem de jóias. O interesse da
criança pelos bonecos é fenômeno comum, mas os bonecos variam e as crianças do globo
também. No Museu Shankar eles se encontram. Uma espécie de liga das nações. Se
pudessem falar, contariam histórias pitorescas e divertidas, mas assim mesmo, em
silêncio, testemunham os contrastes de cada pedaço da terra. No setor indiano,
Ghandi é rememorado em tamanho reduzido, liderando uma multidão de indianos
vestidos de branco. Sem cartazes alusivos nem discursos históricos, o conjunto
de Ghandi revive as pregações do grande líder em torno da não violência.
Num dos salões, bonecos mostram uma
das danças tradicionais do sul da Índia, Kathakali, com seus trajes
esplêndidos. Outras bonecas mostram crianças japonesas, e um grupo mostra a
coleção da rainha (Reino Unido). Há bonecas da Hungria, de Kabuki e de Samurai no
Japão, da dança flamenga na Espanha, da orquestra de mulheres da Tailândia,
etc. O museu começou com mil bonecas. Entre 1965 e 1987, 5.000 foram adicionados.
Atualmente o número de bonecas chega a 6.500, provenientes de 85 países.”
*Fotos da internet
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segunda-feira, 5 de outubro de 2015
PROBLEMAS DE VIAGEM II
Numa de minhas viagens, desta vez com Beth
Cavalcanti, fomos detidas em Bombaim por seis dias. Beth não havia tomado a
vacina contra febre amarela, e a Índia não permite a entrada de pessoas ligadas
aos países que oferecem possibilidades à doença. Um mapa na parede do aeroporto
e o Brasil coberto com uma faixa amarela. Os guardas verificaram o passaporte.
Se o passageiro não fosse vacinado, teria de ficar de quarentena num hospital
de isolamento.
Beth me olhou horrorizada e eu não tive dúvidas, ficaria com ela
no hospital. A passagem por aquele hospital, onde uma liga das nações do terceiro
mundo se misturava no mesmo infortúnio, foi decisiva para um aprendizado de
vida. Diante do irremediável, o melhor caminho é a aceitação. Se cairmos em
depressão as coisas pioram. No fim da temporada, estávamos amigas de todos os
reclusos, dando aulas de criatividade para o grupo. Até os guardas participaram
das aulas, imitando bichos, elefantes, macacos, cachorros. Aulas de
criatividade ajudam a mudar situações e são necessárias quando a vida nos
coloca confinadas num ambiente estranho, sem possibilidade de saída.
Em outra de minhas viagens, fomos parar num hotel
humilde em Madras.
O cansaço da viagem, a entrada naquele hotel nos fez
enxergar fantasmas à noite. As janelas davam para um pátio escuro e, devido ao
fato de estarmos no segundo andar, a possibilidade de um assalto era uma
temeridade. As sombras projetavam vultos na parede em frente e, quando nos
recolhemos para dormir, a cama trepidava e fazia barulho.
“Minha filha, minha cama está mexendo. Estou quieta,
sem fazer nada e a cama não para de mexer.”
Comecei a ficar aflita. A cama da minha filha também
mexia. Dei um pulo no escuro e fui acender a luz.
“Não fico mais neste quarto, deve ser alguma
entidade do astral!”
O medo criava possíveis demônios nos perseguindo.
Cantamos mantras, rezamos.
Depois, observando com atenção, percebemos que as
duas camas eram ligadas por duas pranchas de madeira. Quando uma de nós virava
de lado, a cama ao lado balançava e fazia ruído, como se fosse uma caixa de
ressonância.
A experiência foi boa para se constatar o fato de
que nossa mente é a maior responsável por todos os nossos momentos de terror. A
mente cria fantasias e nos arrasta para os mais desencontrados espaços da
imaginação...
*Fotos da internet
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