segunda-feira, 26 de outubro de 2015


MOUNT ABU I

Descemos as escadarias de pedra com nossa bagagem. O taxi nos espera em baixo. Seguimos hoje para Mount Abu. 

Lá vem um camelo carregando palha, figuras sentadas no mercado, vendendo coisas coloridas. A despedida de Udaipur é a certeza do retorno um dia.
A paisagem do Rajastão anuncia a proximidade do deserto, vegetação rasteira, cactus, terra amarela, montanhas de pedra. Há lagos na redondeza que fertilizam a terra e o verde rasteiro do trigo se estende como um tapete.

“Please  horn”, “Por favor, buzine”, estamos subindo a montanha.
Em Udaipur não pudemos marcar o voo de volta. Defeito no computador. Um defeito no computador faz parar os voos, agora estamos parados na estrada, alguma coisa aconteceu pelo caminho. Escuto o vozerio e o barulho do caminhão, na curva, carregando canos. O caminhão é imenso, os canos devem ser pesados e a curva é fechada. O caminho foi bloqueado. Letreiros coloridos em caligrafia híndi passam através das vidraças do carro. Nosso carro parou para deixar passar um rebanho de carneiros conduzidos por um jovem pastor, os carneiros seguem o comando dos pastores.

Há 10 anos aqui estive com Cláudia e Ferolla. Estou me lembrando das curvas, do ônibus apinhado, a gente sufocada na bagagem. Ferolla providenciou tudo e nós o seguimos como carneiros. Não tínhamos de pensar em nada, apenas segui-lo. Ele providenciou passagens, hotéis, era o nosso guia. Quando chegamos a Goa resolvi parar.
“Vocês seguem sozinhos, eu fico.”
Foi em Goa que iniciei meu trabalho.
Aqui estou de novo, em Mount Abu, o sol a pino, sofrendo os atropelos da viagem. Buracos no caminho, curvas e mais curvas...

Chegamos exaustas no alto da montanha.
“Queremos um lugar de paz, sem aglomerações, sem rickshaws.”
O motorista nos conduziu para este recanto. Veio nos receber um velhinho moreno, magro, bigodes enormes, sorriso franco. Os galhos das árvores e as mãos do velho se harmonizavam no mesmo impulso, pareciam alimentados com a mesma seiva. O velho era parte integrante daquela natureza. Gostamos do lugar.
Mr. Thakur é o encarregado deste pequeno recanto residencial, casa de campo do Marajá de Jodhpur, agora transformada em hotel. Na casa de baixo os quartos são mais caros e nas salas, os retratos da família nos contam a história da nobreza e decadência dos marajás.

“Os Maharajás reinavam sobre os estados da Índia. Indira Gandhi destituiu-lhes o poder. Agora eles conservam a propriedade, mas, para sobreviverem, têm de transformá-las em hotéis e museus.”
 Interessei-me pela vida dos marajás porque esta palavra foi muito usada no Brasil. As histórias do velhinho são baseadas em sua própria experiência. Mr. Thakur trabalhou para três gerações de marajás.
“Meus patrões eram ótimas pessoas, tratavam o povo como uma única família. Percorriam as vilas para socorrer os necessitados, estimulavam as artes.”
Mr. Thakur tem 81 anos e ainda trabalha, batendo papo com os visitantes que chegam, tomando um chazinho na varanda e contando histórias do passado.
“Estou aqui para fazer os hóspedes se sentirem em casa.” Na realidade, o ambiente acolhedor de Mount Abu é um oásis no meu cansaço das viagens.(Diário de viagem, 1993)

*Fotos da internet


VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.




segunda-feira, 19 de outubro de 2015


ENCONTROS NA ÍNDIA

Nas minhas viagens à Índia costumava me hospedar  em Adyar, onde está situada a Fundação Krishnamurti. Ali estive várias vezes estudando os ensinamentos do grande mestre indiano.
Em 1993 conheci o médico de Krishnamurti.

Sentou-se ao meu lado no refeitório, queria saber sobre o Brasil, nosso povo, o governo (as notícias de Collor atravessaram as fronteiras através da BBC). Interessou-se por minha pesquisa de aproximação Oriente- Ocidente, estava aberto a me escutar.
Não precisei marcar consulta. Ele me atendeu ali mesmo, debaixo da árvore, deu-me exercícios para a coluna. Eu estava viajando o tempo todo com um problema no ombro esquerdo devido a um acidente no Brasil (frozen-shoulder). O Dr. Parchure acompanhou Krishnamurti em suas viagens, aliviando-lhe as tensões da coluna com massagens e exercícios corporais. As pessoas que conviveram pessoalmente com Krishnamurti conseguiram alcançar um plano de intuição bem desenvolvido e aquele médico estava me dando conselhos importantes para seguir viagem.

Mais tarde o secretário da Fundação Krishnamurti  me procurou. Organizou, a meu pedido, uma dinâmica de grupo, e, sentados no grande salão central do edifício, discutimos sobre a violência. A violência não é uma coisa à parte, exterior a nós, ela está dentro de cada ser humano, vem à tona sempre que o ego é atingido por algum desafio, seja uma palavra ou uma ideologia contrária à nossa. Reagimos violentamente quando nossas estruturas de segurança se sentem atingidas. A violência está na raiz de nossa própria mente e a única forma de não compartilhar com a violência do mundo é observar seus movimentos dentro de nós mesmos, sentir o sangue esquentando nas veias quando a pessoa ao lado atinge o nosso ego.
Esses exercícios de dinâmica de grupo eram feitos periodicamente entre jovens e adultos, afim de facilitar o relacionamento humano.

Em seguida, um artista de Kerala que estava me fazendo massagens, convidou-me para fazer palestras sobre arte em sua escola em Cochin, cujo tema seria a integração cultural entre os ensinamentos dos mestres orientais e o desenvolvimento artístico do mundo ocidental.
“Cada um de nós foi chamado para desenvolver um trabalho em determinado raio”, nos diz ele. “Ninguém é perfeito. Somos seres humanos diferentes e a iluminação não é privilégio nem do Oriente nem do Ocidente. O importante é estar aberto para a intuição, o chamado interno que nos chega a cada instante”.
Realmente, é preciso ultrapassar os limites do pensamento lógico para que a mente compassiva possa se manifestar. Quando alcançamos a mente compassiva, os apegos e aversões se diluem.
“Estou sentindo uma vibração muito boa, vinda de você, deve ser de outras vidas”, me disse ele. A lei do Carma  promove o encontro com alguém ligado ao nosso passado, apenas para nos dizer uma palavra e nos olhar de forma compreensiva e amiga. Neste momento, não existe separação de raça, credo ou sexo. Não existe Oriente-Ocidente, norte ou sul. Somos habitantes do mesmo planeta e estamos sendo tocados pelo mesmo chamado interno...

*Fotos de Maurício Andrés e da internet


VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA




segunda-feira, 12 de outubro de 2015


MUSEU SHANKAR

MUSEU SHANKAR
Hoje, comemorando o dia da criança, resolvi postar uma parte do meu diário de viagens à Índia, que relata a minha visita ao Museu Shankar, voltado para o público infantil.
“O museu Shankar é um prédio enorme, situado numa das avenidas de N. Delhi. Salões, bibliotecas, imprensa, publicações, tudo dedicado à criança, num intercâmbio com todos os países do mundo.
Os indianos procuram estudar através da criança os costumes dos outros povos, promovendo exposições internacionais. O diretor do museu nos leva às diversas salas e percorre conosco o interessantíssimo museu de bonecos. Há bonecos de todas as raças, de todas as cores, vestidos de acordo com as características de cada nação. Holandeses de tamancos, russos calçados de botinhas de couro, japonesinhas ricamente adornadas.
Percorremos o imenso salão onde a criança pode ver uma síntese do planeta em que vivemos e de seus costumes tão diferentes. A indumentária revela de certo modo tradições e costumes, o requinte ou a sobriedade, as condições de clima, o adiantamento ou primitivismo de cada região da terra. Alguns bonecos mexem-se, outros sorriem, alguns são pobres, despojados, outros se cobrem de jóias. O interesse da criança pelos bonecos é fenômeno comum, mas os bonecos variam e as crianças do globo também. No Museu Shankar eles se encontram. Uma espécie de liga das nações. Se pudessem falar, contariam histórias pitorescas e divertidas, mas assim mesmo, em silêncio, testemunham os contrastes de cada pedaço da terra. No setor indiano, Ghandi é rememorado em tamanho reduzido, liderando uma multidão de indianos vestidos de branco. Sem cartazes alusivos nem discursos históricos, o conjunto de Ghandi revive as pregações do grande líder em torno da não violência.


Num dos salões, bonecos mostram uma das danças tradicionais do sul da Índia, Kathakali, com seus trajes esplêndidos. Outras bonecas mostram crianças japonesas, e um grupo mostra a coleção da rainha (Reino Unido). Há bonecas da Hungria, de Kabuki e de Samurai no Japão, da dança flamenga na Espanha, da orquestra de mulheres da Tailândia, etc. O museu começou com mil bonecas. Entre 1965 e 1987, 5.000 foram adicionados. Atualmente o número de bonecas chega a 6.500, provenientes de 85 países.”

*Fotos da internet

VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG "MINHA VIDA DE ARTISTA", CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA



segunda-feira, 5 de outubro de 2015


PROBLEMAS DE VIAGEM II

Numa de minhas viagens, desta vez com Beth Cavalcanti, fomos detidas em Bombaim por seis dias. Beth não havia tomado a vacina contra febre amarela, e a Índia não permite a entrada de pessoas ligadas aos países que oferecem possibilidades à doença. Um mapa na parede do aeroporto e o Brasil coberto com uma faixa amarela. Os guardas verificaram o passaporte. Se o passageiro não fosse vacinado, teria de ficar de quarentena num hospital de isolamento.
 Beth me olhou horrorizada e eu não tive dúvidas, ficaria com ela no hospital. A passagem por aquele hospital, onde uma liga das nações do terceiro mundo se misturava no mesmo infortúnio, foi decisiva para um aprendizado de vida. Diante do irremediável, o melhor caminho é a aceitação. Se cairmos em depressão as coisas pioram. No fim da temporada, estávamos amigas de todos os reclusos, dando aulas de criatividade para o grupo. Até os guardas participaram das aulas, imitando bichos, elefantes, macacos, cachorros. Aulas de criatividade ajudam a mudar situações e são necessárias quando a vida nos coloca confinadas num ambiente estranho, sem possibilidade de saída.

Em outra de minhas viagens, fomos parar num hotel humilde em Madras.
O cansaço da viagem, a entrada naquele hotel nos fez enxergar fantasmas à noite. As janelas davam para um pátio escuro e, devido ao fato de estarmos no segundo andar, a possibilidade de um assalto era uma temeridade. As sombras projetavam vultos na parede em frente e, quando nos recolhemos para dormir, a cama trepidava e fazia barulho.

“Minha filha, minha cama está mexendo. Estou quieta, sem fazer nada e a cama não para de mexer.”
Comecei a ficar aflita. A cama da minha filha também mexia. Dei um pulo no escuro e fui acender a luz.
“Não fico mais neste quarto, deve ser alguma entidade do astral!”

O medo criava possíveis demônios nos perseguindo. Cantamos mantras, rezamos.
Depois, observando com atenção, percebemos que as duas camas eram ligadas por duas pranchas de madeira. Quando uma de nós virava de lado, a cama ao lado balançava e fazia ruído, como se fosse uma caixa de ressonância.
A experiência foi boa para se constatar o fato de que nossa mente é a maior responsável por todos os nossos momentos de terror. A mente cria fantasias e nos arrasta para os mais desencontrados espaços da imaginação...

*Fotos da internet


VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.