Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 15 de maio de 2017
MEMÓRIAS DE GOA II
Os novos encontros , depois de muitos anos, nos
permitem refletir sobre a vida e o tempo que vai cobrindo as pessoas de novos
revestimentos.
Encontrei o mestre que me despertou para a Síntese
Oriente – Ocidente, o famoso historiador goês, Antonio de Menezes.
Ele me dava aulas diárias de história da Índia,
história do Brasil, costumes, sistema de castas, casamentos entre nativos e
portugueses. Aprendi muito e alguns insights me surgiram nessas praias. Foi em
D. Paula, naquela praiazinha particular que eu retornei ao passado e vi a
chegada dos veleiros na Índia. Os rochedos me levaram ao passado, o mar me
estabeleceu no presente. As coisas se repetem, as pessoas aparecem e
desaparecem neste mundo de ilusões. Aparecem com a intensidade daquele momento
perdido na distância da memória.
Alguma coisa profunda, ligada à nossa realidade
interna deveria ser o farol de nossa vida.
A vida não tem sentido se não meditarmos sobre a
morte, diariamente, com a alegria de quem vai se transformar em algo etéreo,
leve, luminoso, sem o peso do corpo, da matéria.
A matéria se decompõe, mas o sopro do espírito
sobrevive, resiste a todas as doenças, transmite sabedoria e paz.
Naquele momento eu estava diante de um sábio, meu
mestre de 80 anos, pele lustrosa, não bebe vinho, não fuma, faz regime semi
vegetariano , massagens com escovas no pescoço, pés e mãos.
“É para a circulação, ele me disse, mostrando uma
escova de lavar roupa. Todos os dias faço minha própria massagem. Sua esposa deve
ter quase 80, mas parece ter 60. Ainda prepara as pessoas que pretendem estudar
em Portugal.
Olho pela janela. Em frente à casa arejada, o rio
corre sereno. A rua agora não é a mesma, está cheia de carros, ônibus, apitos,
buzinas. O tempo se encarregou de trazer mais movimento para essas terras. A
figura do historiador se iluminou quando me viu chegar. Estava regressando da
Editora, onde entregaria o seu último livro. À necessidade intelectual de
escrever, ele acrescentava uma ligação espiritual espontânea, direta. Era
cristão mas não frequentava a igreja. A cruz modelada dentro de um pequeno
nicho frente à sua casa, estava sempre coberta de flores, mas quando rezava,
ele ia direto para Deus.
“Rezo o Pai Nosso com muita devoção, pensando nas
palavras, pois foi a única oração que Cristo ensinou. Depois, reverencio os que
já se foram. Coisas extraordinárias acontecem, eles estão presentes, não
morreram. Olhei para a fisionomia desse homem eternamente sereno, alegre, as
palavras com a energia do eterno agora.
“Quando brinco com as crianças me transformo em
criança, quando converso com jovens sou um jovem, quando converso com uma
pessoa idosa, sou idoso. A sabedoria dessas palavras me fez refletir.
Não existe passado nem
futuro, só o agora. O agora é sempre novo. A atenção total no agora nos
transforma em crianças, jovens ou velhos, sem querer ser diferente do que
realmente somos. A mente cria a fantasmas que não existem, não sabemos conviver
com esses fantasmas, por isso sofremos. (Trecho de diários de viagens à Índia,
épocas diferentes)
*Fotos da internet
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terça-feira, 9 de maio de 2017
MEMÓRIAS DE GOA I
Através das vidraças do trem, eu via a paisagem
aparecendo e desaparecendo como um filme colorido. Ali estava, descortinando-se
diante de meus olhos, um panorama parecido com o nosso, do Brasil. O nordeste
brasileiro e o sudeste indiano davam-me a impressão de terem sido criados
juntos , terras irmãs separadas por muitos mares.
A volta às minhas origens
históricas começava a se delinear na tropicalidade daqueles campos. A chegada à
Goa, onde os portugueses estabeleceram uma pequena colônia durante a expansão
de seu império, foi para mim um toque de consciência. Andava pelas ruas
sentindo-me em casa, em cada esquina enxergava as cidades históricas de Minas
Gerais. Ouro preto, Diamantina, Sabará, Tiradentes, Congonhas do Campo. Os
mesmos colonizadores da região do Minho, em Portugal, passavam algum tempo na
Índia, para depois se deslocarem para o Brasil. Levavam e traziam sementes de
frutas. Os goeses festejam o carnaval e cantam serenatas como em Diamantina.
Em Goa eu me sentia em casa. As pessoas são
amáveis, acompanham os visitantes, convidam-nos para jantar, levam-nos aos
concertos e recepções.
Fiquei conhecendo de
perto a vida de uma aldeia goesa. O governo de Goa, naquela época, era
socialista e a divisão de terras propiciava muitas desavenças. O sistema de
castas, de origem hindu, prevalecia até nas famílias católicas.
A influência de
Portugal na cultura goesa durou quatro séculos e meio, de 1510 a 1961. Ali foi criada
a primeira imprensa do Oriente com o objetivo de expandir o Cristianismo e, ao
mesmo tempo, divulgou a espiritualidade da Índia na Europa. Depois da retomada
de Goa pelo governo da Índia, em 1961, os portugueses regressaram a Portugal e
a ex-colônia perdeu o intercâmbio com o continente europeu.
Goa desempenhou o papel
de unificadora de duas civilizações. Navios chegavam da China, trazendo coisas
fantásticas do Extremo-Oriente: louças chinesas, caixas, arcas de madeira e
biombos trabalhados. O comércio intensificou a construção dos templos,
promovendo a integração no campo das artes. Artesãos goeses que trabalhavam nas
igrejas davam um cunho local à decoração. Os símbolos hindus eram substituídos
por símbolos cristãos, mas a decoração e os arabescos conservavam as
características orientais.
Muitas vezes, as
igrejas cristãs erguiam-se nas ruínas das mesquitas e dos templos hindus, mas
eram conservados detalhes da antiga construção. (Trecho de diários de viagens à
Índia, épocas diferentes)
*Fotos da internet
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segunda-feira, 1 de maio de 2017
HISTÓRIA DA ÍNDIA CONTADA POR UM DENTISTA
Agora, sentadas em seu consultório, muito bem
montado e com uma limpeza extraordinária (os sapatos ficam do lado de fora,
como nos ashrams), ele nos ensina a história de seu povo de forma espontânea e descompromissada,
muitas vezes contradizendo aqueles que escreveram a história.
“Estamos na região Tamil Nadu, nos diz ele, cuja
história remonta há mais de 6000 anos. A região tem a língua mais antiga da
Índia, onde residia um povo de pele escura, conhecido como “davidiam”.
Esse povo desenvolveu uma cultura própria,
profundamente ligada à natureza. Adorava os 4 elementos da matéria: a terra, a
água, o sol (fogo), o vento (ar).
A trindade hindu Brahma, Vishnu e Shiva já era
reverenciada por esse povo antigo. O Dr. K. V.
tomou um papel de seu bloco e desenhou para nós o mapa da Europa,
França, Itália, Rússia.
“Aqui nesta região do Cáucaso viviam os arianos,
juntamente com os semitas e os ciganos (nômades).
Uma parte dos arianos era tipicamente nômade. Algumas
dessas tribos atravessaram o Cáucaso através da Turquia e da Pérsia e chegaram
ao Vale da Índia, 3000 anos antes de Cristo. Vinham da Ásia Menor caminhando
até o Paquistão e Kashmir. Ali encontraram as antigas civilizações de Harappa e
Mohenjodaro, com descobertas próprias nos campos da ciência e artes.
Não se sabe porque aquelas cidades foram
abandonadas. Os arianos tinham sua própria filosofia recebida diretamente dos
extraterrestres. Reuniam-se em grupos e entoavam hinos a fim de elevar os
devotos até os deuses.
Esses livros denominados “Vedas” podem se dividir em
Rig-Veda, Yajur-Veda, Soma-Veda e Athana-Veda. Os primeiros hinos Rig-veda não
mencionam Brahma, Vishnu e Shiva, que mais tarde foram assimilados das
civilizações primitivas já residentes na Índia antes da chegada dos nômades. O
culto a Shiva é o mais antigo culto da Índia e até hoje perdura, não só nos
povos do sul, como também nos templos de Kajurao, na região do Rajastão e no
norte da Índia, em Kashmir.
Quando os arianos chegaram à Índia, já encontraram
essa civilização inocente, diretamente ligada a Deus.” (Trecho de diário à
Índia, Chenai, 1993)
*Fotos da internet
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