Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
segunda-feira, 26 de junho de 2017
KAJURAHO II
Encontro com jovens em Kajuraho.
-“Você parece Indira Gandhi”, me diz um deles.
Muitas vezes já me acharam parecida com Indira, primeira ministra da Índia,
falecida tragicamente. Realmente, brasileiros e indianos muitas vezes se
parecem.
Depois, quando me dirigi ao templo de Shiva para a
cerimônia vespertina, ali estavam também os jovens, batendo os sinos e tocando
tambores. Shiva faz mover o passado para recriar um novo ser assim como o sol
se põe sobre os templos, terminando o ciclo de um dia.
Templo de Shiva, toque de sinos, um enorme Shiva
Lingam ao centro do espaço circular, onde se encontra assentado um swami
vestido de amarelo. O monge não fala inglês, mas tenta ler minha mão, o olhar
penetrante atravessa as fronteiras da palavra, penetra num plano onde não
existem diferenças linguísticas. Adivinho o que ele quer dizer, ou antes,
penetramos juntos no mesmo inconsciente onde as coisas se integram. Os sinos
tocam, os fiéis se aproximam, a energia vibra intensamente dentro do templo. Há
chocalhos, trombetas e até de uma concha se tira o som. A energia de Shiva é
forte, sentimos o som nos atravessar a pele, penetrar nos ouvidos, no corpo
todo. “Om na ma Shivaia”.
“Venho aqui buscar a felicidade”, confessa o indiano
ao meu lado.
Jovens e velhos se reúnem às sete horas no Templo de
Shiva – reverenciam o swami, tocam os dedos nas cinzas, colocam cinzas na
testa. Os sinos, os incensos e as cinzas nos fazem lembrar as cerimônias
cristãs da Semana Santa. O ritual nos acorda para um ecumenismo religioso, onde
os elementos da matéria – a água, o fogo, as cinzas, são usadas para
reverenciar aquela energia que criou a matéria. (Trecho de diário de viagens,
década de 80)
*Fotos de arquivo e da internet
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terça-feira, 20 de junho de 2017
KAJURAHO I
Hoje em Kajuraho, mais um toque de vida. Percorrendo
um museu de arqueologia da seita Jain, nos arredores da cidade, encontrei a
fotografia de uma pedra gravada alguns séculos antes de Buda. A pedra
representa dois pés, um virado para um lado e o outro para o outro lado, com
uma serpente de duas cabeças em torno, exatamente igual aos pés do Maurício no
meu livro “Os caminhos da arte”. Realmente fiquei emocionada com a descoberta e
procurei saber de um guia local a explicação para esta simbologia.
- “Vários monges se reuniram em meditação e quando
se liberaram, gravaram na pedra estes pés.”
A explicação me pareceu satisfatória, mas, logo em
seguida, fui encontrá-la na figura de um enorme Buda em posição de lótus. Os
pés nesta posição ficam também com as plantas viradas em posições opostas.
Voltei para casa a fim de refletir sobre o
acontecimento. Não existe realmente nada de novo sobre a face da terra, as
pessoas sensíveis encontram simplesmente o que já existe dentro delas e também
existe dentro de todo ser humano.
Andando sozinha em volta de um templo de Kajuraho,
vou contemplando as figuras esculpidas nas paredes que representam os degraus
de evolução do Ser Humano. Na nossa vida não existe uma programação cronológica
para as experiências. Elas têm de ser vividas ou compreendidas em seu
significado mais profundo. Aparentemente os templos parecem eróticos, mas na
realidade, se contemplarmos com atenção dali podemos tirar uma grande lição de
vida. Isto porque às vezes muita coisa ficou para ser vivida e como foi
reprimida é colocada nos depósitos do inconsciente, constituindo uma energia
nociva. Contemplo e rodeio o templo com um caminhar lento, enquanto lá no céu o
sol se põe em toda a sua majestade.
Contemplo as figuras e depois o por do sol, até que
alguma coisa encontra ressonância dentro de mim.
Alguma coisa ligada ao meu passado vem à tona. Um
grupo de rapazes se acerca e tenta explicar com a maior naturalidade onde estão
os deuses com suas esposas e a postura tântrica das imagens. Não existe maldade
nas explicações. A vida para eles não é reprimida e o fato de contemplar os
vários estágios da evolução dá-lhes a possibilidade de uma visão global do
itinerário do homem sobre a terra e da meta a ser alcançada.
Na realidade, ali estão os templos, ali está o sol
se pondo e a lua surgindo no céu. (Trecho de diário de viagens, década de 80)
*Fotos de arquivo e da internet
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segunda-feira, 5 de junho de 2017
MEMÓRIAS DE GOA III
Há poucos anos atrás esta praia era quase selvagem.
Depois que os turistas estrangeiros descobriram este paraíso, tudo mudou. Sol
tropical, coqueiros, canoas de pescadores. Os pescadores descobriram que vender
cerveja na praia dá mais dinheiro do que pescar. Coca cola, Pepsi, barracas
coloridas denunciam a presença de americanos e alemães. Sob as barracas vejo
pernas brancas vindas da Europa, enormes seios nus. A mulher está à vontade e
fuma. Ninguém liga. O sol tropical abençoa todos, pretos, brancos, amarelos. Os
portugueses no Brasil geraram os mulatos, aqui na Índia se misturaram com os
indianos de pele morena. Hoje a lembrança da conquista portuguesa ainda está na
memória dos mais velhos. Os novos só falam inglês. Tentei falar por telefone com
um arquiteto meu amigo – “Então, retornaste à Goa? Vieste para o carnaval?”, me
pergunta ele.
Do outro lado do fio, uma voz alegre.
Ele é um dos grandes amigos que a gente faz nas
viagens, dessas amizades que nunca se acabam. Saía comigo para correr igrejas,
monumentos, paisagens. Em seu restaurante reuniam-se os intelectuais de Goa,
escritores, poetas, artistas. Conheciam alguma coisa sobre o Brasil, aqueles
irmãos que também nasceram da mistura de raças, miscigenação curiosa. “Os
portugueses mataram os mouros que aqui estavam em sangrentas batalhas. Chegaram
a estas terras com as velas arrogantes dos conquistadores. Os homens morreram,
as mulheres ficaram: Casem-se com as viúvas, ordens vindas de Portugal.”
Não foi difícil para eles organizarem aqui novas
famílias, as viúvas eram belas e submissas. Aqui também chegaram em navios
portugueses, dois dos mais conhecidos inconfidentes mineiros. As sentenças de
morte em Ouro Preto transformaram-se em sentenças de vida na Índia. Novos
amores, novas famílias. Seus descendentes aqui estão, não posso dizer onde, mas
consigo descobri-los no olhar sorridente dos goeses.
A praia tropical banhada
de sol é uma benção para todos. As velas dos navios portugueses se transformaram
em barracas anunciando coca cola e Pepsi. No momento a expansão portuguesa
cedeu lugar à expansão americana.
Este meu amigo é uma pessoa bem sucedida, com toda
uma bagagem de sucessos em seu currículo. Veio me visitar, trazendo uma mocinha
como companheira. Levou-nos a restaurantes, estava doente com diabetes, mas não
acreditava na medicina.
Em seus 60 anos de vida não aprofundou em nada que o
elevasse.
“Você não bebe nem fuma haxixe?”, me pergunta o meu
amigo.
As lentes da memória conseguem reduzir os fatos ou
ampliá-los. A memória nos faz ver as coisas distorcidas. Há sempre uma projeção
de quem pergunta. Uma projeção de si mesmo, de suas frustrações, sua angustia
ao perceber a chegada da velhice, as primeiras rugas, os cabelos brancos. O
presente parece ser compensado com a presença de uma jovem companheira, mas o
simples fato de procurar fora o que deveria ser uma busca dentro de si mesmo, destrói
a ligação direta com o Todo. Estar ligado ao Todo, à fonte perene de onde emana
a energia de transmutação e destruição, nos permite acompanhar as mudanças da
vida, sem traumas. A bebida, as drogas, criam novas ilusões e novas
dependências. Ali, o prazer se manifesta num momento, para depois se reverter
em dor.
A presença da jovem alivia a proximidade da velhice.
“You make me feel so Young” – canta Frank Sinatra no
cassete dentro do restaurante.
O casal sai para dançar – “Garota de Ipanema” de Tom
Jobim, cantada em inglês. Ele é divorciado, ela casada com outro, mas se
encontram para passeios. O marido permite desde que ela volte para casa à
noite. Mora numa cidade perto, e, às vezes às 3, 4 horas da madrugada ela volta
sozinha de taxi. Nunca vi disso na Índia. Acho que este casal está inaugurando
um novo modo de viver. Ela viveu com o marido desde os 17 anos, sem casar.
Resolveram casar e tudo deu errado. Agora está tentando buscar a figura do pai num
relacionamento perigoso. Existem pessoas que só gostam de conviver com o
proibido, numa ânsia de agredir a sociedade.
*Fotos da internet
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