Há poucos anos atrás esta praia era quase selvagem.
Depois que os turistas estrangeiros descobriram este paraíso, tudo mudou. Sol
tropical, coqueiros, canoas de pescadores. Os pescadores descobriram que vender
cerveja na praia dá mais dinheiro do que pescar. Coca cola, Pepsi, barracas
coloridas denunciam a presença de americanos e alemães. Sob as barracas vejo
pernas brancas vindas da Europa, enormes seios nus. A mulher está à vontade e
fuma. Ninguém liga. O sol tropical abençoa todos, pretos, brancos, amarelos. Os
portugueses no Brasil geraram os mulatos, aqui na Índia se misturaram com os
indianos de pele morena. Hoje a lembrança da conquista portuguesa ainda está na
memória dos mais velhos. Os novos só falam inglês. Tentei falar por telefone com
um arquiteto meu amigo – “Então, retornaste à Goa? Vieste para o carnaval?”, me
pergunta ele.
Do outro lado do fio, uma voz alegre.
Ele é um dos grandes amigos que a gente faz nas
viagens, dessas amizades que nunca se acabam. Saía comigo para correr igrejas,
monumentos, paisagens. Em seu restaurante reuniam-se os intelectuais de Goa,
escritores, poetas, artistas. Conheciam alguma coisa sobre o Brasil, aqueles
irmãos que também nasceram da mistura de raças, miscigenação curiosa. “Os
portugueses mataram os mouros que aqui estavam em sangrentas batalhas. Chegaram
a estas terras com as velas arrogantes dos conquistadores. Os homens morreram,
as mulheres ficaram: Casem-se com as viúvas, ordens vindas de Portugal.”
Não foi difícil para eles organizarem aqui novas
famílias, as viúvas eram belas e submissas. Aqui também chegaram em navios
portugueses, dois dos mais conhecidos inconfidentes mineiros. As sentenças de
morte em Ouro Preto transformaram-se em sentenças de vida na Índia. Novos
amores, novas famílias. Seus descendentes aqui estão, não posso dizer onde, mas
consigo descobri-los no olhar sorridente dos goeses.
A praia tropical banhada
de sol é uma benção para todos. As velas dos navios portugueses se transformaram
em barracas anunciando coca cola e Pepsi. No momento a expansão portuguesa
cedeu lugar à expansão americana.
Este meu amigo é uma pessoa bem sucedida, com toda
uma bagagem de sucessos em seu currículo. Veio me visitar, trazendo uma mocinha
como companheira. Levou-nos a restaurantes, estava doente com diabetes, mas não
acreditava na medicina.
Em seus 60 anos de vida não aprofundou em nada que o
elevasse.
“Você não bebe nem fuma haxixe?”, me pergunta o meu
amigo.
As lentes da memória conseguem reduzir os fatos ou
ampliá-los. A memória nos faz ver as coisas distorcidas. Há sempre uma projeção
de quem pergunta. Uma projeção de si mesmo, de suas frustrações, sua angustia
ao perceber a chegada da velhice, as primeiras rugas, os cabelos brancos. O
presente parece ser compensado com a presença de uma jovem companheira, mas o
simples fato de procurar fora o que deveria ser uma busca dentro de si mesmo, destrói
a ligação direta com o Todo. Estar ligado ao Todo, à fonte perene de onde emana
a energia de transmutação e destruição, nos permite acompanhar as mudanças da
vida, sem traumas. A bebida, as drogas, criam novas ilusões e novas
dependências. Ali, o prazer se manifesta num momento, para depois se reverter
em dor.
A presença da jovem alivia a proximidade da velhice.
“You make me feel so Young” – canta Frank Sinatra no
cassete dentro do restaurante.
O casal sai para dançar – “Garota de Ipanema” de Tom
Jobim, cantada em inglês. Ele é divorciado, ela casada com outro, mas se
encontram para passeios. O marido permite desde que ela volte para casa à
noite. Mora numa cidade perto, e, às vezes às 3, 4 horas da madrugada ela volta
sozinha de taxi. Nunca vi disso na Índia. Acho que este casal está inaugurando
um novo modo de viver. Ela viveu com o marido desde os 17 anos, sem casar.
Resolveram casar e tudo deu errado. Agora está tentando buscar a figura do pai num
relacionamento perigoso. Existem pessoas que só gostam de conviver com o
proibido, numa ânsia de agredir a sociedade.
*Fotos da internet
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