Do
outro lado da rua havia uma loja de flores. Já havíamos percorrido a cidade
toda atrás dessa loja e sempre a mesma resposta: “Não temos sementes à venda”.
A loja de flores em frente ao Sena vendia sementes de todas as qualidades.
Imaginei o Retiro das Pedras cheio de flores azuis, vermelhas, amarelas, vindas
da França....
Era preciso atravessar a rua para alcançar aquela loja. Hora do
rush, carros parados, sinal fechado para eles. Resolvemos atravessar a rua ali
mesmo, ente os carros parados, à espera do sinal verde. O caminho era estreito,
mas dava passagem para um de cada vez. Hesitei ao primeiro instante. “Será que
dou conta?” ”Vem, dá tempo”. As outras foram na frente, resolvi ir também.
Olhei para o outro lado da rua, naquele momento percebi que a rua era larga,
teria de andar depressa. Estava com um tênis novo, o numero acima do meu. Tênis
folgado não dá para andar depressa.
Fiquei
aflita, não vi a hora nem por quê. Tropecei e caí. Só me lembro de ver um carro
à minha frente com um para-choque enorme perto de minha cabeça, como uma
guilhotina. Do outro lado do Sena Maria Antonieta fora guilhotinada um dia. A
dor na testa me dizia que eu caíra de cabeça no asfalto, a dor no joelho
anunciava que a perna também sofrera.
Só tive tempo de buscar meus óculos que haviam sido jogados à altura das mãos,
no asfalto quente de Paris. A loja de flores estava em frente à nossa espera.
Fomos para lá. Sentei-me atordoada num banco que o dono da loja me deu. Solícito,
foi buscar água para eu beber. Eu estava em
estado de choque. Naquela hora, percebi a solidariedade dos franceses. “Deixa por
minha conta, nos disse o dono da loja, vou acessar o corpo de bombeiros.
“Minha
cabeça doía e, ainda atordoada com a queda, comecei a escutar as sirenes
tocando cada vez mais alto.. Os bombeiros estavam se aproximando.
Só
me lembro de vários olhos azuis me atendendo e mãos me enfaixando a perna
depois de derramar iodo. Lembrei-me da infância – todas as quedas eram curadas
com iodo. Os bombeiros fecharam a mala azul dos primeiros socorros, guardaram a
maca e me deram alta ali mesmo, na loja de flores. As sementes não foram
compradas, não havia clima para isso, mas o cheiro de flores e a solidariedade
daqueles franceses nunca serão esquecidos. Era o nosso último dia em Paris,
viajei para o Brasil com o joelho enfaixado e um galo na testa. Comprei arnica
C5 na farmácia em frente e fui tomando 3 glóbulos de hora em hora para evitar
hematomas futuros.
A
notícia de meu último tombo em Paris
circulou entre os amigos como um evento a mais no meu currículo. As pessoas tinham
sempre um caso para contar sobre tombos. “Meu pai caiu no banheiro quando
viajava e quarenta dias depois começou a
ficar esquisito, esquecendo tudo...Teve que ser operado na cabeça.
Fiquei
ciente dos sintomas: dor de cabeça alucinante, vômitos. Diante daquelas
referencias, eu também acordava com dor de cabeça e enjôo.
“Dor
de cabeça não tem importância, só se ela for de madrugada!... e era justamente
de madrugada que vinha a dor.
Fiquei
dias à frente do fogo, sem sair da minha casa no Retiro das Pedras, esperando a
tão temida “demência” resultante de choque na cabeça...Ainda faltava muito
tempo para terminar meu estado de observação. Falaram-me até em sessenta
dias... Perguntei a uma pessoa “Você está me achando esquisita?” ”Ora, você
sempre foi”.
Então
desisti de esperar e resolvi aceitar o convite do Artur para viajar com o grupo
UAKTI pelas montanhas do Rio: Teresópolis, Nova Friburgo e depois Rio de
Janeiro. Acompanhei os músicos, o grupo brilhou nas alturas, sob o maior frio
do ano – trazendo instantes de grande beleza para uma platéia jovem e
entusiasmada.
Nada
como um dia depois do outro, com eventos sucessivos, os positivos encobrem os
negativos. Fiquei boa sem tomar remédio, só substituindo as cenas no panorama
da vida.
*Fotos
da internet
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