terça-feira, 9 de outubro de 2018

FRATERNIDADE SEM FRONTEIRAS


Recebi de minha sobrinha Regina Caram, o relato abaixo, de sua experiência recente como médica, nos acampamentos que recebem refugiados venezuelanos em Roraima.

“A Fraternidade sem Fronteiras (FSF) tem o objetivo de atender demandas sociais extremas, sem distinção de raça, cor, nacionalidade, tendência política ou religiosa.
Fiquei sabendo da existência desta organização no início de 2018, quando recebi um vídeo com o depoimento de uma médica sobre sua visita a um projeto da FSF na África. Músicas, depoimentos, pessoas de vários lugares do mundo que são assistidas. Como na África, por exemplo. A cada momento me sentia mais irmanada, mais UBUNTU (o que é meu, é seu, é nosso, é de todos).
Conversei com Alba (venezuelana) e Vanessa (Roraimense), que contaram sobre o “Brasil, um coração que acolhe”.

Já em casa, entrei no site para conhecer melhor a “Fraternidade sem fronteiras”. A organização se mantém graças ao apadrinhamento que as pessoas fazem para os projetos, recursos doados para um certo número de pessoas por um período determinado.

Soube de caravanas que partem para Roraima, a fim de dar assistência aos venezuelanos.

Saí de madrugada, peguei o avião em Confins e chagamos a Boa Vista no início da tarde. Apenas deixamos as malas no hotel e fomos para o Centro de Acolhimento da Fraternidade, bastante distante do Centro da Cidade. Atravessamos muitas ruas alagadas e, se não estivéssemos no caminhão do exército, a chegada teria sido bem mais difícil. Como levávamos muitas doações, as malas foram em outro caminhão.
O exército está apoiando os acampamentos oficiais, hoje 9, alguns mais tranquilos e outros mais agitados.
O da Fraternidade, segundo relatos, é o mais bem estruturado. Tem água, luz, cozinha, telhado, onde colocaram as 100 barracas doadas, uma por família. Os acolhidos fazem tudo, da limpeza à comida. E devem manter a ordem do lugar. Porém as pessoas ficam bastante ociosas, e é possível ocupá-las com as oficinas profissionalizantes.

Recebemos as boas vindas do Wagner (este ser de luz que resolveu dar uma passadinha pela terra) e dos acolhidos. Wagner fez uma mini palestra enfatizando a questão da Irmandade/ Fraternidade entre os homens. Explicou a filosofia UBUNTU, que pode ser resumida e exemplificada pela história de crianças que foram desafiadas a correrem para pegar um cesto com balas embaixo de uma árvore. Quem ganhasse a corrida, ganharia o cesto. Elas se deram as mãos, foram juntas e dividiram as balas.
Wagner começou a Fraternidade sem Fronteiras há 9 anos na África. Parece um gnomo, anda firme e calmamente, te olha nos olhos quando conversa, te acolhe de todas as formas e te chama pelo nome, que ele faz questão de perguntar quando não sabe. Tem 44 anos.

No primeiro dia de atendimento, numa coberta de madeira foram colocadas mesas e cada  ponta de mesa era um consultório. Pessoas faziam cadastro, outras triagem e nós éramos responsáveis pelas consultas médicas. Muitos casos de tristeza, angustia e ansiedade. Por falta de medicamentos utilizei técnicas de relaxamento, respiração e Thetahealing.

A maioria das pessoas deste centro tinham emprego e uma vida estável na Venezuela. Encontrei eletricistas, marceneiros, serralheiros, cozinheiros, recepcionista de hotel, jornalista. Cada acolhido daria um livro de histórias. Ficaram sem condições de sustentar a família e vieram para cá em busca de esperança. Imploram por serviço, querem sair de Boa Vista e entrar no mercado de trabalho. Muita tristeza e muito agradecimento.

No segundo dia fomos para um acampamento “não oficial”. É um local onde estão alojados cerca de 200 seres humanos tentando manter um mínimo de sua vida. Prédio público que estava vazio, foi ocupado por eles. Em cada cômodo se alojam 2 ou mais famílias com tudo o que conseguem ter. Não tem água nem luz. Como é muito escuro lá dentro, não conseguimos atender. Colocamos mesas de plástico fora da construção, debaixo de uma mangueira e foi lá que atendemos. Nossa sorte não ter chovido.

No terceiro dia, Wagner começou o dia dizendo que deveríamos “manter a nossa paz”, para conectar o tempo todo com afeto. Termos força para fazer o possível e o necessário. Fomos para as dependências de uma igreja, local que já foi um acampamento e que hoje fornece refeições para as pessoas que estão na rua. O atendimento foi muito intenso e pesado, cada história de cortar o coração. Muita criança desnutrida, homens desesperados, mulheres com problemas venéreos. Até malária. Atendia a queixa, dava um remédio para parasitas e dava um olhar. E uma escuta. Sei que deve ter sido pouco para as necessidades de cada um, mas muito para quem hoje não tem nada.

Doei meu tempo, meu afeto e, no entanto voltei mais rica para Belo Horizonte.
Sou privilegiada.”

*Fotos de arquivo

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