Estamos na primavera. Sobre a terra molhada, o sol
começa a surgir. Surge também, dentro de mim, um novo sol. Lembro-me da
experiência que tive quando li Krishnamurti pela primeira vez. Comprei um
livrinho no aeroporto, estava a caminho de Brasília, que eu iria visitar pela primeira vez em 1973. 17 anos se
passaram. Li o livro durante a viagem e continuei lendo a noite toda até de
madrugada. Quando acabei de ler, o sol nascia, muito vermelho, enorme. Surgia
para sempre, um novo sol dentro de mim.
Krishnamurti nos desperta para sermos nossos
próprios mestres e nossos próprios discípulos. Dispensa todas as seitas e
gurus. O trabalho conosco não é num consultório de análise. É a própria vida
nos ensinando, momento por momento.
“O problema deve ser percebido quando está
acontecendo, não antes nem depois, como memória ou como um exemplo. A percepção
é instantânea; você entende uma coisa instantaneamente ou nunca: o ver, o
escutar, o entender são instantâneos”.
Neste momento estou vendo, escutando e sentindo o
perfume da primavera. Daqui a alguns instantes esta percepção se torna apenas
memória e outra surgirá num novo momento.
A memória é produto da mente, e nos depósitos do
inconsciente procuramos ressurgir o que já morreu. Mas nunca ele nascerá
novamente com a mesma intensidade. Morte e vida são um único movimento. A cada
instante nascemos e morremos.
“A percepção só pode nascer do silêncio e não da
mente falante”.
Somente uma mente quieta pode perceber os movimentos
exteriores e interiores, o que se passa fora e dentro de nós ao mesmo tempo.
O movimento da mão escrevendo, o quarto com duas
camas, livros espalhados, o sol entrando pela janela, pássaros cantando lá
fora, o jardineiro abrindo canteiros. O dia se torna cada vez mais claro e com
a presença do sol, o panorama externo vai mudando momento por momento. Também
internamente, a nossa paisagem muda.
“Estarmos conscientes de nossa desatenção é de
grande importância, não existe método para se estar atento o tempo todo. A
prática de estar atento é desatenção”.
Subimos o morro para ver a paisagem. Há uma floresta
de pinheiros bem no alto e para chegar até lá, passamos por casebres de
camponeses, sempre curiosos da nossa presença. Trazem cadeiras para a gente
sentar e as crianças nos olham com admiração. As camponesas carregam potes
dourados sobre as cabeças e nas orelhas, brincos que refulgem ao sol.
As mulheres na Índia, desde criança, vão guardando
dinheiro para comprar joias que serão dadas como dote quando os pais encontram
um marido para as filhas. Se não tiverem dote, não se casam. Tiramos fotos em
frente às casas, junto às vaquinhas. Nossa caminhada continuou morro acima,
vendo os campos de trigo lá embaixo, como os quadros de Van Gogh. De lá pudemos
ver nossas cabanas espalhadas pelo retiro, cada uma guardando uma presença.
Cada um de nós descobriu o seu pinheiro, na dimensão certa de sua própria vida.
Abracei um deles certa de que era o meu e, quando olhei para cima ele se
desdobrava em muitos galhos. O de Marília Paleta subia sozinho em direção aos
céus.
“ A morte é parte da vida. Pode-se viver com a morte
e entender o significado do fim?”
“Morrer para nossos apegos, nossas crenças”.
Todas essas são frases de Krishnamurti.
(Trecho de meu diário de viagem, 1990)
*Fotos da internet
VISITE TAMBÉM MEU OUTRO BLOG “MINHA VIDA DE ARTISTA”,
CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário