Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
quarta-feira, 27 de novembro de 2019
AS VIAGENS E O “AQUI E AGORA”
Encontrei nos meus arquivos este trecho de um diário
escrito nos anos 80. Segue a transcrição abaixo.
Deixamos Bangalore às 6 da manhã. A quietude do
ashram, o silêncio, o gorjeio dos pássaros. Um pássaro fez as “necessidades” em
minha cabeça, enquanto eu esperava o ônibus.
Crianças, mulheres, homens, moram
em frente ao ashram. Tecem cestos de dia, cozinham à noite, dormem debaixo dos
cestos.
Luta para tomar o ônibus, discussão por causa de
lugar, quase briga. O povo é assim. Ônibus populares são super cheios e saem
por aí balançando com 100 pessoas dentro.
Vim com 3 malas, carregando coisas
desnecessárias, minha segurança, como as tartarugas. Remédios em quantidade.
Deus dá à gente aquilo que a gente precisa no momento e, no momento, por
incrível que pareça, minha segurança está em tomar remédios. Procurando fora o
que vai remediar dentro – remédios, remédios.
Preciso agora me descartar da mania de segurança, de
remédios. Por que tantos embrulhos, pacotes, cobertores? Madras é tão quente,
mas eu quase adoeci, mesmo em Bangalore, com o frio. Agora estou no calor,
lembrando o frio, a chuva de Bangalore. Um ventilador e eu suando, suando. Será
que as doenças não vêm do medo do entorno?
O ashram de Ramana Maharish na cidade de Tiruvanamalai
me deu a lição do que é ser “jnani”, que significa buscar a sabedoria através
do autoconhecimento. “Quem sou eu?” É o mantra repetido por todos. Chegamos às
2 e meia da tarde, cansados, com fome. Fomos recebidos com a maior
cordialidade. Os velhinhos andam quase nus, como Ramana. Um deles veio até nós.
Convidou-nos a fazer nossa inscrição.
Almoçamos sentados no chão e o velhinho nos serviu.
Alto, os pés inchados, os olhos transmitindo paz. Colocou no chão o prato de
folha. Veio um jovem moreno com arroz, verduras, coalhada, leite, água. Há a
preocupação de SERVIR. Reparei isto – poucas palavras, mas o exemplo da
verdadeira “Jnana Yoga”, Yoga da Sabedoria. Tudo é baseado no autoconhecimento.
Somos iguais. O hóspede é visto como parte do Todo – parte de nós mesmos. Outra
nota: primeiro o bem estar do hóspede. Não há uma organização a preservar. Chegamos
com atraso de 2 horas e fomos servidos com o maior carinho.
A tônica é o SILÊNCIO. Escutar o SILÊNCIO. O
conhecimento intelectual nos coloca falando, falando. O conhecimento de nós
mesmos nos conduz ao silêncio. Paz. Não há necessidade de grandes explanações,
mas a gente sabe que ali moram sábios.
*Fotos da internet
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terça-feira, 19 de novembro de 2019
POSTES DE LUZ
Quando eu era menina, gostava de soltar papagaios na
rua. Era um prazer vê-los subir, ganharem os céus, seguirem o vento,
sustentarem-se no ar. Fazíamos nós mesmos os papagaios de papel de seda e a
disputa entre os amigos era de ver quem chegava mais longe, mais perto do céu.
Mas, os postes e fios elétricos significavam sempre a morte dos papagaios.
Impossível salvá-los das correntes elétricas: também havia o perigo de
puxá-los, restava apenas assistir à sua decomposição no tempo, as cores
desbotando com a chuva, as caudas sendo arrancadas pelo vento. Este foi o meu
primeiro contato com os postes da CEMIG.
Depois eles voltaram insistentemente
nos meus desenhos e assumindo significados diferentes de acordo com a época, e
a vivência do momento.
Vieram de longe, acompanhando o meu caminho na arte.
Significavam a cruz da Via Sacra, a forca de Tiradentes, a guilhotina da
Revolução Francesa. Receberam cores nas Cidades Iluminadas e nos barcos,
morreram na minha fase de Guerra.
Em outro painel, realizado para um grupo escolar no
bairro Céu Azul em Belo Horizonte, os postes ganharam um significado lúdico.
Transformaram-se em torres e castelos. Parecem pagodes chineses, lanternas
iluminadas.
As estórias da infância estão sempre exercendo um efeito mágico
sobre minha arte. Relacionei o conteúdo do painel com as mil e uma noites e ele
saiu espontâneo e descondicionado. Não existe separatividade entre o que ficou
marcado na infância e o que estamos vivenciando no presente. Arte e vida estão
ligadas no eterno agora.
*Fotos de arquivo
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terça-feira, 5 de novembro de 2019
GOA ÍNDIA PORTUGUESA XII
Se eu quiser
Que a minha
Energia suba
E se purifique
Não preciso
Fazer ginástica
Nem concentração
Nem respiração.
Apenas paro
E desenho.
Aos poucos
A paz me envolve.
Muitas vezes a
Paz nos chega
De repente
Quando nos absorvemos
Na paisagem.
Quando deixamos
De querer
Alcançar
Qualquer coisa.
Além da mente
Além da mente
No silêncio
Não existe esforço.
A paz nos chega
Como uma benção
No momento devido.
Nesta hora
Somos tudo
E somos nada.
*Ilustrações de Maria Helena Andrés
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