sábado, 26 de fevereiro de 2022

ATELIÊ NA RUA SANTA RITA DURÃO 347

 


Me vejo nos anos  1950, cercada de filhos pequenos, naquela casa da Rua Santa Rita Durão 347, cumprindo a tarefa de esposa, dona de casa, mãe de  6 filhos, sempre acompanhados por primos, filhos de minha irmã, Lourdes.



No quintal desta casa eu aproveitei um barracão para ali fazer o meu ateliê. De lá eu podia observar as crianças brincando enquanto eu pintava minhas “Cidades Iluminadas”.




 Por ali passaram vários críticos de arte, entre eles Mário Pedrosa.

Me lembro das travessuras das crianças, de seus desenhos feitos em papel de radiografia, dos meus desenhos pequeninos feitos a noite, enquanto as crianças dormiam . A mesa da copa era minha prancheta e a copa meu ateliê.  


Não via o tempo passar, estava totalmente concentrada nos desenhos pequenos...Mais tarde eles serviram  de base para os quadros concretistas que eram  feitos noutro ateliê, um barracão no fundo do quintal..

Enquanto isso o Luiz datilografava suas teses da área médica.

Hoje, 60 anos mais tarde, quando estou fazendo as colagens ou desenhos que são releituras da década de 1950, ainda escuto o tic tac da máquina de escrever do Luiz datilografando suas teses.. A minha série dos “Boizinhos” foi considerada pelo crítico do Rio de Janeiro, Antônio Bento, como projetos de escultura em fio de ferro.

Consegui guardar uma boa quantidade de desenhos que se tornaram esculturas e colagens, um resgate do construtivo em minha trajetória.





No meio a esses desenhos destaca -se a série “Via Sacra” em bico de pena. Grande parte dos desenhos foram feitos à noite, na copa, enquanto as crianças dormiam.

Hoje tenho poucos quadros desta fase construtiva.

Os meninos pintavam e bordavam enquanto eu pintava minhas telas. Eu preparava as tintas e eles pintavam os muros daquele fundo de quintal. 60 metros de muro, cercado por outros vizinhos.


Dentro daquele quintal a vida era divertida. Ali estavam plantadas muitas árvores frutíferas. Duas enormes mangueiras, uma parreira sobre um caramanchão, jabuticabeira, limoeiro, bananeira e um pé de fruta do conde. Havia também uma hortinha e um galinheiro. As crianças cuidavam das galinhas como se fossem bebês. Faziam o casamento do galo com a galinha e viam nascer os pintinhos. Uma festa verdadeira. Desenhavam nos muros várias cenas das vidas das galinhas. O contato com a natureza e a possibilidade de criar dava a elas um grande sentido de liberdade, como se estivessem numa pequena fazenda. Maurício e o Pedro, filho da Lourdes, eram da mesma idade. Brincavam juntos naquele quintal.

Um dia resolveram cavar um buraco para chegarem ao Japão. No meio da escavação tive que dar o grito:

" Nem mais um centímetro desse buraco. Chega de Japão."

Tudo era um barro só, as roupas, as pernas, as caras! E como era difícil tirar aquele barro.

Foi quando o Maurício resolveu escalar as mangueiras. Escolheu o seu galho preferido lá nas grimpas. Cada galho tinha um nome e o mais alto de todos era chamado de " Vista maravilhosa".

Dali se avistava o conjunto de prédios situados no centro da cidade.

A Eliana, cujo apelido era Tindô, em vez de escalar árvores, resolveu escalar o muro que dava para o quintal do vizinho. Resultado: caiu do outro lado no quintal de 3 velhas que não sabiam de onde tinha surgido aquela menina. Bateu com a boca no chão e o dente de leite da frente caiu.

Ela ficou então com aquela" janelinha" na boca até os 7 anos de idade.

Enquanto isto eu trabalhava incessantemente no meu ateliê.





 

*FOTOS DE ARQUIVO

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