Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
terça-feira, 31 de março de 2015
EXPOSIÇÃO NA EMBAIXADA DO BRASIL, NO CHILE
No aeroporto de Santiago descemos sozinhas com
nossas malas, eu e Regina Alves. Meus desenhos são observados pelo encarregado
da alfândega, tenho de anunciar que vou fazer uma exposição.
Já estamos rodando sobre ruas chilenas. A sede da
embaixada brasileira é uma casa imensa, decorada com gosto e distinção.
Juita, a embaixatriz, é minha prima e dela partiu o
convite para uma exposição individual em Santiago. Fernando Alencar, o
embaixador, está de cama, foi operado do fígado.
Aos poucos os personagens desta mansão vão
aparecendo, quase todos chilenos, apenas 3 brasileiros. Tudo é calmo e solene
dentro destas imensas paredes e as notícias do Brasil chegam semanalmente, mas
já filtradas pela distancia. As greves e ameaças ficaram para trás e João
Goulart é tido no Chile como um grande presidente. A simpatia de sua estada
aqui, a simplicidade de não exigir nada, é lembrada por todos.
À tarde nos encontramos nos aposentos da embaixada.
Conheço muitos brasileiros e o famoso poeta Tiago de Melo, adido cultural do
Brasil no Chile, um nortista moreno de enormes cabelos, cabeça de Beethoven
brasileiro.
Meus desenhos são desembaraçados da pasta e
espalhados pelos tapetes do quarto. O embaixador escolhe 4 para sua coleção, a
senhora do 1° secretário prefere um azul. E assim, são distribuídos antes mesmo
de serem expostos.
Já arrumei a exposição com a ajuda de Regina e Tiago
de Melo: 22 quadros dependurados em fios de nylon e suspensos no espaço
protegidos por 2 vidros enormes. O catálogo contém versos de Carlos Drummond de
Andrade. Em cada catálogo procuram um poeta que em seu conteúdo transmita uma
mensagem irmã à do artista. Muita honra para mim a afinidade!...
Saímos para uma volta pelas ruas. Os chilenos são
morenos e altos, vestem-se bem encapotados neste inverno, dentro de casacos de
lã. Paramos numa banca de jornal para ler as notícias sobre o Papa, morto às 2
hs e 40 minutos de hoje.
4 de junho
As duas salas do Centro Cultural Brasileiro estão
cheias de quadros meus. Não foi possível um coquetel de inauguração por causa
da morte do Papa, mas assim mesmo lá estavam os artistas e críticos chilenos e
os diplomatas brasileiros.
Puseram-me no meio dos chilenos para fazer
intercâmbio, fizeram-me ser fotografada mostrando os quadros. A receptividade
parece ter sido boa, pois compraram-me quase a exposição toda. Lembro-me de
Washington, Nova York e todas as outras exposições no Brasil.
O intercâmbio Cultural feito por Fernando e Tiago
tem dado excelente resultado. A galeria é simpática e central e ali se reúnem
os artistas para bater papo todas as noites de 6 às 8. Brasileiros e chilenos
se confraternizam no mesmo ideal comum, trazendo em sua mensagem de arte, toda
a aspiração de um povo sensível e humano. Os quadros são trocados entre os
artistas e vendidos aos ricos da terra. O intercâmbio traz um laço de amizade
entre os povos vizinhos separados pela cordilheira. Os meus ficarão no Chile,
entre apreciadores de arte, e outros seguirão rumo a novas terras, carregados
pelos diplomatas, que já possuem uma verdadeira galeria ambulante. No próximo
mês já serei conhecida em Roma e Beirute, simultaneamente... (Trecho do diário
de viagem ao Chile, 1963)
Transcrevo abaixo trechos do “Estatuto do Homem”, de
Tiago de Melo:
ESTATUTOS
DO HOMEM
(Thiago de Melo - trecho)
Art. 1º
Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida,
e que de mãos dadas
trabalharemos todos pela vida verdadeira.
Art. 2º
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.
Art. 3º
Fica decretado que a partir deste instante
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra,
e que as janelas devem permanecer o dia inteiro
abertas para o verde, onde cresce a esperança.
Art. 4º
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem,
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo único
O homem confiará no homem
como um menino no outro menino
*Fotos da internet
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DE ARTISTA”, CUJO LINK ESTÁ NESTA PÁGINA
quinta-feira, 12 de março de 2015
MEMÓRIAS DE UM CAVALETE
No sábado, 28 de
fevereiro, houve uma performance na
nossa fazenda em Entre Rios de Minas. Performance
é um acontecimento que os artistas promovem para marcar eventos importantes, trabalhar
o corpo e dar um toque de consciência
nas pessoas. A performance é uma cena
única, imediata. Sua função é de atuar no aqui e agora.
Não tendo podido
comparecer ao acontecimento procurei senti-lo à distância, através de fotos e
depoimentos. A performance realizada
no pátio de nossa fazenda foi organizada por Jayme Reis, Marília Andrés e Pedro
Ariza Gonzàlez. Fizeram uma fogueira das coisas velhas, papéis, telas que não
deram certo e até um cavalete fora de uso, sustentando uma tela pintada por
Jayme Reis com uma figura ao estilo de Picasso. Fiquei pensando na trajetória
de meu cavalete que já prestou muito serviço e amparou muitos sonhos. Para que
serve um cavalete? Hoje em dia, com a ampliação dos quadros para dimensões
maiores, o cavalete vai caindo em desuso.
Lembro-me de um
cavalete portátil que eu tive quando ainda estudava na Escola Guignard.
Instalei o meu pequeno cavalete em cima da grama sustentando uma tela. O
cavalete não parava em pé e eu tentava pintar assim mesmo. De repente ouvi uma
voz atrás de mim: “Deste jeito é difícil pintar!” Olhei para trás, era o
Roberto Burle Marx me aconselhando... Naquele tempo os grandes nomes da pintura
vinham conversar com o Guignard e aconselhar suas alunas...
Agora, o meu último
cavalete foi queimado na performance juntamente
com a figura de Picasso feita por Jayme Reis, denominada The Last Picasso. A cena foi
incrível, o céu estrelado assistiu tudo e a fogueira consumiu o quadro e o
cavalete reduzindo a cinzas um pouco do meu passado. A idéia da queima foi
importante para o meu aprendizado de desapego. O cavalete foi queimado e com
ele uma série de histórias. Agora, de uns tempos para cá não uso mais
cavaletes. Coloco a tela no chão e vou pintando com uma vassoura de espuma. Há
muito tempo deixei os pincéis, eles são usados somente para assinatura. Na
década de 1960 substitui os pincéis pela esponja e o cavalete também perdeu o
seu uso. A performance no pátio da nossa casa em Entre Rios de Minas foi de
grande importância para mim, um aprendizado de vida. A queima do cavalete
simbolizou a libertação do suporte. Cavalete é o suporte tradicional da pintura
desde o renascimento e este cavalete virando cinzas mostrou a transformação que
já estava ocorrendo na minha arte: novos meios de expressão vieram à tona tais
como as pesquisas na Índia, a publicação de livros, a escultura, a fotografia e
os blogs na internet. A vida e a arte
continuam o seu caminho.
*Fotos de Eymard
Brandão, Jayme Reis, Pedro Ariza e Marília Andrés
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terça-feira, 3 de março de 2015
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