Artista plástica, ex-aluna de Guignard. Maria Helena Andrés tem um currículo extenso como artista, escritora e educadora, com mais de 60 anos de produção e 7 livros publicados. Neste blog, colocará seus relatos de viagens, suas reflexões e vivências cotidianas.
terça-feira, 24 de novembro de 2015
PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS NO ORIENTE
Incentivada por meu marido, que sempre me deu apoio
nas minhas iniciativas, embarquei em 1970 rumo ao Oriente. Visitei o Japão, a
China, a Tailândia e a Índia, integrando um grupo turístico que se dirigia à
Expo 70.
Chegando à Índia, fui convidada pelo então
embaixador do Brasil, Wladimir Murtinho, para permanecer em Nova Delhi. A
esposa do embaixador fazia meditação e era ligada à filosofia dos yogues.
“Quando voltar à Índia, não deixe de visitar
Pondicherry, na Índia Francesa”, me disse ela.
Ali, com apoio da UNESCO, existe uma comunidade onde
se desenvolvem as ideias de Sri Aurobindo, um dos maiores mestres indianos. O
Yoga Integral de Sri Aurobindo prepara o homem do futuro. É uma experiência
extraordinária de educação pela arte, visando o despertar de uma nova
consciência.
A Índia deixou de ser um ponto a mais no meu roteiro
turístico. Alguma coisa me atraía àquele país como se fosse um reencontro com
um passado longínquo. Visitei um templo em Delhi e um monge percebeu o meu
interesse, presenteando-me com uma pilha de livros de Ramakrishna e
Vivekananda, que me desvendaram pela primeira vez o mistério dos Yogues. Entre
eles estava um pequeno exemplar do Bhagavad Gita, livro sagrado da Índia.
Voltando ao Brasil, ingressei no curso de yoga do
professor George Kritikos e frequentei seu grupo de meditação. Mergulhei na
leitura dos mais variados livros de filosofia oriental, do Zen-budismo aos
mestres de Vedanta, da Teosofia a Krishnamurti. Tomei consciência de que realmente
pertencemos a um Todo, que viemos de uma Essência e a Ela vamos retornar.
Em 1974, durante uma retrospectiva de meus quadros
no Museu de Arte Moderna de Belo Horizonte, pude fazer uma leitura cronológica
do caminho percorrido pela minha pintura, desde os primeiros quadros
figurativos até a integração de todas as fases nas mandalas. Inconscientemente
eu já revelara em meus quadros a necessidade de integração e de síntese. Nessa
época percebi por insight o roteiro de
“Os Caminhos da Arte”, livro publicado pela editora Vozes em 1977. O resumo mostra
o caminho de volta à Consciência Cósmica, através das diversas formas de expressão artística,
em termos planetários.
A partir de 1977 comecei periodicamente a visitar a
Índia, procurando desenvolver pesquisas no campo da arte, da educação e da
história, com base na filosofia oriental. “Deixa ao senhor o cuidado de ti”.
Essa frase, escutada no silêncio de uma madrugada, foi de certo modo a minha
bússola durante as diversas viagens. Procurei seguir a intuição sem traçar
planos. Visitei escolas, comunidades, anotando, em forma de diário, as minhas impressões
e experiências. Meu Caminho da Índia é uma reconquista da sabedoria que
perdemos pelo excesso de materialismo. Aprendi escutando a voz do povo,
participando de congressos, pronunciando palestras, realizando estudos
comparativos entre o Brasil e a Índia e observando os diferentes costumes das
diversas regiões por onde passei.
Os ensinamentos orientais não me acenavam como uma
nova religião, mas significavam a redescoberta de conhecimentos que já existiam
dentro de mim. Esses ensinamentos não são privilégio de um só país ou de uma só
raça. Eles existem dentro de todo ser humano e estão guardados no silêncio de
nossa consciência. O meu objetivo era
redescobrí-los através da minha própria experiência de vida.
O encontro das diversas mensagens nos campos da
arte, da filosofia, da religião e da ciência soava nos
meus ouvidos como uma única voz. O oriental busca, antes de tudo, através da
meditação, experimentar dentro de si mesmo sua Realidade Interna, que
ultrapassa os conceitos da mente. Ao percorrer várias comunidades
espiritualistas, desde os monges budistas no alto dos Himalaias até os mais
variados ashrams da Índia, sentia a mesma verdade fluindo de diversas formas.
Existem inúmeros mestres e caminhos, mas a minha abordagem focaliza apenas os
que tive a oportunidade de conhecer de perto ou que me tocaram através de seus
ensinamentos.
*Fotos da internet
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terça-feira, 17 de novembro de 2015
INÍCIO DO INTERESSE PELO ORIENTE
Meu interesse pelo Oriente nasceu na infância, quando escutava
deslumbrada as histórias de Mil e uma noites, Simbad, o marujo e as viagens de
Marco Polo. Da Índia me vieram, mais tarde, na adolescência, os versos de Rabindranath
Tagore, o grande poeta e místico indiano. A poesia de Tagore me despertou para
a filosofia daquele país situado no outro lado do mundo.
Em 1961, recebi um convite do Consulado Americano em Belo Horizonte,
como artista e professora de arte para visitar os Estados Unidos num programa
cultural que incluía visitas a escolas de artes, museus, galerias e contatos
com artistas de vanguarda da época.
Naquela ocasião, ao visitar a costa oeste americana, Seattle, San
Francisco e Los Angeles, tomei contato direto com a influencia oriental -
chinesa, japonesa, indiana, na arte ocidental. Em San Francisco, escrevi no meu diário
em 13 fev 1961: "Percorremos a cidade. Fomos a
todos os recantos pitorescos, percorremos colinas, estacionamos em lugares altos para ver a vista. A paisagem é deslumbrante, lembra muito o Rio de Janeiro, tive saudades do Brasil quando vi os navios chegando. Saudades da minha terra e das belezas que também possuímos. Os navios não vem da
Europa, mas da Ásia. São navios japoneses, Filipinos, Chineses, Indianos. Vêm de longe, trazendo coisas diferentes
que serão misturadas à cultura ocidental para desta mistura fazer uma só civilização."
Visitando um jardim japonês: "Tudo ali é inspirado no Japão. As
flores, os pequenos lagos, os quiosques e templos. No meio da vegetação,
imagens de Buda e outros deuses, tudo disposto com
carinho e arte."
Em visita à China town de San Francisco em 19 de fevereiro:
"O oriente me fascina. Como tudo é estranho, misterioso, os menores
objetos têm um cunho de beleza e arte!"
Observando a paisagem da California: “A terra da Califórnia é a mesma do
Brasil, mais urbanizada. As árvores são verdinhas, vejo eucaliptos, coqueiros.
Há cerejeiras importadas do Japão, colorindo a paisagem."
No museu de Seattle: "O museu fica situado no centro de um parque, no estilo do Metropolitan de New York. É maravilhosa a coleção que têm de arte oriental. Budas e deuses chineses e indus, trabalhados em ouro, bronze, prata. Arranjam com cuidado e arte as coleções antigas, procurando não acumular para dar melhor efeito. Logo de entrada 3 deuses orientais, em ouro, quase do tamanho natural. Depois as galerias, vitrines, com objetos de arte, vasos, medalhões, mitos orientais.
No museu de Seattle: "O museu fica situado no centro de um parque, no estilo do Metropolitan de New York. É maravilhosa a coleção que têm de arte oriental. Budas e deuses chineses e indus, trabalhados em ouro, bronze, prata. Arranjam com cuidado e arte as coleções antigas, procurando não acumular para dar melhor efeito. Logo de entrada 3 deuses orientais, em ouro, quase do tamanho natural. Depois as galerias, vitrines, com objetos de arte, vasos, medalhões, mitos orientais.
San
Francisco é chamada a Paris da América,
recebe muito da cultura européia, misturada cem o
espírito oriental.
Visitando a China town de Nova York : "China
town é um pedaço do Oriente encravado na América. As construções são chinesas,
as caras são chinesas, as lanternas são chinesas. À noite, com tudo
iluminado lembra um conto de mil e uma noites. As lojas tem coisas
lindas, objetos de arte, marfim, jade,
bronze."
Observei
que os artistas do leste e oeste americano têm um estilo completamente
diferente. "Notei isto nas minhas viagens. Aqui em N. York predomina a
escola de Pollock, Hoffman, De Kooning, Stamus e Brooks. São violentos,
expressivos, completamente informais. James Brooks pertence à categoria dos
informais, suas fases são firmes e conscientes, e há uma certa unidade entre
elas. Todo o itinerário de sua pintura está aí nos quadros que me mostra.
"
Meus trabalhos
informais foram influenciados pela
caligrafia japonesa, que eu conheci pela primeira vez em 1961.
*Fotos da internet
e de arquivo
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segunda-feira, 9 de novembro de 2015
UDAIPUR
A chegada em Udaipur é um deslumbramento. Nosso
hotel fica à beira de um lago, onde as lavadeiras, envolvidas em panos
coloridos, cantam batendo as roupas. Neste lago a cidade é refletida com suas
torres, templos e palácios.
A influência
árabe se faz sentir na beleza das colunas e arcos, nos nichos, nos arabescos,
um toque de mil e uma noites no coração da Índia.
Circundada por montanhas de pedra e plantações que
se perdem de vista, Udaipur oferece ao visitante uma visão do passado que se
projeta no presente, cheio de vida. Mulheres carregando vasos dourados sobem as
ladeiras envolvidas em sáris coloridos, desenhos de elefantes ilustram as
paredes brancas.
À noite, contemplando o reflexo das luzes no lago em
frente, entro em estado de meditação.
Estamos vivendo a época do turismo. Mulheres,
crianças, homens, olham ansiosos as pequenas miniaturas contando a história dos
grandes de antigamente. O quarto de dormir do marajá é decorado com espelhos,
mármores, marfim – como se fosse uma caixa de joias. Este palácio, que levou décadas
para ser construído, hoje é objeto de curiosidade dos turistas, que consomem
tudo na maior rapidez.
Numa grande
sala decorada com tapete vermelho, jovens artistas pintam, sobre seda esticada
na prancheta, palheta e tintas no chão, miniaturas da história dos antigos reis.
Pintam com tinta retirada das pedras das montanhas – o verde vem de uma pedra
chamada “malakite”, o azul vem da “turquise”, o vermelho de diversas pedras. As montanhas ARAVALI são as mais velhas e mais
ricas do mundo. O método para se fazer tintas é muito antigo: triturar as
pedras num pequeno recipiente e em seguida dissolver o pó com água e goma
arábica. A delicadeza das pinturas mostra o refinamento da sensibilidade desses
artistas.
*Fotos de Maurício Andrés e da internet
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terça-feira, 3 de novembro de 2015
MOUNT ABU II
Mr. Thakur toma conta da casa de campo do marajá de
Jodhpur há 20 anos, neste espaço maravilhoso, lugar de repouso e meditação. A
casa de hóspedes foi construída sobre uma montanha de pedra. O velhinho sentado
em minha frente suspende os bigodes para tomar chá. Conhece yoga, faz meditação
e quer nos levar ao templo para conhecermos dois swamis com grande conhecimento
de sânscrito e escrituras antigas. As coisas mais preciosas quase sempre estão
discretamente veladas ao público, à curiosidade turística das lentes
fotográficas. Repousam em silêncio, e a energia vem deste silêncio.
Subimos a rua do hotel, onde as casas são
construídas em cima das pedras, até um recanto rodeado de árvores e flores. Um
swami vestido de alaranjado regava o jardim. As montanhas de pedra sempre têm
uma energia própria, e esse templo, encravado na pedreira, de uma singeleza
comovente, nos ofereceu um momento de paz e serenidade. O telhado do templo tem
a forma de Shiva Lingam, união da energia masculina e feminina. Os hindus
reverenciam esta polaridade que existe na natureza e no universo. Em várias
partes da Índia, Shiva é representado em esculturas de bronze ou de pedra.
“Estes símbolos têm força e nos conduzem ao nosso
próprio centro. O culto a Shiva é o mais antigo da Índia, anterior à invasão
ariana. Ele nos faz reconhecer nossas origens, sem a especulação intelectual. A
cultura antiga da Índia, em sua autenticidade e singeleza, se faz presente neste
templo escondido entre árvores e pedras.
“A força de Shiva Lingam traz benefícios para quem passa
na estrada”, nos diz o swami.
Um enorme sino de bronze anuncia os horários de
puja: quando o sol nasce e quando o sol se põe. Nesse
horário, os devotos chegam para cantar mantras.
A “bannyan tree” é uma árvore muito conhecida na
Índia. Em Madras, na Sociedade Teosófica, ela cresceu tanto que atualmente é
objeto de turismo. Ocupa o espaço de uma grande praça.
Hoje estou sentada em frente a uma bannyan tree aqui
em Mont Abu, no hotel onde estou hospedada. O cansaço das várias viagens tirou
minha energia, e a comida apimentada atacou meu fígado. Procurei um lugar onde
a natureza pudesse me refazer. O velhinho veio atrás de mim com uma cadeira. A
bannyan tree se desdobra em várias árvores, vindas do tronco principal – as
raízes se enroscam nas pedras, continuam por debaixo delas, surgindo novamente
da terra, num abraço compassivo da natureza. Aqui, cercada de árvores vindas da
mesma árvore central, eu me sinto dentro de um templo. Os galhos se
multiplicam, vindos da mesma terra, e abrigam as pessoas que chegam. A fonte é
a mesma e a natureza nos ensina a cada instante que viemos do mesmo tronco...
cada um de nós encontra o seu templo em qualquer lugar do mundo.
Vimala Thakar nos recebeu em sua casa em Mount Abu.
Viemos até aqui atraídas por sua vibração. Há muitos anos desejava encontrá-la.
Não é fácil encontrar uma pessoa cuja presença seja realmente transformadora.
Os seres espiritualmente adiantados nos recebem, estão prontos a nos ajudar,
mas nada fazem para nos prender. Vimala já percorreu vários países do mundo
fazendo palestras sobre a necessidade de uma transformação completa do ser
humano. O toque incisivo, penetrante, de Krishnamurti se faz notar em seus
escritos. Vimala foi profundamente marcada pelos ensinamentos desse grande pensador indiano. Ela não fala
para multidões. Recebe em sua casa pequenos grupos interessados no crescimento
interior. Pessoas chegam de diversas partes do mundo para este recanto isolado
de Mount Abu, longe do burburinho da cidade. Vimala iniciou seu trabalho como
seguidora de Gandhi. (diário de viagem, 1993)
Fotos da internet
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