quinta-feira, 3 de março de 2016

VIAGEM AOS EUA II

Na minha viagem aos EUA em 1961, conheci Mrs. Phillips, que se tornou minha amiga. Transcrevo abaixo trecho do meu diário da época, com foto do nosso encontro em Washington.
Mrs. Phillips escreveu-me gentilmente um cartão. Marcou-me um appointment a que não posso faltar. Encontro marcado na Pan American Union às 3 e meia da tarde. Espero-a no lobby. Ando de um lado para outro, imaginando como seria a famosa lady. Não a conheço pessoalmente, sei que deve ter uns 55 anos e pinta. Tem a melhor galeria de arte dos Estados Unidos, a Phillips Collection. Finalmente chegam, Mrs. Phillips veio com o marido. Já o conheço daquela vez que lá estive. Vamos até o local da exposição. Mrs. Phillips mostra-se entusiasmada com os desenhos, compra um para sua coleção. Para mim, isto é uma grande vitória. Mrs. Phillips coleciona quadros de artistas famosos, ter um desenho na sua coleção significa muito para um artista. Saio feliz da Pan American Union com o casal Phillips, com o fato de estar presente na melhor galeria de Arte dos EUA. A Phillips sempre foi a minha galeria preferida. Sempre admirei o gosto que tem no arranjo dos quadros, nas luzes, na escolha dos trabalhos. Estou contente no meio deles. O carro sai conosco da União Pan Americana. O chauffeur nos cobre as pernas com uma manta de lã, Mr. Phillips está ao meu lado. Conversamos sobre arte. A estrada é linda, leva-nos além de Georgetown à mansão dos Phillips. Entro meio sem jeito naquele palácio. Vem um mordomo abrir as portas, dois cachorros de raça nos recebem festivamente. Já me acostumei à presença de cachorros dentro de casa. Eles percebem que sou amiga, chegam perto de mim, aliso-lhes o pelo. Já não tenho medo. Sei que não mordem, são educados. A casa é uma imensa galeria de arte. Às vezes, trocam os quadros, o Salão Grande agora está cheio de Bonnards. Levanto-me para ver de perto. Quadros de Rouault, Braque, Picasso, Puvis de Chavannes. Nunca havia visto antes um Puvis de Chavannes ao natural, apenas por reprodução. Admirei-me das cores suaves que emprega. Há um imenso Bonnard em tons de rosa, uma praça de Paris em plena neve. A neve é cor-de-rosa, o céu é cor-de-rosa. Quase não me foi possível engolir o chá. Estava tão surpresa, que ele fazia barulho na garganta ao descer, gole por gole. Mr. Phillips indagou muito sobre o Brasil. Tive de escrever o nome de Guignard para ele. Talvez se lembre de comprar um para sua coleção… Mrs. Phillips é discreta, fala pouco, mas muito simpática. Mostrou-me um dos seus quadros em cima da lareira, um grande painel representando uma paisagem de montanhas. Mrs. Phillips gosta de pintar paisagens. Também, a casa é rodeada de paisagens belíssimas. Fica situada no alto, com os gramados cercando árvores plantadas sobre a grama. Ao longe, enxerga-se a paisagem de Washington. Demoro-me olhando a vista. Como deve ser bom pintar dentro de um cenário tão deslumbrante e convidativo! … O chauffeur vem me trazer em casa. Pelo caminho, indaga sobre minha terra. Está curioso por saber notícias do Brasil. Conhece o Rio de fama e Brasília de postais.
Phillips Collection
Esta é uma galeria em que os quadros podem ser realmente contemplados. É por isso que todo o mundo entra devagarinho, pisando nas pontas dos pés. Entram com o respeito com que entram numa igreja, conversam baixinho, para não perturbar a paz e a poesia que flui de cada quadro. Sento-me horas em frente ao Bonnard da sala de cima, representando uma menina com o cachorro. Interessa a poesia daquele vermelho, único toque luminoso no centro do quadro. Bonnard não é o meu artista preferido, mas essa menina de vermelho tem alguma coisa de diferente e inédito. Na sala de Rouault há uma figura estranha sentada na minha poltrona. Na poltrona verde, de veludo, onde costumo me assentar. A figura parece de cera, está imóvel. Sentou-se debaixo de um quadro, a luz ilumina-lhe o rosto, também. Deve ter uns 18 anos e é de uma palidez impressionante. Só o rosto iluminado, cabelos pretos, blusa preta, calça preta… Está olhando horas seguidas o mesmo quadro que eu também admiro, “O Cristo com o soldado”. Peço lápis ao porteiro para tomar notas, e subo para ver a salinha de Klee. Depois desço, venho escolher postais de quadros. Talvez seja a última vez que estou entrando na Phillips Collection, preciso reunir alguns cartões. Escolho os que mais me agradam e vou ao porteiro. O porteiro é um velhinho simpático. Está sempre naquela mesa de entrada, treinando taquigrafia. Trabalha há muito tempo para o Mr. Phillips. Já me viu tantas vezes entrar e sair que meu rosto lhe é familiar. “- A senhora é a artista que veio do Brasil? Não vou lhe cobrar os cartões, leve-os de presente…”
*Fotos de arquivo e da internet

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