terça-feira, 5 de abril de 2016

VIAGEM AOS EUA VI - Stamos e Art students league

Escrevo de dentro do Boeing da United Airlines. Vim de 1ª classe, assentos confortáveis, melhores que a minha viagem do Brasil. Expectativa. O Boeing ainda não levantou vôo. Enorme campo, coberto de neve, somente a pista, limpam para a aerona­ve subir. O sol do poente, muito vermelho, levanta-se no meio da fumaça e da neve, como as manchas de um quadro de Stamos.  Vi este quadro ontem numa galeria em N.York. Enorme campo branco e no meio do espaço manchas dramáticas de vermelho, alaranjado. Igualzinho ao quadro de Stamos, um dos maiores expressionistas, americanos.
                   Resolvi frequentar um curso noturno de arte na tradicional Art Students League. Fico admirada de ver tanto academismo nas paredes e nas salas. Vou passando depressa pelos corredores, até atingir a sala de Mr. Stamos. Mr. Stamos é um dos poucos professores modernos da escola. Conheci-o de longa data, através de um catálogo que o consulado americano me enviou no Brasil há um ano. Aquele quadro vermelho e negro, com um grande espaço branco, impressionou-me de início. Mr. Stamos tem consciência do que faz. Considerei-o o melhor dos pintores americanos por aquele catálogo. Considero-o ainda o melhor da costa leste. Tem uma capacidade de síntese impressionante e extraordinária força de expressão. Agora, virei estudante. Sou sua aluna.  Comprei um estoque novo de tubos e telas. Esses tubos, enfileirados dentro da caixa, dão-me uma certa alegria de viver. Com a ajuda deles, posso me expressar, isto me dá uma emoção logo de entrada. A sala é iluminada com enormes lâmpadas, cercada de prateleiras. Dezenas de estudantes trabalham aí. Veem-se restos de papéis sujos de tinta, os cavaletes são imundos de tintas, as portas são sujas de tinta. Há tintas e quadros por todos os lados, quadros modernos, expressionistas, sem o controle e a disciplina da nossa conhecida escola brasileira. A pintura vem à tona espontânea, saindo diretamente do pincel para a tela, sem o estudo prévio de um croqui. Fico observando os colegas e começo também a pintar. Tenho as tintas à minha frente, uma tela enorme para ser usada. Quero usar cores bem claras, para não ser chamada de decorativa. Não quero ser decorativa, quero ser expressiva. Pinto o espaço pensando nos imensos voos que dei. Não são mais navios, são céus, céus americanos, guiados por mãos brasileiras. Estou contente de começar a ser livre. Agora, posso pintar sem o medo de errar. Posso pintar livremente, sem a medida da régua, do espaço dividido geometricamente, e, engraçado, uso, às vezes, o pincel como Guignard me ensinou, há anos. Ponho duas, três cores, e faço o pincel rodar. As aulas de Guignard voltaram à tona, depois de tantos anos. Os alunos me observam, mas não tenho medo. Mr. Stamos ainda não viu meus quadros. Vem duas vezes por semana para criticar. Reúne em círculo os alunos, e um por um, são observados os quadros. Faz a crítica, dá sugestões – não toca no quadro, nem dá pinceladas para mostrar. Critica, apenas – depois pede sugestões aos alunos. Depois de uma hora de crítica, retira-se e deixa a turma sozinha.
Mr. Stamos gostou do meu trabalho e os colegas me cercaram com perguntas. Tive de responder que viera do Brasil e também que eu já tinha muitos anos de arte. Naquele momento conquistei novos amigos nos EUA, todos ligados à “Action Painting” (pintura de ação)
                   As aulas de Theodorus Stamos influenciaram a minha pintura. O meu abstrato informal passou a ser mais livre e corajoso. Depois dessa viagem aos EUA em 1961, passei a pintar diretamente em grandes telas, sem estudos preliminares. (Trecho do diário de viagem aos EUA, 1961).

*Fotos da internet

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