Transcrevo abaixo trecho do meu diário de viagem aos EUA, em 1961:
Esperava-me no
aeroporto uma americana de 30 anos, muito gentil e despachada. Tomou-me metade
dos pacotes, saiu andando na frente até o seu carro estacionado no aeroporto,
resolveu tudo para mim. Enquanto rodávamos em direção ao hotel, ia apreciando a
paisagem noturna e recebendo o primeiro impacto com aquela maravilha de luzes
e curvas, que é a cidade de San Francisco.
Já havia apreciado por cartões e fotografias, mas não há como ver
com os próprios olhos. Não há como viver e poder sentir a cidade de perto. San
Francisco é chamada a Paris da América, recebe muito da cultura européia, misturada com o espírito oriental. As
lojas e vitrines são bem arranjadas, gosto francês nos manequins. Flores por
toda a cidade, colorido de matizes diversos, perfumes, alegria de primavera. Um
contraste completo, sem a tristeza do leste e suas terríveis tempestades de
neve. Este foi um domingo cheio de
surpresas. Havia um appointment marcado com o pintor Ralf Du Casse. Conheci
Ralf Du Casse quando esteve no Brasil em 1956. Esteve lá em casa, com Mário
Silésio, Lúcia e Antônio Joaquim de Almeida. Lembro-me bem dele. Mas já me
avisaram em Washington que ele mudou muito. Sofreu um acidente enquanto pintava
um mural. Teve fraturas nos dois braços, precisou fazer plástica no rosto.
Recebi um telefonema dele ontem, a voz muito alegre “Welcome to San Francisco,
Maria Helena! ” Queria saber se eu poderia mesmo ver seus quadros. O
appointment foi marcado ,acho melhor quando é assim, pois o horário é cumprido
religiosamente. Às duas horas, já estava ele no hall do hotel. Desconfiei que
só podia ser ele.
Estava esperando uma reação minha.
Tornou-se muito feliz quando disse tê-lo reconhecido. Levou-me até seu estúdio,
mostrou-me os quadros um por um. Vai fazer uma exposição em San Francisco agora
em março. Os quadros estão fresquinhos, o cheiro de tinta chega até o corredor.
São enormes, 2 metros de altura por 1 metro de largura. Formas abstratas em
fundo branco, um abstrato informal, mais lírico, mais limpo, mais cuidadoso.
Pinta as formas sobre a tela, sem um estudo prévio. Depois vai cuidando delas,
acrescentando detalhes à composição. Alguns são extremamente poéticos e têm uma
certa influência oriental. Chamei-lhe a atenção disto e ele me disse que de
fato esteve o ano passado no Japão. Mr.
Du Casse reage contra o expressionismo do leste. Contra Hoffmann e seus
filiados e também contra o concretismo matemático, cheio de medidas e regras.
Suas formas são leves, luminosas. São decididas, abraçam o espaço branco da
tela como mundos que se desvendam. Gostei muito. A turma de pintores do Pacífico
é extremamente diferente do expressionismo furioso dos pintores do Atlântico.
Engraçado, eu estou podendo fazer este julgamento. Mas a minha viagem me
proporciona também, além de tudo, o prazer de comparar. Estive em Washington e
N. York, agora em Seattle e S. Francisco. Parece que os daqui são mais
comedidos, refletem mais quando pintam.
Volto a olhar a paisagem. A
Califórnia deve ser o celeiro do país. São campos e campos cultivados; enquanto
neva no leste, o homem planta e colhe aqui. Faz gosto ver como tratam da terra.
Estamos agora em Watson View, célebre por suas plantações de morangos. Do outro
lado cultivam espinafres, peras, maçãs. Da janela, estou vendo o panorama.
Estamos perto de algum campo de aviação. Não vejo o aeroporto, vejo os jatos no
céu. Deixam um traço reto no espaço, como uma enorme cauda de fumaça. Um na
frente, deve ser dos Boeings 707, muito grande; outros menores, atrás. Um já
fez uma curva para descer. Quando se está lá dentro, não se percebe que vão tão
depressa.(Trecho de diário de viagem aos EUA, 1961)
*Fotos da internet
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